Em artigo publicado neste Observatório (‘Estadão, censura e autocensura‘) a respeito da censura sofrida pelo diário paulista, o jurista Dalmo de Abreu Dallari afirmou que ‘embora a decisão judicial seja de 30 de julho e não obstante estar dedicando grande espaço ao assunto, diariamente, até agora o jornal não publicou o texto da decisão que proibiu a divulgação de dados’. E adiante: ‘Só ficou proibida a publicação dos dados obtidos durante a investigação sigilosa. Nada impede a publicação da decisão judicial, como também a publicidade de todos os dados que forem obtidos sobre a pessoa e os negócios de Fernando Sarney, desde que obtidos por qualquer outro meio que não a investigação criminal sigilosa.’ O texto da decisão judicial vem reproduzido a seguir.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal
Ofício GPR nº 009/GD/2009
Brasília – DF, 18 de agosto de 2009.
Referência : Mandado de Segurança nº 200900211261-7
Impetrante : Jornal O Estado de São Paulo S/A
Informante : Desembargador Relator do AGI nº 200900210738-6
Interessado : Fernando José Macieira Sarney
Relator : Desembargador Waldir Leôncio Junior
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Em atenção ao Ofício nº 18929, da e. 2ª Câmara Cível deste Tribunal, de 14.08.2009, recebido neste Gabinete em 17.08.2009, cumpre-me prestar a Vossa Excelência as informações relativas ao Mandado de Segurança em epígrafe.
Cuida-se de Mandado de Segurança com pedido de liminar, impetrado em face de decisão monocrática deste Desembargador, no Agravo de Instrumento nº 2009002010738-6, em curso na 5ª Turma Cível deste TJDFT, este interposto em sede de ‘Ação Inibitória c/c pedido liminar’ nº 2009011113988-3, em curso na 12ª Vara Cível do DF, proposta por Fernando José Macieira Sarney em desfavor do Jornal O Estado de São Paulo, ora impetrante.
A decisão prolatada por esta Relatoria nos autos do Agravo de Instrumento, concedendo a antecipação da tutela recursal ali visada, restou vazada com os seguintes fundamentos, verbis:
‘Cuida-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão em que restou indeferido pedido liminar visando a concessão de tutela de natureza inibitória ‘para determinar que o réu e, por via oblíqua, os demais veículos de comunicação que estão utilizando do material disponibilizado por ele, se abstenham de publicar dados sigilosos sobre o autor contidos na investigação policial em questão’, bem como a imposição de ‘multa (§ 5º, do art. 461 do CPC), no valor diário de R$300.000,00 (trezentos mil reais) em caso de descumprimento da medida’ (fl. 52), ora reprisado nesta sede recursal.
Os fundamentos da decisão agravada estão presentes às folhas 81/85, vazados nos seguintes termos:
‘Cuida-se da ação nomeada à epígrafe em que se busca o provimento judicial para impedir a publicação de matéria jornalística a respeito de dados que estão sob o manto de segredo de justiça em procedimento de investigação criminal do inquérito 2007.37.00.0001752-4. Pondera haver o receio de a divulgação das conversas telefônicas que extravasaram do inquérito policial sigiloso venha causar prejuízo incalculável à honra do requerente. Requer, em sede antecipada da tutela, a tutela inibitória a fim de que o réu fosse impedido de publicar qualquer matéria ou nota jornalística ofensiva ao autor, mediante a cominação de multa diária em caso de desobediência.
Observo que o bem que o requerente busca concretizar não é o afastamento da violação do segredo da justiça conferido à investigação criminal, porquanto essa tutela, pelo critério de repartição de competências, está atribuída à jurisdição penal. Contudo, seu intento é impedir a divulgação de conversas colhidas em interceptações telefônicas que poderão gerar conclusões ou convicções ofensivas à conduta ética do requerente ou até violar o direito de sua privacidade.
Feitas estas considerações, passamos ao exame, pois, dos pressupostos básicos do pedido de antecipação da tutela formulado pelo autor.
Atento à exposição da inicial e aos documentos que a instruem, a despeito das possíveis publicações ou divulgações de gravações telefônicas oriundas do inquérito policial 2007.37.00.0001752-4 colocando em dúvida a reputação e a conduta ética do requerente, observo que nosso ordenamento jurídico estabelece, nas disposições do artigo 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal, que livre é a manifestação do pensamento e a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. Normas às quais se subsume a regulamentação do exercício da comunicação e liberdade de imprensa, como é a hipótese questionada nos autos.
É certo que o exercício de uma liberdade pública, como o da liberdade de expressão, deve estar condicionado a certos limites que impedem os abusos ou violação de direitos subjetivos.
A par disso, todavia, a Constituição Federal, assegura, no artigo 220, que a liberdade de expressão não sofrerá qualquer forma de restrição, sendo vedado qualquer embaraço a plena liberdade de informação jornalística de qualquer veículo.
A liberdade de imprensa há de ser exercida com a finalidade de resguardar o interesse público da informação. Os desvios de finalidade, os abusos e a violação de direito devem ser punidos na forma da lei.
A pretensão do autor de impedir de plano a circulação ou divulgação de matéria jornalística avulta se como um sacrifício do direito constitucional de informação e liberdade de imprensa que nem mesmo a lei poderá, ao amparo da constituição vigente, § 1º, do artigo 220, constituir .
Salvo as regras de contenção existentes em norma de repressão penal ou mediante violação concreta de direitos subjetivos, poderá o autor invocar a reparação de eventuais danos que atingir a sua honorabilidade, se for o caso.
A própria lei civil e penal já impõe seu caráter inibitório aos abusos no exercício do direito de informação, restando, a partir daí, encaminhar as sanções pertinentes em caso de descumprimento ou violação de direitos.
Não há proporcionalidade razoável entre o sacrifício do direito constitucional de informação e liberdade de imprensa e o direito individual que o Requerente quer assegurar com a obrigação de não publicar ou não informar .
Por outro lado, a divulgação das conversas telefônicas que o requerente pretende se acautelar tornou-se um fato notório amplamente divulgado por toda a imprensa adquirindo a configuração de um fato público, para o qual não se justifica a intromissão judicial para conter a exposição da mídia ou até do próprio conteúdo da informação sob o argumento da tutela do direito da personalidade.
