Há dois meses, o acordo para a venda da Digital First Media [DFM – empresa de gerenciamento especializada em jornalismo] à Apollo Global Management fracassou (“Apollo withdraws from DFM deal, Paton leaves”) e seu diretor-fundador John Paton disse que iria sair da empresa. Agora, 1º de julho, ele já saiu. Steve Rossi, que era o nº 2, é o novo CEO, tomou controle total da empresa e podemos começamos a poder ver os contornos daquilo que a DFM pós-Paton irá parecer. A Alden Global Capital, principal acionista da DFM, também assumiu mais autoridade, vendendo 10 propriedades da DFM à Gannett (em troca, a Gannett e a parceira Stephens Media renunciaram aos 15% a que teriam direito).
O clima pós-fracasso da venda da DFM intensificou seu foco no aumento de lucros, o que significa mais cortes de pessoal na empresa. A companhia – o “segundo maior grupo de jornais nos Estados Unidos, quanto à circulação – publica atualmente 65 diários e muitos semanários. Dessa forma, sua atual estratégia merece um exame profundo, tanto em termos da indústria quanto de seus leitores e funcionários. Não é fácil ter uma visão clara: os dirigentes da empresa recusaram-se a comentar e consta, por toda a companhia, que os empregados não deveriam falar à imprensa – ou mesmo, se o puderem evitar, falar sobre o corte de empregos.
Aqui, temos uma história que serve de advertência: o que é que acontece quando os donos de um jornal querem sair do negócio, mas não conseguem encontrar um comprador adequado? A Digital First certamente não será a última empresa nessa situação. Conversando com inúmeras pessoas, de dentro e próximas à Digital First Media, esta é a história que descobrimos – e que ainda continua:
Embora o nome escolhido tenha sido “Digital First” [Digital em primeiro lugar] – formalmente adotado quando as duas partes anteriores, MediaNews e Journal Register, se unificaram numa única empresa, no final de 2013 – a companhia eliminou boa parte de sua equipe de tecnologia e desenvolvimento que seria vital para o “digital first”.
A questão é: existe um plano?
Após a venda fracassada, o presidente da Alden Global Capital, Heath Freeman, aumentou a pressão para maiores lucros e pagamentos à Alden. Considerando as quedas contínuas da receita dos jornais impressos – de 7 para 8% ao ano –, isso significou novas rodadas de demissões na companhia. A última rodada parece ter incluído 150 postos de trabalho em tempo integral, muitos deles do setor editorial. Isso poderá representar uma poupança de 9 a 10 milhões de dólares por ano, já descontados os custos das indenizações. Em sua abordagem a compradores em potencial, a margem de lucro da DFM era de 10 a 12%. Desde então, esse número aumentou – dentro da empresa especula-se que possa ter chegado a 20%. Esse número, entretanto, parece improvável, pois exigiria outro corte da ordem de 100 milhões de dólares.
Segundo várias fontes, um dos produtos digitais mais bem-sucedidos da DFM, o AdTaxi, passou a ser atualmente do total de seus esforços de venda em todo o país. Seu sucesso em oferecer soluções de marketing digital, no país e no exterior, representa alguma esperança para compensar as profundas perdas em jornais impressos da empresa.
O grande enigma sobre o atual corte de custos é a falta de uma estratégia de longo prazo para sucesso e estabilidade. Mesmo os executivos de maior confiança do CEO Steve Rossi perguntam-lhe qual será o plano para 2018-2020, levando em consideração as metas de curto prazo de maximizar os lucros. Existe alguma coisa, na estratégia, além de explorar a empresa ao máximo?
Pra ser justo, estas questões de estratégia e tempos finais (“Newsonomics: On end games and end times”) são quase universais nos conflitos do negócio de jornais ao redor do mundo. Empresas públicas – a começar pelo grupo McClatchy, com seu recente replanejamento de perfis importantes, e até na Gannett, com suas mudanças nos pós-derivados – representam uma das maneiras de abordar estas questões existenciais. Entretanto, um novo conjunto de empresas privadas, em Boston, Washington e Minneapolis, estabeleceram planos de prazos mais longos, baseados em reinvestimentos dirigidos. A questão para a DFM é: existe um plano para tornar estável e sustentável a entrega das notícias da empresa, em veículos digitais ou impressos, até 2018? Steve Rossi negou-se a fazer comentários sobre a estratégia da empresa ou os recentes cortes, assim como Heath Freeman, da Alden.
