Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

‘A imprensa é indispensável para o funcionamento da democracia’

Em 2006, a imprensa passou de noticiadora à notícia em confrontos com o governo. De um lado, denúncias contra autoridades. De outro, críticas contra os jornais e revistas. No entanto, teve um saldo positivo: o interesse em discutir o papel da mídia.


As declarações polêmicas do presidente Lula foram muitas em 2006. Quem não se lembra quando, na Venezuela, se solidarizou com o presidente Hugo Chávez ao dizer que sabe muito bem o que é ser perseguido pela imprensa?




Lula: ‘Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer no Brasil e aconteceu o mesmo, querido companheiro’.


Mas, num exercício de autocrítica também admitiu que sua trajetória dos tempos do ABC à subida da rampa do Planalto, muito de deveu a imprensa.




Lula: ‘Eu, por mais que tenha queixa da imprensa e acho que todo mundo tem queixa da imprensa, só sou o que sou por causa da imprensa’.


Gostando ou não, o presidente teve que ouvir várias críticas durante o ano. Foram muitos os escândalos e a mídia não se omitiu. As denúncias foram destaque e se transformaram em investigações policiais e políticas.


Os jornalistas, como não podia deixar de ser, cobraram respostas do governo. Isso não quer dizer que o trabalho foi perfeito. Houve casos em que a falta de apuração e interesses duvidosos interferiram no processo. Neste caso, quem sai perdendo é a sociedade. Durante a campanha eleitoral, o presidente Lula reagiu indignado às denúncias de que ele e outras autoridades teriam contas no exterior. A paz parecia estar selada depois da reeleição. O presidente prometeu um melhor relacionamento com a imprensa e destacou a importância da mídia.




Lula: ‘A imprensa tem um papel muito importante em tudo o que nós estamos vivendo no Brasil de conquista de democracia’.


Mas os militantes do PT estavam longe de acenar uma bandeira branca. Para alguns, o clima era de revanchismo e houve até agressões contra jornalistas. E o ex-ministro Ciro Gomes ajudou a colocar lenha nessa fogueira.


Serenados os ânimos, o presidente Lula parte para um novo mandato. Na cerimônia de diplomação se emocionou, mas não dispensou mais algumas alfinetadas na imprensa. 2007 chega e, com ele, se inicia mais uma etapa do governo Lula. O que se espera é que nessa relação de amor e ódio entre a mídia e o presidente, os dois lados reflitam e concluam que só com uma relação madura entre esses dois poderes, o Executivo e a imprensa, será possível o fortalecimento da democracia brasileira.


***


Alberto Dines – Uma explicação ao telespectador. Pretendíamos convidar representantes dos três grandes jornais nacionais para participar dessa conversa com André Singer. Infelizmente, a Folha não conseguiu indicar um representante.


André Singer é secretário de Imprensa e Divulgação e também porta-voz da Presidência da República. Bacharel em jornalismo e ciências sociais, doutor e professor de ciências políticas. Foi secretário de redação da Folha de S. Paulo e diretor de redação da revista SuperInteressante. Escreveu, entre outros, O PT e Sem medo de ser feliz – Cenas da campanha.


André, primeiro muito obrigado por participar dessa edição talvez histórica, por ser a última deste ano, ‘o ano em que a mídia esteve na mídia’, mas você está numa posição talvez mais difícil, mais espinhosa, porque você estava ali, entre a mídia e o governo. Sendo secretário de Imprensa e ao mesmo tempo porta-voz, ficava espremido entre esses dois grandes vetores que se confrontaram pelo menos parte desse ano. Como é que você se sentiu nessa condição?


André Singer – Dines, em primeiro lugar, muito obrigado pelo convite. Boa noite também aos colegas Aloízio Maranhão e Ricardo Gandour. Boa noite a todos os telespectadores.


Antes de responder à pergunta, gostaria de fazer um elogio a você, Dines, ao programa e a todo o trabalho do Observatório da Imprensa na internet, que cumpriram um papel muito importante neste ano. De fato, eu pude perceber que foi um ano em que a mídia se discutiu. Essa é uma proposta muito antiga pela qual você vem batalhando e o papel de espaço de debate, independente de concordar ou discordar dessa ou daquela opinião, exercido pelo Observatório foi muito importante.