Diante dessas considerações, não há como reconhecer a verossimilhança da alegação e do direito invocado pelo autor, vez que a regra constitucional alberga plena liberdade de expressão, garantido, por outro lado, o direito de resposta e a indenização por dano daí decorrente.
Ante estas ponderações, indefiro o pedido de antecipação de tutela.’
Com efeito, posta a questão nestes lindes, dispõe a atual redação do art. 12, do Código Civil, quanto à possibilidade deferida ao que se sentir violado na esfera dos direitos da personalidade, de ‘exigir que cesse a ameaça, ou a lesão’. De outro lado, não se pode olvidar a firme orientação jurisprudencial no sentido de que ‘a proteção aos sigilos bancário, telefônico e fiscal não é direito absoluto, podendo os mesmos serem quebrados quando houver a prevalência do direito público sobre o privado, na apuração de fatos delituosos ou na instrução dos processos criminais’ (STJ, 5ª Turma, Resp 690877/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, data de publicação: 30.05.2005).
Na hipótese em exame, contudo, não se põe em questão a prerrogativa do Estado quanto ao exercício das medidas de exceção em face dos direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, na regular aplicação da lei penal, norteado tal proceder pelo inexorável interesse público. A bem da verdade, o que se traz a exame nesta instância jurisdicional, como visto, é a conduta de particulares, empresa jornalística, consistente na obtenção e ampla divulgação de dados obtidos por interceptação judicial de comunicações telefônicas, velados pelo segredo de justiça, em atividade privada de imprensa, desprovida de qualquer oficialidade investigatória, em detrimento de pessoa submetida a medida cautelar de quebra de sigilo telefônico.
Importa ressaltar, por oportuno, a grande preocupação na quadra judicial, nos diversos órgãos que compõem o Judiciário Nacional, quanto ao estabelecimento de severas medidas atinentes à preservação do sigilo legal imposto a essa espécie de dados extraídos da vida privada no interesse da investigação criminal, a exemplo do que dispõem as recentes Resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, nº 59, de 09 de setembro de 2008 e 84, de 06 de julho de 2009, além de constituir crime a conduta prevista no art. 10, da Lei nº 9296/96, consistente em ‘quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei’.
O Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes ao ora em exame, quanto ao tema em debate, tem asseverado que, verbis:
‘Há, deveras, risco elevado de divulgação que, sem nenhum proveito às atividades investigativas e ao presuntivo interesse público que as informaria, pode importar danos gravíssimos à intimidade, à fama e aos negócios privados do ora impetrante. A imprensa – e é fato notório – tem, em datas muito recentes, denunciado revelações abusivas e ilícitas de dados sigilosos colhidos no seio de Comissões Parlamentares de Inquérito, com seqüelas pessoais gravosas e incontornáveis. Sobre serem de todo em todo hostis ao ordenamento jurídico, tais inconfidências nem se mostram compatíveis com os cuidados necessários à condução frutífera das investigações, que com elas só têm a perder, não apenas em termos de resultados práticos, mas também no plano do prestígio público dos órgãos responsáveis e das respectivas instituições. As CPIs não precisam dessas demasias. E nem lhes é lícito permiti-las, como também creio já tê-lo demonstrado noutro caso (MS nº 24.882-MC). As Comissões Parlamentares de Inquérito ‘terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’ (art. 58, § 3o, da Constituição Federal) e, como tais, estão sujeitas aos mesmos limites impostos às atividades judiciárias, designadamente aos princípios da legalidade, respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, moralidade, motivação das decisões, proporcionalidade, etc.. Os atos do Poder Judiciário são, de regra, públicos – o que não quer dizer que se lhes dê publicidade no sentido de serem divulgados pelos meios de comunicação’ (STF, MS 25721 MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ de 02.02.2006).
Neste rumo, cumpre considerar o que também restou decidido no seguinte precedente:
‘ (…) Liminar deferida em primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça, que proíbe empresa jornalística de publicar conversas telefônicas entre o requerente – então Governador de Estado e, ainda hoje, pretendente à presidência da República – e outras pessoas, objeto de interceptação ilícita e gravação por terceiros, a cujo conteúdo teve acesso o jornal. (…) polêmica – ainda aberta no STF – acerca da viabilidade ou não da tutela jurisdicional preventiva de publicação de matéria jornalística ofensiva a direitos da personalidade; (b) peculiaridade, de extremo relevo, de discutir-se no caso da divulgação jornalística de produto de interceptação ilícita – hoje, criminosa – de comunicação telefônica, que a Constituição protege independentemente do seu conteúdo e, conseqüentemente, do interesse público em seu conhecimento e da notoriedade ou do protagonismo político ou social dos interlocutores. Vedação, de qualquer modo, da antecipação de tutela, quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado (C.Pr.Civ., art. 273, § 2º), que é óbvio, no caso, na perspectiva do requerido, sob a qual deve ser examinado. (…)(STF, Pleno, Pet 2702/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.09.03).
Neste mesmo julgamento, constou do voto do e. Ministro Gilmar Mendes, relevantes ponderações acerca do tema, verbis:
‘(…) trata-se de um interessantíssimo caso de colisão de direitos fundamentais, não na sua acepção clássica de colisão entre direitos diversos, aqui, a liberdade de expressão e de imprensa, de outro lado, o direito à intimidade, à honra, mas, como demonstrou o eminente Relator, cuida-se de um caso de colisão complexa, que envolve a consideração sobre a própria inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas.
Tendo em vista as circunstâncias narradas e a análise fático-jurídica realizada pelo eminente Relator, parece evidente que não se pode, em caso como este, atender-se a um pedido de tutela antecipada. Se há dúvida, ela milita em favor do requerido.’
Neste quadro, em juízo de summaria cognitio, a refletir, prima facie, a relevância dos fundamentos expendidos no presente recurso, evidenciando-se a possibilidade de ocorrência de lesão grave e de difícil reparação, cumpre conceder a medida liminarmente visada, consistente em obrigação de não fazer, até o pronunciamento definitivo da Colenda Turma, para determinar ao agravado, em antecipação da tutela recursal, que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante, eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial.