Redução das equipes e mais perdas
Sob todos os aspectos, a última palavra cabe à Alden e, como com qualquer proprietário, esse é um direito seu. Mas o dano que isso representa à compreensão que os leitores têm de suas próprias comunidades é incalculável. Grandes feitos – como a série de matérias sobre corrupção na rede escolar distrital que deu o prêmio Pulitzer de 2014 ao Torrance Daily Breeze ou a que deu o prêmio Pulitzer de 2013 ao Denver Post sobre a cobertura do tiroteio no teatro Aurora – destacam-se entre as grandes façanhas dos jornais da DFM, embora não passem da ponta do iceberg. Apesar de verem constantemente colegas perderem seus empregos e refletirem sobre seus futuros, centenas de jornalistas fazem seu trabalho. Eles e seus leitores – muitos de nós, nas dúzias de comunidades que hoje gozam de menos atendimento pelo DFM do que tinham há cinco anos – suportam a pior parte dos retrocessos da empresa.
Digam o que disserem dos cinco anos de John Paton na liderança da DFM – e não são poucas as pessoas que o criticam na indústria –, mas ele tinha um projeto. Ao esboçar a transformação do impresso para o digital, projetos de três anos definem as estratégias e os orçamentos necessários, como foi o caso quando a antiga MediaNews Company se fundiu com a Journal Register Company – sem qualquer caso de bancarrota. Atualmente, os executivos da DFM e das outras propriedades da companhia alertam para a ausência de um roteiro – ou pelo menos um roteiro conhecido – para sair de hoje para um amanhã melhor.
Na realidade, grande parte do projeto de Paton foi virado pelo avesso. Fundamental para qualquer transformação digital é uma centralização de tecnologia, como muitas novas concorrentes das empresas jornalísticas, do Google a Vox Media, provaram nos últimos 20 anos. A DFM tinha criado três centros – dois dos quais baseados em tecnologia e conteúdo – e agora os três foram reduzidos ou eliminados. O Projeto Thunderdome, um esforço de Jim Brady para criar grande parte do conteúdo nacional, em mídia digital, para fora da cidade de Nova York, foi o primeiro a desaparecer – e com ressentimento (“The newsonomics of Digital First Media’s Thunderdome implosion [and coming sale]”). Depois, o centro de produtos digitais baseado em Denver MNGi (ou MediaNews Group interactive] viu sua equipe de 120 pessoas ser reduzida à metade no ano passado e desde então viu mais perdas. Mais recentemente, os escritórios da DFM em Fairless Hills, na periferia de Filadélfia, que forneciam serviços de negócios centralizados a muitos dos diários do Journal Register Company, praticamente foram desmontados, com a maioria de sua equipe de 40 pessoas demitida, parte delas de volta às propriedades locais e a outra parte, reduzida pela força.
Apenas dois diários e um website na Bay Area
Os cortes no orçamento levaram a essa descentralização maciça à medida que a DFM se preparava para ser vendida. Dizia-se que os compradores em potencial não gostariam muito “custo corporativo” e o índice Ebitda [Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização] teria que ser reforçado. No início da venda fracassada, a descentralização havia significado que as propriedades maiores, como o San Jose Mercury News e o Denver Post, tornariam a fazer valer mais suas estratégias digitais individuais, enquanto as dúzias de diários menores da companhia se encontravam funcionando de maneira automática. Eles haviam cortado o pessoal da equipe digital e tinham que contribuir para a centralização – mas esses empregos, em grande parte, nunca voltaram com a descentralização. O que significa isso para os leitores? Em alguns casos, as informações não são repassadas aos produtos jornalísticos do smartphone, deixando a editorial local vazia.