Para mim, particularmente, e também para todos os companheiros que estão comigo na Secretaria de Imprensa, foi um ano difícil, mas também foi um ano gratificante. Assim como o ano passado foi um ano difícil, porque, na realidade, o desafio que nós tivemos foi imenso – justamente esse que você apontou. O de procurar, em uma situação às vezes muito tensa, fazer com que a relação entre o governo e a imprensa fosse a melhor possível, a mais fluente possível.


Em se tratando de um ano eleitoral, em que nós havíamos saído de uma crise política em 2005 com um papel muito importante exercido pela mídia, eu acho que nós conseguimos levar isso adiante e chegar a um resultado positivo. O presidente, como você mesmo notou, disse várias vezes – e eu estou convencido de fato – que terá uma relação diferente com a mídia no segundo mandato. Mesmo que aqui e ali haja críticas a serem feitas a certos momentos da cobertura, acho que nós vamos entrar em 2007 numa relação muito melhor. E, nesse sentido, eu acho que foi compensador todo esse trabalho que a gente procurou fazer.


A.D. – Ricardo Gandour é engenheiro civil e jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo, na Editora Globo e no Diário de S.Paulo. Desde outubro, é diretor de conteúdo do Grupo Estado. Ricardo, você tem a palavra para perguntar o que quiser ao André Singer.


Ricardo Gandour – Boa noite, Dines. Boa noite André, Maranhão. André, você acabou de falar dos planos para 2007. A gente sabe o que caracterizou a relação entre o governo e a imprensa, mas especialmente na noite em que se consagrou reeleito, o presidente Lula usou uma expressão que a gente não consegue esquecer. Em tom de brincadeira, ele disse o seguinte para os jornalistas presentes naquela noite: ‘Vocês vão cansar de coletivas daqui para frente’. Talvez reconhecendo nessa expressão a necessidade de algum avanço no relacionamento com a imprensa. O que, concretamente, você nos revelaria que está nos planos para azeitar e tornar mais freqüente o contato do Planalto com a imprensa?


André Singer Em primeiro lugar, acho que cumpre notar o seguinte: o presidente, de lá para cá, vem dando entrevistas quase que diariamente. Ele não tem se furtado em todos os contatos com os jornalistas a responder diversas perguntas. Qualquer solenidade pública da qual ele tem participado, as viagens às quais ele tem ido, sempre que ele se encontra com os jornalistas, ele tem conversado, respondido perguntas. É uma demonstração de que essa fluência na relação aumentou significativamente. Ele também deu, logo no dia seguinte à vitória do segundo turno, uma série de entrevistas à televisão, às várias emissoras abertas do país. Eu acho uma demonstração de que ele está realmente querendo conversar com os jornalistas, responder perguntas, falar com a imprensa.


Os planos são relativamente simples. Nós gostaríamos que o presidente tivesse o maior contato, o mais fluente possível, com os jornalistas. Evidentemente, nós não podemos pedir a ele que passe o dia inteiro dando entrevistas, porque ele tem inúmeras tarefas de governo com as quais tem que arcar. O presidente desempenha uma jornada de trabalho de cerca de doze horas, intensíssima. Eu tive oportunidade de acompanhar durante esses quatro anos essa jornada de trabalho, que é muito pesada. Então, de fato, há problemas de agenda reais, mas nós queremos que uma parte dessa agenda seja dedicada à imprensa. Estou muito otimista de que vamos realmente virar a página.


A.D. – Aloízio Maranhão, formado na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 36 anos de profissão. Foi diretor de redação do jornal O Estado de S.Paulo, editor de opinião do jornal O Globo há 5 anos. Aloísio, o podium é seu.