Em caso de descumprimento da medida ora deferida, impõe-se a cominação da pena de multa, inicialmente fixada no valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), por cada ato de violação do presente comando judicial.
Intime-se incontinenti a parte agravada, na pessoa de seu advogado, para, querendo, responder a este instrumento.
Em face dos documentos que o instruem, deverá o presente feito ser processado sob segredo de justiça, medida extensiva ao curso da ação de origem.
P. I. Oficie-se. Cumpra-se, por oficial de justiça, com as cautelas de estilo e de urgência que o caso requer.’
Irresignado com essa decisão liminar monocrática, impetra o agravado, nesta sede, o presente writ, ao sustentar, em síntese, a presença de ‘teratologia’ e ‘ilegalidades’ nesse indigitado decisum porquanto, no seu entender (fls. 3/14), mostra-se teratológico o sigilo judicial a que restou submetido o agravo de instrumento em tela, ‘violando o direito da Impetrante a que, como elemento indissociável do devido processo legal, os feitos dos quais participa se submetam à regra ordinária da publicidade processual’. Quanto às alegadas ilegalidades, argumenta que ‘(…) nessa divulgação, nenhum crime foi cometido pelos repórteres de O Estado de S. Paulo, visto que não eram eles os guardiões do segredo de justiça, nem foram eles os responsáveis, remotos ou próximos, pelo vazamento das interceptações telefônicas’; diz, ainda, que ‘a decisão guerreada arrosta, achamboadamente mesmo, os incontrastáveis direitos da Impetrante a que seus jornais divulguem, sob as garantias outorgadas pela Constituição à liberdade informativa, acontecimentos que são de relevantíssimo interesse nacional, porque vinculados a tenebrosos e envergonhadores desvios de conduta cometidos por agentes e órgãos do Poder Legislativo’; e que, ‘na medida em que, proibindo à Impetrante o exercício regular do seu impostergável patrimônio jurídico, o ato judicial atropelou a Lei Fundamental, faz-se imprescindível o seu desfazimento, de sorte a restabelecer o irrestrito império do jus praesens e das liberdades asseguradas pelo Estado Democrático’. Ao final, pugna pela ‘concessão do mandado de segurança para, restaurando-se a ordem jurídica violada pelo ato judicial aqui hostilizado, declarar-se injurídico, e portanto ineficaz, o decisório (…), autorizando-se à Impetrante que faça divulgar, em O Estado de S. Paulo, ou em qualquer um de seus jornais, os dados que sobre o Sr. Fernando José Macieira Sarney tiver obtido, ou venha a obter, durante as suas apurações jornalísticas, bem como levantando o segredo de justiça imposto, não só relativamente ao mencionado recurso, mas também referentemente aos autos da ação inibitória que tramita perante o MM. Juízo da Décima Segunda Vara Cível de Brasília’.
Feito esse breve relato, a par da noticiada Exceção de Suspeição também distribuída a Vossa Excelência em sede do Conselho Especial, oposta em face deste magistrado pelo ora impetrante e, com efeito, recusada naquela sede própria com claros e exaustivos fundamentos, em manifestação já encaminhada a essa d. Relatoria, encontrando-se o feito com vista à d. Procuradoria de Justiça, cumpre, pela norma legal, ressaltar alguns aspectos que envolvem a hipótese em exame, agora sob a ótica do presente writ.
De início, importa considerar a conduta extraprocessual que vem sendo adotada pelo impetrante, em face da causa submetida a exame nesta sede judicial, porquanto, em que pese tratar o Agravo de Instrumento em que prolatada a decisão liminar em tela, de questões de alta indagação, com índole inegavelmente constitucional e insertas no núcleo essencial de atualíssimo debate jurídico, a hipótese dos autos não deveria demandar tamanha repercussão, marcadamente de ordem política, indesejáveis e incompatíveis para o bom andamento dos feitos judiciais, tudo ante a exacerbada reação esboçada pela mídia nacional, sob o nítido comando do impetrante, com distorcida divulgação da decisão monocrática da lavra deste magistrado, ao conceder – por um dever inarredável que se impõe ao julgador de decidir – a medida liminar de tutela inibitória, em sede desse agravo de instrumento que lhe coube, a todo rigor, por aleatória distribuição. Tudo isso, com esta conotação sui generis, só encontra lastro na nítida e abusiva atuação extraprocessual da parte ré, a toda evidência bastante hipersuficiente nessa seara.
Nada disso, contudo, tem o condão de abalar ou influir na absoluta imparcialidade, isenção e livre convicção deste magistrado, ora reafirmada, em sua legítima, serena e firme atuação nesta hoje rumorosa causa, que lhe compete, atuando no regular exercício de sua função jurisdicional, cumprindo-lhe não ceder a tais provocações, que já tangenciam, até mesmo, a vida privada e familiar do julgador, tudo a refletir uma grande prova de sobriedade, independência, bom senso e longanimidade no enfrentamento desses tenazes e infundados ataques.
Como assinala Edgar de Moura Bittencourt, quanto à independência que há de nortear o atuar jurisdicional, o tema passa pela ‘coragem de decidir contra os poderosos e contra a opinião pública. Sem dúvida em semelhante conduta está boa parte da grandeza do magistrado; mas não é tudo, nem lhe afirma totalmente a personalidade. Se aquela coragem lhe mostra o grau de desprendimento pessoal, não seria ocioso dizer que, também em grande parte, é conseqüência das garantias que se outorgam aos juízes. A independência, assim, dimana menos da pessoa do que do clima que se lhe oferece para decidir. E prossegue, traduzindo Roullet, ao asseverar que ‘é a independência que gera a imparcialidade; esta é aquela em ação. A imparcialidade é aquela considerada sob o ângulo da justiça distributiva. É da independência contra os próprios reflexos que precede a firmeza do magistrado, no cumprimento de seu ministério’ (Bittencourt, Edgard de Moura. O Juiz, Millennium, 3ª ed., São Paulo, 2002, p. 118 e 122).
