Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mídia, a ministra e a doença

A ministra Dilma Rousseff reuniu a imprensa no sábado (25/4), em São Paulo, para uma entrevista coletiva, quando anunciou ter extraído um nódulo da axila e que vai se submeter a quimioterapia, por quatro meses, para tratar de um câncer linfático. Aparentando tranqüilidade e acompanhada pelos médicos, a ministra se negou a falar da candidatura à presidência da República em 2010. Não adiantou. Não se fala em outra coisa.


É a segunda vez, em pouco tempo, que Dilma Rousseff vira manchete na imprensa e é perseguida por câmeras de TV e microfones. Da outra vez, todo mundo queria mostrar o novo visual da ministra – e não foram poucas as discussões sobre os resultados da cirurgia plástica.


Se o objetivo de Dilma era evitar especulações, falando abertamente da doença, agiu certo. A mídia, como faz sempre que uma celebridade tem qualquer doença, encheu páginas e espaço nos noticiários com gráficos e detalhes sobre o câncer linfático, esclarecendo que os prognósticos de cura, no caso da ministra, são de 90%.


Mas se a ministra esperava – com a declaração ‘não falo de sucessão nem amarrada’ – encerrar o assunto e continuar tranqüilamente sua pré-campanha, não conseguiu o objetivo. Seus colegas políticos não perderam chance de discutir a sucessão. O único que se negou a entrar no debate foi o mais interessado, o governador de São Paulo, pré-candidato pelo PSDB, ao dizer que considera desrespeitoso misturar a doença e sucessão: ‘Já desejei a ela pronto e definitivo restabelecimento. Especular de eleição com doença não é apropriado de minha parte’.


‘Imensos desafios’


Na imprensa, a voz do bom senso foi Dora Kramer, com seu artigo ‘Exageros à parte’, publicado no Estado de S.Paulo (terça, 28/4):




‘Em volta de Dilma Vana Rousseff Linhares, 61 anos de idade, quatro meses de tratamento quimioterápico pela frente e, segundo os médicos, 90% de chance de cura, tudo de repente ficou superlativo: a comiseração, a admiração, a deselegância dos pragmáticos e a rudeza dos precipitados. Com destaque especial para a manifestação do líder do governo no Senado, Romero Juca, do PMDB: `É preciso aguardar como esse vai fato vai ser metabolizado emocionalmente pela opinião pública. Se a questão da saúde de Dilma for encaminhada positivamente, reforçará a imagem de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer´. Se bem o líder se fez entender, há uma expectativa de que se possa tirar proveito eleitoral da circunstância vivida pela ministra da Casa Civil’.


Dora Kramer conclui o artigo dizendo que são despropositadas as especulações em curso:




‘Objetivamente, nada aconteceu que tenha agora alterado os chamados rumos da sucessão. As inquietações de hoje postas no cenário de uma eventual impossibilidade de Dilma concorrer são as mesmas que já existiam em relação ao desempenho dela como candidata.’


A colunista conclui dizendo que ‘ninguém seria capaz, nem em situação de desmazelo moral completo, de usar o bem mais precioso de uma pessoa para manipulação político eleitoral’.


Sem falar em manipulação, Eliane Cantanhêde (Folha de S.Paulo, 28/4), no artigo ‘A Lula o que é de Lula’, mostra que divulgar a doença vai acabar tendo resultados nas urnas:




‘A prioridade de Dilma, mulher guerreira e cheia de horizontes, deve ser a de qualquer pessoa: tratar-se e curar-se. Enquanto isso, Lula cuidará de segurar as rédeas do processo sucessório, com uma desvantagem que ele rapidamente transformará em vantagem: até agora, ou é Dilma ou é Dilma, não há outro. E ele decide. Foi Lula quem sacou a candidatura Dilma, quem vai segurá-la até o limite e, caso realmente seja necessário, quem apontará o Plano B. Mais uma vez, o PT e os aliados vão acatar e seguir. Ou seja: há uma divisão de tarefas. Lula trata da estratégia e de conter o apetite dos aliados. Dilma combate o câncer e o medo do eleitorado, pois uma natural solidariedade não se converte automaticamente em votos em 2010. São imensos desafios.’


Planos de governo


Enquanto os políticos baixam o nível e visam apenas seus interesses pessoais, enquanto a mídia apela para o sentimentalismo, essas duas articulistas dão um exemplo de bom jornalismo e da capacidade de enxergar o drama humano – sem esquecer que Dilma é, também, um ser político.


Que a doença da ministra vai continuar sendo notícia, disso não há dúvidas. Afinal, além de ministra e pré-candidata, Dilma Rousseff recebe, desde a cirurgia plástica, tratamento de celebridade, com direito a revelações sobre seus hábitos, relacionamentos e cuidados com a beleza. Agora que revelou publicamente a doença, a ministra se torna ainda mais especial, pois permite à mídia fazer de conta que está informando os leitores sobre um assunto que interessa a todos.


Com todas as suas credenciais – cirurgia plástica, figura pública e agora lutando contra uma doença – Dilma Rousseff dificilmente terá espaço para falar de política ou de planos para governar o país. Isso fica para o horário eleitoral gratuito. No noticiário, se a mídia continuar agindo como até agora, Dilma será prioritariamente a mulher que cedeu à plástica, santificada pela luta contra o câncer.

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Jornalista