Aloízio Maranhão – Dines, boa noite. Boa noite André, Gandour. André, quando o presidente, recentemente, disse que a vida política dele se deve à imprensa, eu estou convencido que ele acredita nisso e é mesmo verdade. As redações sempre foram muito simpáticas ao PT e ao Lula. Durante esse primeiro mandato, há ambigüidades. Se por um lado há discursos nessa linha, de outro existem fatos preocupantes como o acolhimento da proposta do Conselho Federal de Jornalismo, o surgimento dentro do governo da Ancinav, que tem lá um vírus intervencionista na produção cultural, audiovisual. Então, quando a gente faz um flash-back nesses quatro anos, olhando do ponto de vista das redações, há altos e baixos. Será que por trás de alguns momentos de irritação não houve em determinadas situações uma espécie (do ponto de vista do PT que você conhece bem por dentro) um sentimento de traição? Não se poderia imaginar que aquelas redações que tanto o apoiaram, que tanto o prestigiaram, estavam, de certa maneira, ‘o maltratando’ em certas coberturas?


André Singer – Em primeiro lugar, eu acho que, de fato, durante um período da vida política brasileira talvez houvesse nas redações um ambiente difuso, mas simpático ao PT. Isso é um fenômeno do passado. Eu sinto que isso já mudou e que a composição das redações já se alterou – e que as novas gerações já têm uma postura diferente. Isso talvez seja um quadro um pouco mais do passado do que do presente.


Com relação a esses episódios que você mencionou, todos eles são em si temas que valeriam um debate inteiro. Com relação ao Conselho [Federal de Jornalismo], aí você sabe, uma parte da categoria dos jornalistas é favorável ao Conselho e acha ele poderia funcionar como alguma coisa parecida a Ordem dos Advogados do Brasil. Quer dizer, algo como uma instituição que fosse reguladora da profissão e é evidente que a categoria está dividida com relação a isso – eu sei disso – e o que o governo fez foi encaminhar uma proposta que é da Federação Nacional dos Jornalistas, que representa uma parte da categoria. Talvez o governo não devesse ter encaminhado essa proposta, porque justamente não é uma proposta que unifique a categoria. Rapidamente o governo percebeu que ela dividia e retirou a proposta, no sentido de que não insistiu que ela tivesse encaminhamento, deixando claro que apenas tinha encaminhado aquilo que julgava ser uma aspiração da categoria como um todo.


Com relação à Ancinav, eu não acompanhei tão de perto os debates, até porque aconteciam no âmbito do Ministério da Cultura, mas também o governo nunca chegou a formular esse projeto como um projeto a ser encaminhado para o Congresso. Então, você poderia enxergar tanto num episódio quanto no outro, na verdade, demonstrações de que não havia por parte do governo nenhum plano, nenhuma intenção no sentido de coibir a liberdade de imprensa, o que é algo de que eu estou profundamente convencido: esse governo é profundamente democrático e o presidente é profundamente comprometido com a idéia de democracia e com a liberdade de imprensa como fundamento da democracia.


Eu acho que não há sensação de traição ou de que se esperava um outro tratamento. A meu juízo, o que há é a condição normal que existe entre imprensa e governo, uma vez que a imprensa tem um papel crítico com relação aos governos – e deve ter. Então, há uma tensão natural da imprensa e o governo, e vice-versa, talvez agravada, no caso do nosso governo, por alguns mal-entendidos que eu julgo serem episódios isolados, que não traduzem nenhuma intenção maior, mas que, juntamente a alguns outros fatores do início do governo, podem ter contribuído para uma relação mais tensa do que aquela que seria necessária.


‘Há um esforço da mídia impressa em se tornar mais analítica’


A.D. – Você mencionou a natural tensão entre poderes e a imprensa é um poder; embora não formal, é um poder e é perfeitamente natural que haja um conflito e alguns desequilíbrios. Eu queria lembrar uma entrevista que nós fizemos há pouco tempo com seu colega seu governo, o Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás [ver ‘O Estado é lado forte, não pode vestir a fantasia da vítima‘]. Inclusive, depois ele foi procurado por outros veículos e formulou o raciocínio, que eu considero brilhante, de que o governo não pode se considerar vítima da imprensa porque é um poder maior, o poder do Estado.


A imprensa é um poder sem poder, não tem divisões, não tem tanques, não tem nada. Em alguns momentos parecia que realmente o governo se considerava vítima da imprensa e nós tratamos várias vezes disso aqui. O governo se vitimizava e apresentava a imprensa como Satã, como o opressor. Você não acha que isso cria na sociedade uma incompreensão do papel da imprensa, e realmente há alguns pontos cinzentos na questão que uma pesquisa levantava sobre equilíbrio dos poderes?