Com efeito, decidir contra a grande imprensa de nosso país pode ser considerado, na quadra atual, um dos maiores desafios à consciência e grau de independência de um magistrado. Os fatos e repercussões do presente caso são eloqüentes a demonstrar tal assertiva e falam por si só.
No presente feito, ressalte-se que a própria parte, empresa de expressão jornalística que é, tem feito o mais amplo e irrestrito uso do seu poderio junto à opinião pública e a inúmeras outras instituições ligadas à imprensa nacional e internacional, veiculando, reiteradamente, uma equivocada ou quiçá distorcida interpretação da decisão desta Relatoria, mesmo após notificada do seu inteiro teor, ao viso de moldar uma verdadeira via de exceção, extrajudicial, a seu talante, em seu próprio benefício, para registro de sua exacerbada reação a uma decisão judicial, que se mostra sobejamente fundamentada, havendo, portanto, a nítida intenção – até aqui frustrada – de causar intimidação a um detentor da indeclinável garantia constitucional da independência, no lídimo exercício da judicatura.
Há juízes em Brasília!
À guisa de exemplo dessa extraordinária pressão extraprocessual, basta lançar olhos numa das mais recentes matérias publicadas acerca do tema, verbis:
‘A liberdade de imprensa enfrenta dias sombrios.’ Esta é a avaliação feita pela organização Repórteres Sem Fronteiras sobre a situação brasileira. A entidade, que defende o jornalismo e luta contra a censura em 120 países, condenou a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que censurou o Estado, classificando-a de ‘abuso de poder’.
De acordo com Repórteres Sem Fronteiras, o Grupo Estado foi ‘forçado ao silêncio após ter divulgado informações envolvendo autoridades públicas’. Em sua decisão, Vieira proibiu o Estado de divulgar informações referentes à Operação Boi Barrica, que envolve Fernando Sarney, filho do presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP). Os áudios em que ambos falam sobre distribuição de cargos no Senado tiveram de ser retirados do portal estadao.com.br.
‘Quanto à decisão da Justiça que proíbe O Estado de S.Paulo de publicar notícias sobre Fernando Sarney, constitui um ato de censura que lesa a liberdade de expressão’, anota a entidade.
O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, do Grupo Estado, pediu na última quarta-feira que Vieira se afaste do caso. Ex-consultor jurídico do Senado, o desembargador é do convívio social da família Sarney e do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Ele foi fotografado ao lado de Sarney no casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel, da qual o presidente do Senado foi padrinho.
‘O fato de um familiar de um político eleito conseguir que seu nome não seja citado impede a imprensa de o mencionar como personalidade pública. Se trata de um abuso de poder, que esperamos que seja corrigido pela decisão em recurso’, afirma a Repórteres Sem Fronteiras.
Com a declaração, a entidade junta-se à Organização dos Estado Americanos (OEA), Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), International Federation of Journalists (IFJ) e Artigo 19, que também condenaram o caso. Para todas as entidades, a decisão de Vieira vai na contramão dos pareceres emitidos pelo Supremo Tribunal Federal por se tratar de ‘censura prévia’.
A OEA, por meio de sua relatora especial para Liberdade de Expressão, Catalina Botero Marino, alertou o Brasil para uma possível ‘responsabilização internacional’ caso a decisão não seja revertida.’
E tal reacionismo avoluma-se a cada dia, focado, em última análise, numa inaceitável intimidação das instituições que se coloquem em linha de confronto com os interesses eleitos pela parte litigante – que aqui se revela como eminente integrante e insinuante da grande mídia mundial. Nesta seara, vale transcrever, por seu elucidativo conteúdo neste aspecto, recente missiva dirigida ao atual mandatário da República, Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, constando como remetentes a Associação Mundial de Jornais e o Fórum Mundial de Editores com a seguinte redação:
‘Vossa Excelência Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente do Brasil
Brasília, Brasil
10 de agosto de 2009
Vossa excelência
Em nome da Associação Mundial de Jornais e do Fórum Mundial de Editores, representando 18 mil publicações, 15 mil sites e mais de 3 mil companhias em mais de 120 países, expressamos nossa profunda preocupação com a medida judicial que proibiu a mídia de publicar informações sobre uma investigação policial acerca de um servidor público envolvido em corrupção.
No último dia 30 de julho, o juiz Dácio Vieira da Corte Federal de Brasília, ordenou que o jornal O Estado de S. Paulo e seu site parassem de publicar reportagens sobre alegados casos de corrupção de Fernando Sarney, filho do senador e presidente do Senado, José Sarney. O Estado de S. Paulo publicou transcrições de gravações da polícia, que incriminavam Fernando Sarney em casos de corrupção. A medida proíbe que qualquer meio reproduza as reportagens do jornal. O não cumprimento da medida acarreta uma multa de R$ 150 mil.
Gostaríamos de lembrar respeitosamente que a medida judicial de proibir as reportagens se constitui em um caso de censura e é uma clara violação do direito de livre expressão, que é garantido por inúmeras convenções internacionais, incluindo a Declaração Mundial dos Direitos Humanos. O artigo 19 da Declaração diz: ‘Todos têm o direito de livre expressão e opinião, incluso o direito de ter opiniões sem interferência e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras’.
Respeitosamente pedimos a Vossa Excelência que faça tudo o que estiver ao seu alcance para garantir que esta decisão seja anulada e que seja permitido à imprensa publicar livremente reportagens sobre todos os assuntos de interesse público. Contamos com o compromisso do Sr. Para que no futuro seu país respeite todos os acordos.
Atenciosamente,
Gavin O´Reilly
Presidente da Associação Mundial de Jornais
E
Xavier Vidal-Folch
Presidente do Fórum Mundial de Editores
Como antanho, o periódico impetrante resvala no princípio da separação dos poderes.
Note-se a que ponto tem chegado o vilipêndio do ora impetrante quanto às vias regulares e constitucionais da Justiça, do Sistema Judiciário, da Função Jurisdicional, da própria Segurança Jurídica vigente em nosso país, em face de seus peculiares interesses na hipótese, tudo em nome de uma falaciosa ofensa à liberdade de expressão que, como se vê, em nada restou desprestigiada na decisão liminar, eis que fundamentada na mais balizada e atual orientação jurisprudencial acerca do thema decidendum.