Embora a eficácia da centralização tenha sido debatida de maneira acalorada (e razoável), o que resultou desse debate é descrito pela maioria dos participantes mais como uma colcha de retalhos do que um projeto. As mudanças seguintes são de ordem cultural, geográfica e, naturalmente, obedecendo a uma política interna. É quando se dá a passagem de bastão do carismático John Paton para Steve Rossi, o cara das finanças. E também um movimento, pois a sede de Paton, no nordeste do país, foi desmontada e a administração ficou mais centrada em Denver e na região de San Francisco. Em seguida ocorre aquela descentralização, que dá preferência aos jornais maiores – que passaram por uma tensão esforçada, com a tentativa de nacionalizar o trabalho – em relação aos menores. Tudo isso daria para fazer prever um processo de venda dos jornais menores – em grande parte, os que faziam parte da Journal Register Company e ficavam a leste de Mississipi. Acredito que dentro de um ano provavelmente iremos ver alguns deles, senão uma porção deles, passarem para as mãos de novos donos.
A companhia ainda passaria por outros esforços de consolidação. Na região de San Francisco, onde seu Bay Area News Group ainda publica 10 jornais diários, quatro websites e mais de 20 semanários, segundo um recente comunicado da Mercury News ficou claro que o projeto da DFM é racionalizar a operação limitando-se a dois grandes jornais diários e um website na Bay Area.
Os cortes
Existe o Heath Freeman da Alden – e o jornal The Daily Freeman.
Embora a Alden, com sede em Nova York, tenha por objetivo aumentar os lucros, The Daily Freeman – cuja sede fica 160 ao norte de Nova York – perdeu cinco posições ao reduzir sua redação para 12 pessoas, um corte de 30%.
A pouco mais de 150 quilômetros dali, onde se encontram o Troy Record e The Saratogian, da DFM: seis editores e repórteres, representando uma experiência conjunta de 150 anos nesses jornais, optaram por uma rescisão voluntária de contrato, pois a empresa tinha que fazer um corte no orçamento de aproximadamente 300 mil dólares. Entre os que saíram estava um editor-executivo e um editor. Posteriormente, quando eu escrevia esta coluna, foi anunciado que o velho e conhecido publisher de Troy/Saratoga Mike O’Sullivan optara por uma “rescisão voluntária” sendo imediatamente substituído por um único publisher que se encarregará da supervisão de quatro jornais diários da DFM naquela região. (Barbara Lombardo, que é a editora-executiva dos jornais há muitos anos e irá deixar o jornal no dia 23 de julho, escreveu o artigo sobre a saída de O’Sullivan.)
Isso significa que esses jornais perderam, em aproximadamente um mês, os seguintes postos de trabalho: publisher, editor-executivo, editor, editor de esporte, chefe do departamento de fotografia, editor de copidesque, repórter de esporte, editor do jornal digital, editor de cidade, editor assistente de esporte e repórter fotográfico.
Cento e sessenta quilômetros a oeste dali, em Oneida, o Daily Dispatch perdeu dois jornalistas. Em Brattleboro, no estado de Vermont, saiu uma editora e não se sabe se será substituída, e houve mais duas demissões. No estado de Connecticut, pelo menos vários cortes na redação foram divulgados.
Na área suburbana de Philadelphia, o News Guild anuncia o corte de 12 empregos via rescisão de contrato.
Depois, no estado de Michigan, o Washtenaw Now acabou de fechar. Esse semanário começara há apenas um ano, quando a DFM fez a fusão de seis semanários e reduziu a equipe. É sempre difícil saber o que poderá ter acontecido observando à distância, mas é significativo que a maioria dos semanários, por todo o país, estão financeiramente melhor que os jornais diários. Estão mais próximos da comunidade e dos anunciantes, embora um vínculo corporativo forçado possa ter acabado com este. Em resposta a uma publisher que divulgou no Facebook uma mensagem de adeus pelo fechamento do Washtenaw, um leitor disse o seguinte: “Por que ela teria que dizer Cidade de Milan e Cidade de Manchester, e não simplesmente Milan e Manchester? Para mim, isso é uma indicação de que ela nem conhece a geografia de comunidades que já foram servidas por jornalismo local.”