André Singer – Nós temos que fazer uma divisão entre o que é a imprensa e o que são os veículos de comunicação. Eu jamais diria e acho que o governo jamais disse que era vítima da imprensa. Há momentos em que coberturas pontuais de determinados veículos carecem de dois, digamos, pressupostos – um deles até tive oportunidade de mencionar aqui num programa anterior em que eu vim – que são o equilíbrio e a presunção de inocência.


O fato de você apresentar uma notícia de caráter político [exige] estar muito atento para apresentar os dois lados, em igualdade de condições. O que ocorre é o seguinte. A notícia, mesmo que ela seja uma notícia na qual haja preocupação de objetividade, ela é usada no confronto político. O confronto político é uma disputa entre forças que estão procurando uma anular à outra. Então, há um uso do noticiário. A preocupação de quem faz a edição de Política deve ser uma preocupação constante. Isso vale para muitas outras áreas da imprensa, possivelmente todas nas quais haja conflito: procurar apresentar igualdade de condições às várias partes. Essa é a primeira questão. Eu acho que em vários momentos faltou a certos veículos esse equilíbrio.


Em segundo lugar, eu diria que há um pressuposto à presunção de inocência – e não de culpa. Eu daria um exemplo: no meio de setembro do ano passado [2005], quando surgiu aquela questão de compra de um dossiê, durante o período eleitoral, vários jornais deram muito destaque para o possível envolvimento de um assessor do presidente, Freud Godoy. Agora que se encerrou a CPI dos Sanguessugas, há fortes indícios de que não houve nenhum envolvimento do Freud Godoy com esse episódio. Nesse momento, fica claro que aquele destaque claramente tendia a indicar uma culpabilidade. Agora, não se dá o mesmo espaço, o mesmo destaque a uma notícia que vá na direção contrária.


Nós não estamos discutindo aqui a imprensa como um todo. Eu acho que a imprensa tem um papel que é fundamentalmente saudável e que é indispensável para o funcionamento da democracia. A imprensa tem que ser livre, crítica, fiscalizadora. Isso não está em discussão. Agora, que determinados veículos, em determinados momentos, possam cometer certos desequilíbrios, possam utilizar a presunção de culpa e não a de inocência, eu acho que são temas que devem ser pontualmente discutidos. Esse me parece muito o próprio objetivo deste espaço.


A.D. – André, não foi setembro do ano passado. Foi setembro deste ano [2006], o ano que ainda não acabou. A sua última aparição aqui foi em 16 de maio deste ano, quando nós tratamos com o Luiz Garcia, Luis Nassif e você de umas denúncias que a revista Veja fez e que não foram comprovadas.


Ricardo Gandour – André, por favor, você mencionou há pouco que o projeto do Conselho tramitou mais ali fortemente no primeiro terço do primeiro mandato e não teve êxito, entre outras causas pela divisão que teria provocado na comunidade jornalística. No entanto, logo após o segundo turno, algumas vozes do governo, me lembro pelo menos da ministra Dilma [Rousseff] citaram conceitos de redemocratização da mídia, coisas assim. Quer dizer, com claros sinais de que esse conceito ou esse ímpeto permanece em alguma medida no âmbito do governo. Eu acho que a ansiedade que existe entre nós jornalistas é ouvir de você, às vésperas do segundo mandato, na sua avaliação como jornalista e hoje na pasta pela qual responde. Você tem convicção de que é necessário alguma normatização nesse sentido? Você está convencido daquele projeto que não foi em frente apenas pela divisão que causou? Qual a sua opinião pessoal e técnica sobre o assunto e o que podemos esperar nos primeiros meses do mandato?


André Singer – Gandour, em primeiro lugar, eu acho que são dois assuntos inteiramente separados. Eu não me lembro de ter registrado nenhuma declaração da ministra Dilma com relação a idéia de democratização dos meios de comunicação. Esse debate está muito mal colocado no Brasil. Eu entendo que você pode imaginar que se houvessem mais jornais no Brasil, em mais regiões, [seria] um tema legítimo de debate você dizer que a produção cultural regional deve ser fortalecida, que é preciso estudar a possibilidade de existir políticas públicas que estimulem a produção cultural regional, só para colocar um paralelo. Então, eu acho que isso não está em debate no governo. Eu não conheço nenhum projeto dentro do governo voltado para isso. Esse é um debate que está posto no âmbito da sociedade e eu quero ser bem categórico com relação a isso. O debate é legítimo, mas não há nenhum projeto no governo voltado para isso.


