O medo é a ferramenta tradicional para o ditador manter o povo sob controle. Mas, ao cortar os serviços de internet e de comunicações sem fio no Egito, no fim da semana passado, após enormes protestos de rua, o presidente Hosni Mubarak traiu seu próprio medo – o de que Facebook, Twitter, laptops e telefones inteligentes pudessem fortalecer seus oponentes, expor suas fraquezas ao mundo e derrubar seu regime.
Mubarak tinha motivos para estar alarmado. Sob muitos aspectos, o novo arsenal de redes de relacionamento social ajudou a acelerar a revolução na Tunísia, que impeliu o presidente Zine El Abidine Ben Ali, que estava havia 23 anos no poder, a partir para o exílio inglório e acendeu uma conflagração que se espalhou pelo mundo árabe numa velocidade alucinante.
Foi um símbolo apropriado disso o fato de um blogueiro dissidente com milhares de seguidores no Twitter, Slim Amamou, ter sido catapultado em questão de dias das câmaras de interrogatório do regime de Ben Ali ao cargo de ministro da Juventude e dos Esportes do novo governo. Foi um marco da incerteza em Túnis o fato de ele ter saído do governo na quinta-feira (27/2).
O levante na Tunísia oferece o mais recente estímulo de uma ideia confortadora: que as mesmas ferramentas da internet que tantos americanos usam para se comunicar com colegas universitários e postar pensamentos fugazes têm um papel muito mais nobre como flagelo do despotismo. Afinal, apenas 18 meses atrás, essas mesmas tecnologias foram saudadas como um fator na Revolução Verde do Irã, os eletrizantes protestos de rua que se seguiram à contestada eleição presidencial.
No entanto, desde que a revolta fracassou, o Irã tornou-se uma história edificante. A polícia iraniana tratou de seguir zelosamente as pistas eletrônicas deixadas por ativistas, o que a ajudou a executar milhares de prisões na repressão que se seguiu. O governo chegou a ‘terceirizar’ sua caçada aos inimigos, postando na web as fotos de manifestantes não identificados e convidando os iranianos a identificá-los.
‘O governo iraniano tornou-se muito mais propenso ao uso da internet para perseguir ativistas’, disse Faraz Sanei, que monitora o Irã para a ONG Human Rights Watch. ‘A Guarda Revolucionária, poderosa força política e econômica que protege o regime dos aiatolás, criou um centro de vigilância online e acredita-se que esteja por trás de um ‘ciberexército’ de hackers que pode ser lançado contra os adversários’, disse ele.
Ferramentas
Regimes repressivos de todo o mundo podem ter ficado atrás de seus adversários, nos últimos anos, no aproveitamento de novas tecnologias – o que não é inesperado quando autocratas envelhecidos enfrentam oponentes mais jovens e mais antenados. No entanto, em Minsk, Moscou, Teerã e Pequim, os governos começaram a escalar a íngreme curva ascendente e a usar as novas ferramentas da internet para seus próprios fins antidemocráticos.
A tendência provocou um debate sobre se está errada a sabedoria convencional de que a internet e as redes sociais inclinam a balança de poder em favor da democracia. Um novo livro, The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (‘A ilusão da internet: o lado escuro da liberdade na internet’, em tradução livre), de um jovem pesquisador americano de origem bielo-russa, Evgeny Morozov, descreve exemplos e mais exemplos de ditadores que encontraram modos de usar a nova mídia em seu proveito.
Afinal, os muitos fatores que deram tamanho sucesso comercial ao Facebook e sites similares interessam a uma polícia secreta. As postagens em redes sociais e Twitter de um dissidente são um guia cômodo para suas visões políticas, sua carreira, seus hábitos pessoais e sua rede de aliados, amigos e familiares com ideias semelhantes. Um policial surfando na web pode compilar um dossiê sobre um adversário do regime sem os trabalhos de vigilância de rua e grampos telefônicos requeridos no mundo pré-internet.