Em Saint Paul, o Pioneer Press optou por rescisões de contrato de nove membros da equipe há longos anos, cuja experiência conjunta no jornal correspondia a 280 anos.
Por último, há o caso do Denver Post, um grande jornal diário da DFM que opera numa margem mais fina. Foram cortados 20 empregos na redação, mais dez em outros departamentos, como parte de uma redução de orçamento da ordem de 1,5 milhão de dólares.
No total, 150 empregos foram cortados no mês passado, dúzias deles em redações, além dos cortes em publicidade, circulação e outros departamentos. Embora as palavras “rescisão voluntária” tenham sido enfatizadas nos comunicados, disseram-me que nem todas elas foram estritamente “voluntárias”.
Notícias sobre as últimas rescisões e demissões voam pelo país entre empregados e a lista de ex-funcionários, que cresce rapidamente. Como me disse um veterano do projeto Thunderdome, da DFM, “é assombroso imaginar demissões em alguns desses lugares. Estamos falando de redações que já haviam sido esvaziadas quando eu estava lá, há um ou dois anos, com seções inteiramente fechadas, com cadeiras vazias. Não consigo imaginar como estará agora”.
É evidente que o corte de empregos não alivia. As redações norte-americanas se desfizeram de mais de 20 mil empregos nos últimos 10 anos e as propriedades da DFM tiveram participação significativa nisso. No entanto, alguns desses cortes de empregos poderiam ter sido evitados por um projeto mais amplo, cortando posições “tradicionais”, mas acrescentando outras, digitais. Isso talvez também fosse trágico, mas pelo menos seria compreensível.
Ao assumir um papel de proprietário mais atuante, Heath Freeman, da Alden, vem fazendo uma pergunta básica: “O que é que faz toda essa gente?” Portanto, os editores da DFM agora redigem relatórios justificando a presença de quem sobrou nas redações. O que os jornalistas fazem e como o fazem continuam sendo as questões fundamentais de 2015. Dave Butler, editor do Mercury News, e Greg Moore, editor do Denver Post, enviaram recentemente comunicados (o de Butler, e o de Moore) às suas equipes nos quais fazem uma porção de boas perguntas sobre o atual ofício de jornalismo local – embora sejam mais orientados para o jornalismo impresso e façam inúmeras perguntas que outras organizações jornalísticas vêm perseguindo há anos.
Um editor disse-me que uma jovem repórter, talentosa, saíra recentemente de um jornal da DFM depois de ler um desses comunicados, acreditando que sua empresa estava fora de sintonia. A questão da autoconfiança cresce diariamente dentro da companhia. Glassdoor, o site do trabalho de crítica, faz avaliações negativas para muitas empresas. Mas o fio condutor produzido pelas resenhas críticas da DFM fornece mais detalhes sobre uma porção de coisas que ouvi: um local de trabalho em fluxo contínuo, com objetivos duvidosos e um gerenciamento desigual.
Falemos claramente: a DFM e quase todos – talvez todos – os seus jornais dão lucro. Quando a empresa entrou para o mercado, o total de lucros chegou a 125 milhões de dólares por ano. Na realidade, a margem de lucros em alguns dos jornais menores – mesmo que sofram mais com os cortes – chega a 30 e poucos por cento.
Isso obriga a uma pergunta fundamental: qual é o objetivo desses jornais? É servir as comunidades e dar dinheiro aos donos – ou, cada vez mais, apenas o último?
Para além dessa questão de serviço público – profundamente embutida nos negócios do jornalismo norte-americano – está o negócio da destruição de valores que vem sendo feita. O nível de cortes a que estamos assistindo torna esses negócios menos vitais para as comunidades de seus leitores e para a vida dos anunciantes. Essa é uma questão que se estende para além da DFM, para a indústria mais ampla, à medida que os executivos visualizam para além do labirinto do orçamento de 2016, para um extenso futuro digital.
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Ken Doctor é jornalista do Nieman Lab