Com relação ao Conselho [Federal de Jornalismo], eu entendo que é um outro tema. É a questão da auto-regulamentação da profissão. É um pouco o que faz o Conar na publicidade ou o que faz a OAB com os advogados, ou o Conselho de Medicina com relação aos médicos. Esse tema é um tema polêmico e que merece um debate aprofundado porque, de fato, há muito o que se dizer sobre se a profissão de jornalista deve ser regulamentada como outras profissões que colocam vidas em risco, que colocam a segurança das pessoas em questão. Trabalhar com a informação, nos dias de hoje, é algo essencial e, a meu ver, será cada vez mais. Não tenho, com toda sinceridade, uma posição formada com relação ao Conselho Federal de Jornalismo. Posso garantir que o governo não tomará nenhuma iniciativa nessa direção.


Aloízio Maranhão – Com relação ao Freud Godoy, só um comentário. Eu acho que você na secretaria [de Redação] da Folha, teria dado manchete com aquela notícia, pelo impacto dela. Concordo contigo que quando a história virou, os espaços não foram tão generosos, mas era de grande parte da notícia. Enfim, nessa infernal mudança, infernal no bom sentido, que nós vivemos no mundo nos meios de comunicação, com mídias muito rápidas e instantâneas, tecnologias novas e emergentes, os jornais tendem a se tornar mais analíticos e, portanto, mais críticos. Faço questão de destacar uma diferença entre o crítico e o analítico do editorializado – quer dizer, não estou me referindo à mesma coisa.


Na cobertura da campanha ficou mais clara essa tendência de, no dia-a-dia, fazer aquilo que no passado se fazia apenas em reportagens especiais e nas edições dominicais. De juntar coisa com coisa, de dizer ‘olha, esse dado aqui não está certo, segundo fulano de tal e etc…’. Do seu posto de observação, você detectou alguma mudança nessa tendência? Você acha que é perceptível para o leitor como você, de gabarito, crítico, que conhece Redação, é do ramo e que está no posto do governo, que há uma tendência nessa linha? Ou não?


André Singer – Aloízio, foi muito interessante a sua observação. Quero dizer, com toda a sinceridade, que talvez tivesse dado a manchete quando eu estava na Folha, mas quero dizer também que aprendi muito nesses anos de governo. O que aconteceu, voltando um pouquinho a esse episódio que eu acho emblemático, um dos personagens envolvidos citou o Freud Godoy e isso levou alguns veículos a dar enorme destaque, praticamente decretando a culpabilidade dele, quando agora fica claro que ela não existia e que ele não tinha nenhum envolvimento com essa história. Eu aproveito essa deixa para dizer que até acho que esse pode ser um problema geral que a gente enfrente no trato da informação que deveria – todos nós, jornalistas, em uma posição ou outra – levar a um exame dos nossos procedimentos. Isso já foi várias vezes discutido com relação ao famoso caso da Escola Base, que por não ser um caso político, é um caso em que ficou mais consensual de que se condenou pessoas que depois se revelaram inocentes. Isso traz um prejuízo grave. Sem querer demonizar ninguém, sem querer fazer aqui uma divisão entre certo e errado, eu tento levar adiante esse debate. Eu acho que talvez todos nós devêssemos fazer um exame dos procedimentos.


Com relação à segunda questão, eu vejo que há um esforço da mídia impressa em se tornar mais analítica e levar ao leitor uma compreensão mais profunda dos fatos. Do ângulo em que eu estive, sobretudo nos últimos dois anos como alguém que leu quase tudo que foi publicado de importante – li obsessivamente tudo nesses últimos dois anos – eu diria que notei muita má vontade em vários momentos, em vários veículos, e notei como a má vontade foi levando essas análises para uma tendência que distorcia até certo ponto a compreensão dos fatos. Eu noto que há um esforço nesse sentido e que é bem-vindo, mas justamente nós gostaríamos que, daqui para frente, esse arejamento das relações pudesse levar a uma análise do governo mais completa e com mais isenção, que pudesse ver as ações importantes que o governo tem tomado.