Declinar da Relatoria do feito, como querem, corresponderia a admitir uma intimidade inocorrente com a parte, a falácia de um interesse espúrio na solução da lide, a capitulação por insuportável e nefasta campanha infamante diante do efetivo poderio da mídia, situação de todo impensável quando há um sagrado dever, irrecusável, do fiel exercício da função judicante, um compromisso incontornável em face da ordem jurídica vigente e, segundo a lei, como cumpridor dos deveres nela elencados.
Assim, não sobeja qualquer margem de dúvida a dar lastro a incursões evasivas sobre o texto da decisão posta em confronto, como assim sói acontecer e como deslustrou a ‘grande mídia’, pelo próprio tom intuído em seus periódicos de repercussão nacional e traduzidos em feito recursal, tendo havido imediato e pleno acesso aos autos e ao inteiro teor da decisão posta em testilha e que agora são reportadas pelo impetrante, quando certo é que a decisão limitou-se de forma nítida e objetiva a efetivamente fazer cessar um proceder flagrantemente ilícito, que vinha sendo deliberadamente praticado pelo jornal O Estado de São Paulo, por intermédio de seus prepostos, e congêneres aglutinados, vertida em plena execução como bem delineado nos autos, em afronta e franco desprezo – verdadeiro vilipêndio – à reserva legal do SEGREDO DE JUSTIÇA – interceptação de conversões telefônicas por ordem judicial – de inquestionável vigência em nosso país, conquista da maior relevância ao Estado Democrático de Direito, notadamente no tocante à investigação criminal, voltada a uma efetiva, apta e oportuna aplicação da lei penal.
A decisão aqui guerreada, como visto, em momento algum trilhou caminho diverso no tocante ao sagrado direito à liberdade de expressão e de informação, eis que se propõe apenas a limitar, a impedir, objetivamente, que os dados obtidos de comunicação telefônica furtivamente escorchados das medidas cautelares sigilosas nº 20073700010617-8, 20077001001751-7 e 2008370000220-9, em curso na Justiça Federal, continuassem ao alvedrio da parte – de forma paulatina e crescente – a ser amplamente divulgados, repita-se, com inegável descaso ao instituto do SEGREDO DE JUSTIÇA (artigo 8º, da Lei nº 9.296/96), conduta flagrantemente ilídima, havendo expressa tipificação legal no próprio normativo que autorizou o Estado, e somente este, a quebrar o sigilo desses dados, qual seja o artigo 10, da Lei nº 9.296/96, além do disposto no artigo 180, §§ 1º, 4º e 6º e artigo 153, § 1º-A, ambos do Código Penal. Contrario senso, salvo eventual inconstitucionalidade de todo esse arcabouço legislativo, ainda não cogitada, em que pese a dimensão estrepitosa que foi dada ao presente caso.
Portanto, na fundamentada ótica deste julgador, a prática de crime não pode ser desconsiderada. Se com a participação ou co-autoria dos prepostos do impetrante, ou não, tal aspecto do ilícito só poderá – e deverá – vir a ser elucidado na via própria. Aqui, basta a inquestionável plausibilidade quanto à ilicitude da procedência dos dados obtidos pelo impetrante. Mais que isso, representaria mera conjectura, incabível por despicienda ao deslinde das questões postas nesta sede.
Havendo o desenho destes exatos limites, é que se pautou a pretensão do autor agravante, quando claramente pugnou, verbis:
‘Não se está, aqui, no plano das opiniões: o Agravante não quer que deixem de falar dele ou de seus familiares.
Nem que o deixem a salvo de apurações: ele sabe respeitar a liberdade de imprensa.
Quer, todavia, apenas, que não vazem mais as informações que a lei – e o Judiciário assegurou – como reservadas à investigação e que, vazadas, como foram criminalmente, não sejam divulgadas’ (fl. 22).
E, ao final, reitera o pedido formulado na petição inicial da ação inibitória, verbis:
‘a) concessão de medida liminar, sem oitiva da parte contrária, para determinar que o Réu e, por via oblíqua, os demais veículos de comunicação que estão utilizando do material disponibilizado por ele, se abstenham de publicar dados sigilosos sobre o Autor contidos na investigação policial em questão’ (fl. 52)
Mas todo esse contexto veio a ser totalmente desvirtuado pelo Jornal O Estado de São Paulo que, mesmo com amplo conhecimento do processo e dos lindes da decisão, passou a divulgar sua matéria com o matiz de uma inventiva ‘censura prévia‘, buscando levar a opinião pública ao equivocado entendimento de que o jornal estava impedido de publicar qualquer matéria ou informação sobre o andamento das investigações que envolvam o nome do agravante, Fernando Macieira Sarney, o que, como antes visto, jamais ocorreu, permanecendo intocável, inviolável, pelos limites da decisão, o mais amplo direito da lícita expressão, pensamento, opinião e informação acerca do caso, procedimento este posto ‘a latere‘ dos seus leitores, pelo próprio cunho sensacionalista alcançado a este viso, por esse renomado e tradicional veículo de imprensa, a revelar uma conduta delineada, temerária e porque não lamentável, sob o ponto de vista da ética jornalística, de princípios deontológicos.
A toda evidência, disso não cuidou a decisão guerreada, eis que contém claro e inequívoco comando de ‘determinar ao agravado, em antecipação da tutela recursal, que se abstenha quanto à utilização – de qualquer forma, direta ou indireta – ou publicação dos dados relativos ao agravante, eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial’.
Portanto, importa repetir, na perspectiva adotada por este julgador, não haveria como cogitar de qualquer tipo de censura, muito menos prévia em face do direito constitucional de informação acerca da deflagrada ‘operação faktor’ ou ‘boi Barrica’, não tendo a decisão, absolutamente, impedido que o Jornal O Estado de São Paulo, ou qualquer outro, prosseguisse bem e amplamente informando aos seus leitores sobre o andamento e demais fatos que envolvem tais operações, exceto e a todo rigor quanto à indevida divulgação dos dados obtidos de comunicação telefônica objeto da quebra de sigilo judicial – que não lhe compete, nem a ninguém – eis que inerem ao próprio Estado, através dos seus órgãos próprios e oficiais de apuração criminal.
