Os dois aspectos da educação superior que descrevi em minha coluna esta semana – a missão do professor Sebastian Thrun, de Stanford, de uma universidade virtual e a devoção de John Hennessy, presidente da mesma universidade, a um campus de carne e osso – intrigaram-me devido a um contexto mais amplo. Boa parte do debate sobre o impacto da nova tecnologia tende a ser radical. Os utópicos contra os céticos, os idealistas contra os realistas, aqueles que se jogam de cara no fundo do poço do que é novo e aqueles que apreciam o que é familiar em seu tempo.
Para os defensores do novo, os que hesitam são luditas [referência a Ned Ludd, que, no início do século 19, liderou um grupo de trabalhadores britânicos que pretendiam destruir as máquinas em defesa de seus empregos] teimosos e reacionários e seu destino é ficar a reboque da marcha da civilização. (Falo por experiência própria. A resposta que recebi a recentes colunas que escrevi em que sugeria que as mídias sociais, somadas às notícias, têm seus lados negativos, ensinou-me que, sejam quais forem as limitações que o Twitter tem enquanto meio para discussões, é um excelente veículo para insultos.) Para aqueles que não optaram por transferir suas vidas sociais para o Facebook ou o Google+, ou para os que acreditam que talvez o conteúdo não queira necessariamente ser livre, os obcecados do mundo digital podem, às vezes, parecer um culto de cricris.
O que não mata, revigora
O que me surpreendeu sobre as visões opostas de educação superior não foi tanto a rigidez das opções, mas uma espécie de sinergia tensa entre o velho e o novo. À medida que o acesso digital se dissemina e tecnologias como a telepresença e a realidade virtual se aperfeiçoam, a web irá oferecer uma educação cada vez melhor a audiências mais amplas e por preços cada vez mais baixos. A educação, nas palavras de Tom Friedman, será mais nivelada. Mas ainda existirão nichos de excelência, campi reais oferecendo contato humano real.
Não surpreende que John Hennessy enfatize as virtudes do não-virtual, em especial para graduandos e particularmente nas artes liberais. A proximidade tem vantagens concretas no refinamento dos talentos do raciocínio e da expressão e nada se compara à experiência de coexistir com pessoas de formações distintas. Sebastian Thrun reconhece que um campus para residentes é “uma experiência fantástica”. “Muitas pessoas ali encontram o parceiros de suas vidas”, acrescentou. “Você se mistura a pessoas que foram pré-selecionadas para ser bem-sucedidas.” E a extraordinária aliança que a Universidade Stanford criou com a cidade de Palo Alto provou que, às vezes, a localização pode produzir uma criatividade explosiva. A tecnologia certamente irá superar algumas das dispendiosas infraestruturas necessárias a um diploma numa faculdade de primeira linha, mas nem de longe irá substituir aquela experiência.
Você pode se sentir mais atraído pela missão de Sebastian Thrun – interromper o status quo – de libertar a educação para as massas ou você pode sentir mais simpatia pela posição de Joh Hennessy – não tão rápido – de defender um sistema universitário que produziu gerações de eminentes acadêmicos. Mas é inteiramente plausível achar os dois indispensáveis. Acho que o mesmo pode ser dito sobre muitas indústrias – inclusive aquela em que trabalho. O que não mata, revigora.
Os anunciantes cortaram o oxigênio financeiro
A tecnologia virou o negócio de música pelo avesso – ainda que atualmente existam mais opções de música acessíveis e por preços razoáveis. (E ainda é possível comprar discos de vinil, caso se queira.) Imaginava-se que a tecnologia tornaria os livros irrelevantes – até que chegassem os e-books para salvá-los. (E você ainda pode comprar livros impressos.)
Acho que o mesmo pode provar ser verdadeiro sobre a indústria jornalística – tendo assistido à morte de muitos jornais, a tecnologia salvará os que conseguirem se adaptar.
A propósito, e numa rápida divagação, aqueles que dizem que a internet matou os jornais deveriam rever suas opiniões. Em primeiro lugar, ninguém matou mais jornais do que os diretores de jornais, que exterminaram a concorrência para criar mercados monopolistas. Quando deixei a redação do jornal The Oregonian, em 1979, a cidade de Portland tinha dois jornais. Três anos depois, a rede Newhouse (proprietária de ambos) fechou o vespertino. Quando deixei a redação do Dallas Times Herald, em 1985, esse era um dos dois bons jornais que competiam pela liderança naquela cidade. Em 1991, a Belo Corporation, dona do rival Dallas Morning News, comprou o Times Herald por 55 milhões de dólares e fechou-o no dia seguinte. Nada há de surpreendente no fato de que muitas das cidades que perderam jornais nos últimos anos sejam cidades de dois jornais nas quais estes sobreviviam graças ao apoio de acordos para operações conjuntas. Sua morte é triste, mas já se anunciava há muito tempo.
A internet também não pode ser considerada culpada pela Grande Recessão, que desempenhou seu papel no índice de mortalidade de jornais. Os anunciantes se agacharam, cortando o oxigênio financeiro de que depende a maioria dos jornais.
Se você constrói, o leitor virá
A internet teve seu papel ao sugar a receita de anúncios classificados que, para muitos diários importantes, representava 40% de sua arrecadação; ao quebrar barreiras e permitir que qualquer pessoa possa criar um site de notícias online; ao alimentar a crença de que o conteúdo dos jornais era gratuito. A Grande Interferência provocou prejuízos e alguns dos jornais que haviam sobrevivido às corporações monopolistas jornalísticas e à recessão não resistiram.
Mas para alguns jornais que souberam aproveitar as oportunidades criadas pela internet há motivos reais para otimismo. A internet deu-nos novas maneiras de coletar informações e novas maneiras de contar histórias. Multiplicou nossa audiência. Maximizou a energia criativa de bons jornalistas e propiciou – no Times e em outros jornais – uma abertura às experiências.
E manteve a promessa de resgatar nosso modelo de trabalho. O New York Times e o Boston Globe, também propriedade do Times, o Financial Times e o Wall Street Journal, para citar alguns dos exemplos mais importantes, persuadiram seus leitores a pagar pelo conteúdo online.
Não é quebra de sigilo dizer que, quando o Times começou a enfrentar seu futuro digital, não ficamos imunes à divisão utópicos-realistas que surgiu na Universidade Stanford. Havia os partidários de critérios, que defendiam a prioridade de uma audiência imensa para levar a receitas publicitárias, e os partidários da qualidade, que defendiam que o leitor pagaria por um jornalismo de primeira linha. O que descobrimos – ou, pelo menos, o que esperamos e acreditamos ter descoberto – é que se tratava de falsa alternativa. Se você constrói, o leitor virá.
Talvez não seja cedo demais para começar o redigir uma nova matéria: “Como a internet salvou o jornal”.
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[Bill Keller é jornalista, colunista e ex-editor-chefe do New York Times]