Um pouco do que eu notei como surpresa eleitoral em vários veículos, se deveu a não ter percebido as coisas importantes que o governo estava fazendo. É claro que o governo comete erros e deve ser criticado, o que eu estou achando é que esse esforço de análise deveria ser acompanhado por uma posição mais imparcial, mais isenta no que diz respeito ao governo.


Perguntas dos telespectadores


Sergio Torres – O presidente fala tanto em palanques que a figura do porta-voz não acaba ficando supérflua?


André Singer – O presidente tem uma capacidade de comunicação direta com a população muito grande e ele usa esse dom que ele tem intensamente, o que eu acho que é bom. Como porta-voz desse governo, eu falo e escrevo notas, pronuncio sempre que é necessário. Nesse sentido, cumpri bem a minha função. Cada governo e cada presidente tem seu estilo e acho que, evidentemente, nosso presidente tem o seu. É preciso que cada profissional que vai ocupar essa posição de secretário de Imprensa, uma posição muito honrosa, procure fazer o seu trabalho dentro desse estilo.


Ricardo Matos – Você acha que a imprensa pode ajudar o presidente a combater decisões polêmicas do Legislativo, como o caso do reajuste do salário dos deputados e senadores, por exemplo?


André Singer – É importante, sem dúvida alguma, a participação da imprensa em todos os grandes assuntos nacionais. Não tenho a menor dúvida, é um lugar-comum importante de se repetir: não existe democracia sem imprensa livre, forte e atuante, por isso em todos os grandes temas a imprensa cumpre um papel fundamental. Nesse caso específico, eu penso que como é um assunto que afeta o poder Legislativo, caberá aos próprios parlamentares darem conta dessa questão. De modo geral, [em] todos os assuntos importantes do país a imprensa sempre tem um papel fundamental.


A.D. – André, você comentou sobre estilo e eu queria comentar um pouco o seu estilo. Tranqüilo, sossegado, muito profissional. Qual foi a sua reação quando, no segundo turno, quase se iniciando uma lua-de-mel, de repente, à margem do Orenoco, o presidente ao lado do Hugo Chávez faz aquele pronunciamento, tentando comparar a imprensa brasileira com a imprensa venezuelana, onde não há termos de comparação, tentando forçar semelhanças que não existem? Como é que você se sentiu? Puxou os cabelos?


André Singer – Olha, eu me senti em todo esse período do governo, que foi muito bom para mim, como alguém que tinha uma espécie de função de embaixador. Eu, inclusive, todo esse período não fiz nenhuma crítica a nenhum veículo específico – a não ser em um ou outro caso muito particular, porque me parece que não é o meu papel. O meu papel é de facilitador e não de complicador.


Eu notei que o presidente, em certos momentos como nesse caso, faz um desabafo que é compreensível. Como eu disse antes, houve momentos dessa cobertura em que a certos veículos faltou equilíbrio e faltou tratar os temas com presunção de inocência. Só para quem viveu de dentro uma situação como essa sabe como é duro isso. Eu já tinha vivido de fora, como lembrou o próprio Aloízio. É uma passagem da minha vida de que eu gosto muito, atuando nas redações, mas eu não sabia como era duro estar do lado de cá.


Ricardo Gandour – Queria me permitir talvez não uma pergunta, mas um comentário e queria o teu pensamento sobre isso. Numa analogia à máxima de que os males da democracia se combatem com mais democracia, talvez os males da discussão sobre o governo possam ser atenuados ou endereçados com mais discussão sobre o governo. Às vésperas do segundo mandato, não é o caso de em vez de discutir a mídia, discutir ainda mais o governo? Abrir ainda mais a discussão pegando um terceiro protagonista que é a sociedade?