Cuida-se, pois, pura e simplesmente de tutela inibitória in limine deferida, quando ali restou vedada a utilização dos dados ilicitamente extraídos das medidas excepcionais de interceptação telefônica, que se encontram sob o pálio da inviolabilidade de modo a que se fizesse cessar a nefasta perpetuação desta ilicitude que, a um só tempo, em seu iter continuado, seguia em franca violação a pilares fundamentais da investigação criminal, do maior interesse público: o próprio instituto do segredo de justiça e o da presunção de inocência de quem se encontre sujeito à persecutio criminis, derivações do devido processo legal e do postulado maior da dignidade da pessoa humana, baldados, ainda mais, em caso de eventual continuidade com esta moldura de uma conduta delitiva, cujos efeitos civis impunha, a meu sentir, de logo cessar mediante o comando judicial liminar impugnado.
Agir em contrário, ou omitir a este respeito, traria o significado, na firme convicção deste julgador, de restar outorgado ao então agravado verdadeiro ‘salvo-conduto’ ou ‘liberação geral’ para prosseguir neste ilícito proceder, utilizando-se livremente de um produto de crime, o que deverá estar sendo devidamente apurado em sede própria, onde ocorrida sua origem.
E tal não se deu ao argumento de arbítrio teratológico ou de ‘pressão psíquica‘ como declinado em demérito a este magistrado na peça inaugural ou desafiada – que se reveste no seu conteúdo de um ‘arremedo eufêmico’, no engenho e arte de seu ousado traçado – eis que convencido de suas razões em firmes propósitos, com base em eloquentes e fortes precedentes notadamente da Corte Constitucional de Justiça – o Supremo Tribunal Federal – que ao enfrentamento deste ainda bem atual e atraente tema traz precisas, firmes e fortes incursões neste sentido.
O confessado interesse do poderio midiático formado em nosso país, mostrando-se em desalinho e atônito na persecução de seu desiderato, aqui divorciado do vero direito de informação ou de expressão, leva em conta premissas hoje equivocadas, permissa venia, que se perdem no torvelinho de suas fontes comprometidas nesta senda.
Tem, por conseguinte, a Excelsa Corte firmes pronunciamentos bem atuais que deram norte à decisão guerreada, a exemplo dos julgados suso transcritos.
Impende considerar, neste vórtice, a busca de uma harmoniosa convivência das liberdades e adjacentes responsabilidades indeclináveis da imprensa em nosso país, no afã da boa, sem descurar – por inexpugnável – dos lídimos direitos fundamentais da personalidade, a tornar bastante oportuno o seguinte excerto do voto proferido pelo e. Ministro Cezar Peluso, ao asseverar, neste propósito, verbis:
‘Observe-se que à mesmíssima conclusão se chega de outro ângulo, o dos limites imanentes ao âmbito material das normas, o qual no fundo se reduz ao problema da configuração ou extensão objetiva dos direitos, ou, o que dá no mesmo, dos modos de seu exercício. Tal perspectiva metodológica ajusta-se à hipótese em que, a rigor, não há conflito ou colisão de direitos, simplesmente porque um deles não existe nos termos ou na amplitude em que é pensado dentro da situação supostamente conflitiva, onde não pode, pois, ser invocado a título de objeto de idêntica proteção constitucional.
É o esquema teorético que convinha e convém à decisão do caso, em cujos contornos a liberdade de imprensa, vista como direito subjetivo, aparece na sua dimensão portadora de limitação imanente, expressa e específica, oriunda da reserva constitucional aos direitos à inviolabilidade moral: é a própria Constituição que, demarcando o espaço normativo de abrangência da mesma liberdade, pré-exclui, por fórmulas inequívocas, mediante remissões textuais a outras normas suas, bem como imputação da responsabilidade civil e pressuposição da criminal, que seu exercício legítimo possa implicar lesão à honra, à reputação, à imagem, ou à intimidade alheias (art. 5º, IV, V, IX, X,XIII e XIV, e art. 220, `caput´ e § 1º).
Bastaria, aliás, a previsão constitucional da ilicitude civil de todo comportamento capaz de insultar esses valores da personalidade, objeto de tutela expressa, por concluir logo que, como ilícito, já transpõe as fronteiras normativas da liberdade de imprensa, coisa que se realça e confirma perante sua teórica e simultânea ilicitude penal, cujo reconhecimento está à raiz da idéia de abuso de direitos fundamentais, a que costuma recorrer a jurisprudência constitucional estrangeira, especial e `designadamente quando se considera que o exercício de um direito fundamental viola criminalmente um outro direito (direito à integridade pessoal, direito ao bom nome e reputação)´.
A interpretação unitária das regras constitucionais evidencia, dessarte, que tal limitação é inerente ao recorte da própria esfera normativa da garantia da liberdade de imprensa, no sentido de que esta só pode ser exercida em sintonia com a Constituição e, portanto, só existe como direito, quando não ofenda os valores da intimidade e da incolumidade moral. Toda atividade exercida em nome da liberdade de expressão, mas com ofensa à honra e à reputação alheia, não é tolerada pela Constituição da República, porque se põe numa dicção menos congestionada, não faz parte dos comportamentos facultados pelo direito fundamental correlato. Trata-se de comportamento ilícito, não do exercício de um direito.
Em síntese, por força de expressa e específica limitação imanente ao seu perfil normativo, segundo o diagrama que lhe traça a Constituição, a liberdade de imprensa não abrange poder jurídico de violentar o direito fundamental à honra, à boa fama e à intimidade das pessoas. É da sua condição de um dos direitos fundamentais mais complexos, dotado de múltiplas direções e dimensões, dentre as quais a que interessa ao caso: implicar direito de todos à informação, mas não a informação qualquer, senão à informação veraz e não privativa (fato da privacidade), só enquanto tal inocente à dignidade alheia. E não há aí, nenhuma novidade constitucional: `por isso mesmo que tal é a alta missão da imprensa, é claro que se não deve abusar dela e transformá-la em instrumento de calúnia ou injuria, de desmoralisação, de crime. Sua instituição tem por fim a verdade e o direito´. `Sem isso´, notava outro velho constitucionalista, `reinava a anarchia e o direito seria o apanágio do forte e o opprobrio do fraco (STF, 2ª Turma, RE 447.584-7, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 16.03.2007)‘. (G.n).