Se o Egito de Mubarak recorreu ao instrumento bruto tradicional contra dissensões em uma crise – cortar por completo as comunicações –, outros países mostraram maior sofisticação. ‘Na Bielo-Rússia, agentes da KGB, a polícia secreta que preservou seu nome da era soviética, citam rotineiramente comentários de ativistas no Facebook e de outros sites durante os interrogatórios’, disse Alexander Lukashuk, diretor do serviço Radio Free Europe/Radio Liberty, da Bielo-Rússia.
Lukashuk relatou que, no mês passado, investigadores que apareceram no apartamento de uma fotojornalista bielo-russa zombaram dela. Eles disseram que, por ela ter declarado na internet que eles realizavam suas buscas à noite, eles resolveram vir de manhã.
‘Na Síria, o Facebook é agora uma grande base de dados para o governo’, disse Ahed al-Hindi, ativista sírio que foi preso em um cibercafé de Damasco, em 2006, e saiu do país depois de ser solto. Hindi, hoje na ONG CyberDissidents, com sede nos EUA, disse acreditar que o Facebook está fazendo mais bem do que mal, ajudando ativistas a formarem organizações virtuais que jamais poderiam sobreviver se eles tivessem de se reunir pessoalmente. ‘No entanto, os usuários precisam estar cientes de que estão falando tanto com seus opressores como com seus amigos’, disse ele.
Widney Brown, diretor da Anistia Internacional, disse que os serviços de relacionamento, como a maioria das tecnologias, são neutros. ‘Não há nada de determinístico nessas ferramentas – na imprensa de Gutenberg, nos aparelhos de fax ou no Facebook’, disse Brown. ‘Eles podem ser usados para promover os direitos humanos ou para solapá-los.’
Esse é o ponto defendido por Morozov, de 26 anos, um pesquisador visitante da Universidade Stanford. Em The Net Delusion, ele oferece uma resposta aos ‘ciberutópicos’ que supõem que a internet, inevitavelmente, alimenta a democracia. Ele cunhou o termo ‘spinternet’ (de ‘spin’, virada) para captar a manipulação da web por governos que estão começando a dominar seu uso.
Recomendações
Na China, disse Morozov, milhares de comentaristas são treinados e pagos. Daí o apelido de o ‘Partido dos 50 Centavos’, para postarem comentários a favor do governo e afastarem as críticas online feitas ao Partido Comunista.
Na Venezuela, o presidente Hugo Chávez, após inicialmente denunciar comentários hostis no Twitter como ‘terrorismo’, criou sua própria conta no Twitter – uma mistura divertida de política e autopromoção que tem hoje 1,2 milhão de seguidores.
Na Rússia, observou Morozov, o primeiro-ministro Vladimir Putin conseguiu cooptar vários empreendedores destacados em novas mídias, entre os quais Konstantin Rikov, cujos muitos sites agora se inclinam fortemente em seu favor e cujo documentário anti-Geórgia tornou-se viral na internet.
Morozov reconhece que as redes sociais ‘decididamente ajudam os manifestantes a se mobilizarem’. ‘No entanto, estarão tornando os protestos mais prováveis? Não creio’, disse. No Egito, ao que parece, pelo menos alguns ativistas compartilham da cautela de Morozov sobre a natureza da nova mídia.
Um folheto anônimo de 26 páginas que circulou no Cairo com recomendações práticas aos manifestantes, na semana passada, segundo noticiou o jornal The Guardian, instruía ativistas a passá-lo adiante por e-mail e fotocópia, mas não por Facebook ou Twitter, porque esses sites estavam sendo monitorados pelo governo.
Mubarak, concluindo que era tarde demais para um mero monitoramento, desconectou o país totalmente da internet. Foi uma medida desesperada de um autocrata que não aprendeu a usar a ferramenta que seus adversários adotaram.
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Do New York Times