André Singer – Eu concordo, Gandour. Quanto mais discussão, melhor, e os problemas de qualquer debate são melhor resolvidos com mais debate, não há dúvida nenhuma. Nós estamos vivendo uma fase muito rica e muito boa da democracia brasileira. Nós passamos por um momento muito importante com a alternância do poder, sem a qual a democracia não se consubstancia enquanto tal. A eleição de 2006 foi muito importante para o processo democrático brasileiro e eu acho que quanto mais se discute o governo, melhor. Agora, o governo tem intensamente se discutido. Ainda bem: isso é ótimo e só faz bem ao governo. Acho que se a sociedade participar mais dessa discussão o Brasil só tem a ganhar. Nós estamos discutindo a mídia aqui simplesmente porque é esse o objeto do programa.


Aloízio Maranhão – Numa entrevista do Eugênio Bucci à Folha, ele colocou uma questão importante sobre o caráter da Radiobrás, que é o braço de comunicação do Estado – se a Radiobrás é um instrumento de Estado ou de governo –, e ele se posicionando a favor de que é um instrumento de Estado, respondendo as críticas que sofreu e sofre dentro do PT, [dos] que acham que a Radiobrás deveria ser instrumento de governo. Qual o posicionamento que o governo tomou a final com relação a essa questão?


André Singer – Eu sou do Conselho de Administração da Radiobrás, estive no Conselho nesses quatro anos. Julgo que foi feito um trabalho administrativo maravilhoso lá. Aliás, nós estamos em um estúdio da Radiobrás, nós estamos falando daqui. Além disso, eu acho que a conduta da Radiobrás foi uma conduta republicana, de buscar informar o cidadão, como diz o próprio lema adotado durante esses anos: ‘Pelo direito à informação’. Claro que, como toda atividade humana, deve ter cometido erros como eu cometo erros diariamente, isso é normal. Mas a política adotada é essa de garantir ao cidadão informação mais objetiva possível sobre as ações do governo e os assuntos que dizem respeito à vida nacional, do ângulo de um conjunto de veículos que são do Estado brasileiro. Isso só foi possível porque o nosso governo garantiu e sustentou esse projeto. Eu, com sinceridade, em nenhum momento vi – e creio que isso o próprio Eugênio repetiu diversas vezes – algum ataque vindo do PT a essa política. Novamente, eu penso que alguns temas provocam falsos debates.


No que diz respeito ao que é fundamental, garantir que as emissoras do Estado brasileiro serão porta-vozes de notícias objetivas, equânimes, que não vão distorcer, e que os recursos públicos não serão usados com outro objetivo que não o de informar a população, eu acho que quanto à continuidade dessa política não há nenhuma dúvida.


‘A expansão do debate é benéfica à sociedade brasileira’


Ricardo Gandour – O que esperamos é que tenhamos a oportunidade de trazer à sociedade mais e melhores informações. Queria te desejar boa sorte no seu trabalho no segundo mandato e que a gente ouça muito o governo, converse muito com o governo.


Aloízio Maranhão – Algumas colocações que você fez aqui eu vi com muito prazer e sei que são sinceras em relação a liberdade de imprensa, separação [entre] Estado e governo, falsas discussões ou discussões enviesadas sobre suposta democratização dos meios de comunicação ou imprensa independente – e estou convencido que você é uma voz sensata nos espaços de poder que você pode atuar, e acho que você seguramente advoga aquela visão de que, excessos e falhas à parte, a imprensa procura veicular fatos. Nem sempre os fatos são agradáveis e esse não é um problema da imprensa. É um problema da contingência da vida real.


André Singer – Gandour e Aloízio, muito obrigado pelas palavras, são recíprocas. Acho que é muito bom a gente se encontrar, ainda que à distância, para um debate como esse. Concordo que nós precisamos do contraditório. Volto a dizer que a expansão do debate só é benéfica à sociedade brasileira. E queria acentuar que para que esse debate possa fluir bem, é preciso o cuidado com o equilíbrio das vozes em cada momento que possa permitir que os vários lados se apresentem numa certa igualdade de condição para que os leitores, os telespectadores, os ouvintes e os internautas possam julgar o que está sendo dito e tirar a melhor conclusão. A gente tem muito a ganhar em estar junto nesse tipo de postura comum, de defesa da liberdade de imprensa e de saber que isso é algo que só vai trazer frutos positivos tanto para o governo quanto para a própria imprensa e para a sociedade. Espero que a gente possa continuar juntos nesse caminho.