Nesse mesmo julgado, é contundente o magistério do e. Ministro Eros Grau, ao enfatizar que ‘não resta a menor dúvida em relação à relevância da liberdade de imprensa, que, na verdade, não é da imprensa, é do povo. O direito de expressão não é do dono do jornal, nem do acionista, mas do povo, pertence a ele, que merece ser informado adequadamente. Entretanto, não tem cabimento nenhum abuso no exercício dessa liberdade. A imprensa não pode se transformar em um quarto poder, imune a qualquer tipo de controle’.
E arremata o e. Ministro e atual Presidente do STF, Gilmar Mendes, nos precisos termos de seu voto, verbis: ‘Claro que a liberdade de imprensa tem um valor fundamental na democracia e deve ser preservada, todavia, não há de se fazer em detrimento de valores centrais como a própria expressão `da dignidade da pessoa humana´’.
Essa orientação foi reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do recente julgamento da ADPF 130/DF, que acabou por declarar a não recepção da Lei nº 5.250/67 (L.I.), extirpando-a definitivamente do atual ordenamento jurídico-normativo, com acórdão de mérito ainda pendente de publicação.
Neste sentido, originário de Tribunal Estadual – TJPR – e mantido em sede de Agravo interposto perante o Superior Tribunal de Justiça, vale transcrever de igual o seguinte precedente jurisprudencial:
‘O artigo 220, da Constituição Federal, ao dispor sobre a liberdade de informação, admite, em seu parágrafo 1º, a existência de restrições quando a hipótese se enquadrar no artigo 5º, inciso X, da mesma Carta, que arrola, dentre os direitos e garantias fundamentais, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando, ainda, o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.’ (STJ, Ag 888759/PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, em decisão monocrática, DJ 19.06.2007).
Sobre o tema, não destoa a melhor doutrina, ao advertir que:
‘Da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou `limites dos limites´ (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.
(…)
Ressalte-se que o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento para solução de colisão entre direitos fundamentais.
(…)
Nas colisões entre direitos fundamentais diversos assume peculiar relevo a colisão entre a liberdade de opinião, de imprensa ou liberdade artística, de um lado, e o direito à honra, à privacidade e à intimidade, de outro. ‘ (Mendes, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional, Saraiva, 3ª Ed., São Paulo, p. 41, 67, 79).
Noutra perspectiva, quanto à questionada possibilidade jurídica do pedido formulado ao viso de obtenção da tutela inibitória de urgência, no sentido de fazer cessar de imediato os efeitos civis do noticiado ato ilícito, com seus reflexos e implicações, como visto, em se tratando de direitos e garantias fundamentais – de indisfarçável índole constitucional – tal direito de ação, outorgado a qualquer um que se encontre na situação posta, tem clara previsão nos artigos 12 e 21 do Código Civil que, no comentário de Nestor Duarte, sob a magna coordenação do e. Ministro Cezar Peluso, discorre, verbis:
‘Os direitos da personalidade são oponíveis erga omnes e sua violação configura descumprimento de obrigação legal de não fazer, dando, porém, ensejo a sanções de natureza pública ou privada.
No campo do direito público, encontram previsão no direito penal, quando esse pune os crimes contra a honra a que se aliam instrumentos constitucionais como as ações de habeas corpus e habeas data.
A sanção privada compreende não só a indenização, que não é instrumento específico de proteção dos direitos da personalidade, como a pretensão cominatória, a que alude o art. 287 do Código de Processo Civil, inclusive em antecipação de tutela (art. 461, § 3º). No caso, harmoniosamente com a lei civil, o Código de Processo Civil expressamente prevê a viabilidade de cumulação de indenização por perdas e danos com a multa pelo descumprimento da determinação judicial de cessação da ameaça ou lesão (art. 461, § 2º).'(G.n.)
Ora, até mesmo o próprio Estado, de quem emana o Poder uno, indivisível e prevalente sobre todas as pessoas e instituições existentes no território nacional, pelo Pacto Republicano, não restou imune ao comando constitucional acerca da garantia de amplo e livre acesso ao Judiciário em face de eventual lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da CF), inclusive com previsão de uma série de tutelas de urgência dispostas em nosso ordenamento processual, a exemplo do habeas corpus, do habeas data e do histórico e tupiniquim mandado de segurança, todos de status constitucional.
Sendo assim, não haveria porque cogitar aqui de um insólito privilégio, como regra excludente de exame judicial, em favor da chamada ‘grande imprensa’ ao só argumento de estar isenta a qualquer controle judicial de urgência em face de uma rotineira prática de tornar públicos eventuais informes mesmo com a eiva de ilicitude – como aqui se dá –, ainda que invioláveis na sua origem, com censurável posição de sujeitar-se a controle a posteriori, com as medidas de sanção na órbita civil ou criminal, diante do confessado e total descaso do segredo de justiça imposto mandamentalmente a procedimento de investigação criminal, quando se cuida de matéria obtida ao arrepio da lei, com o matiz da clandestinidade, a contaminar a matéria jornalística em seu todo.
Há que se ter em mente o princípio da reserva legal contido no art. 5º, XII, da Constituição Federal.
A considerar, por conseguinte, as peculiaridades que envolvem o caso ora em exame, outra não poderia ser a convicção serena e isenta deste julgador e seu proceder, quando se mostrou inarredável a concessão da medida inibitória visada no agravo de instrumento em referência, em sede de antecipação da tutela recursal, porquanto, como demonstram os fundamentos então expendidos, sobejam presentes os necessários requisitos para tanto, quais sejam o perigo na demora e a plausibilidade e toda a relevância, a ensejar a alvitrada concessão da medida in limine, cujos requisitos se demonstram mediante summaria cognitio consoante autoriza o artigo 461, §§ 3º, 4º e 5º, do Código de Processo Civil.
Contrario sensu, corresponderia a permitir que o ilícito, já encetado e em pleno curso, devesse chegar ao seu máximo exaurimento, permanecendo o Estado-Judiciário – mesmo provocado na via própria, na actio, inerte, coartado, impedido de fazer cessar o ilícito em causa em nome de um suposto superdireito, na hipótese limitado por outro maior na escala dos valores amparados constitucionalmente – colisão de direitos – quando há prevalência do princípio da dignidade humana. Doutrinariamente e já constante do repertório jurisprudencial, advém para o deslinde de controvérsia desta grandeza, o próprio hodierno juízo de ponderação, inarredável in casu.
Ao final, por incompatível às suas mais íntimas convicções, este magistrado não poderia conceber qualquer ato ou conduta de ‘censura’ à liberdade de expressão, de opinião ou de informação, pois disso, in casu, certamente não se cuida, tendo experimentado na juventude os rigores dos primeiros momentos de instalação do regime de exceção no Brasil, nos idos de 64, como universitário, chegando a ser detido e interrogado sem qualquer motivo legal que o justificasse, quando 1º Secretário do Centro Acadêmico 21 de Abril da Universidade de Brasília, nos idos de sua criação (UNB)também como integrante da FAUNB e do FEUB – Federação dos Estudantes Universitários de Brasília. Mais adiante, Aos 28 anos de idade, já advogado, foi eleito 1º Secretário da OAB-DF.
Quando estudante foi fundador da Associação de Imprensa de Brasília.
No contorno bastante sensacionalista dado ao caso, pela conduta da parte insatisfeita com a decisão, foram postos em prática procedimentos direcionados a ilaquear o foro íntimo deste julgador com o movimento iniciado no interesse de grande parte da mídia mediante acirrada campanha, a redundar, nacional e internacionalmente, uma ação orquestrada publicamente com uso de impropérios de toda ordem, em detrimento pessoal, familiar, profissional, um verdadeiro envolvimento de pressão psicológica que ainda perdura contra este magistrado, com o nítido propósito de intimidação, como se se pudesse arrefecer, transformar em ‘não nada’ um dever de ofício revestido de toda isenção, um pilar da própria segurança jurídica, apurado na garantia do juízo natural. Toda essa sorte negativa de influência, contudo, é evidente que em nada abalou a firme convicção deste juiz quanto ao seu indeclinável compromisso com a carreira que abraçou há mais de 15 (quinze) anos.
Por derradeiro, quanto à argumentação desenvolvida pelo impetrante acerca de alegada teratologia no aspecto da decisão ora guerreada, da lavra deste magistrado, que houve por bem decretar o segredo de justiça nos autos do agravo de instrumento em tela, ‘em face dos documentos que o instruem’ e, de conseqüência, nos da respectiva ação inibitória em curso na primeira instância, tal alegação, a toda evidência, está a revelar nítida má-fé do impetrante, conduta processual reprovável, tendente a induzir essa d. Relatoria a grave equívoco, quando mais se considerada a via estreita do mandamus, com pedido liminar, de summaria cognitio, a exigir prévia e exauriente prova documental.
Nesse passo, afirma em suas razões que, verbis:
‘Note-se, sem que mais seja preciso adicionar para sublinhar a subjacente teratologia dessa decisão, que tais ‘documentos’ alegadamente motivadores do sigilo eram simples recortes de O Estado de S. Paulo; um parecer jurídico fornecido ao Sr. Fernando Sarney; uma anódina petição dos seus advogados; matérias jornalísticas publicadas na `internet´; reportagens da Istoé e da Folha de S. Paulo; decisões, não cobertas por sigilo, da Seção Judiciária do Maranhão da Justiça Federal, e até, pasme-se, u´a guia comprobatória do reconhecimento de custas…
Por esses impertinentes e desinfluentes `documentos´, e apenas por eles, nada mais, foi que a ilustre Autoridade Impetrada decretou o assinalado sigilo judicial, violando o direito da Impetrante a que, como elemento indissociável do devido processo legal, os feitos dos quais participa se submetem à regra ordinária da publicidade processual.’ (Fl. 13).
A ironia, contudo, não subsiste ao simples exame dos autos do Agravo de Instrumento, onde consta às folhas 57/60, exatamente a decisão da 1ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Maranhão, em que restou deferida ‘a QUEBRA DE DADOS TELEFÔNICOS’ do então agravado, sendo certo que, em sua parte final, consta o seguinte comando daquele Juízo Federal:
‘DETERMINO, em face do claro interesse social presente na investigação em tela, que o presente feito tramite em segredo de Justiça.’ (Grifos no original).
Segue, em anexo, cópia integral deste documento, para conhecimento dessa Relatoria, ficando a seu criterioso juízo a conveniência quanto a eventual juntada aos autos do writ.
Portanto, em face da presença do inteiro teor dessa decisão nos autos daquele instrumento, extraída de feito em curso no âmbito da Justiça Federal, com expressa determinação quanto à sua submissão ao segredo de justiça, ao viso da inarredável preservação desta mesma cautela legal, é que cumpriu a este magistrado, no exercício da Relatoria do agravo, impor a este feito recursal, nesta sede, in limine, a mesma afetação, com extensão à ação inibitória em curso na primeira instância e de cujos autos restaram extraídas as peças que formaram aquele instrumento.
Ao omitir o teor dessa decisão da Justiça Federal, nas peças que instruíram o presente mandado de segurança, parece não restar dúvidas quanto à temerária conduta processual do ora impetrante.
São estas as informações que me competem prestar nesta fase do procedimento mandamental, fazendo-o com a máxima celeridade, dentro das vinte e quatro horas seguintes ao recebimento do respectivo ofício, não obstante o decêndio legal conferido para tanto (art. 7º, I, da Lei nº 12.016/09), colocando-me à disposição de Vossa Excelência para outros esclarecimentos que se façam porventura necessários.
Respeitosamente,
Desembargador DÁCIO VIEIRA
Relator do AGI nº 2009002010738-6