Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A mídia americana e a liberação da maconha

O mundo das publicações alternativas sobre o uso e cultivo da maconha é gigantesco nos Estados Unidos. Desde a “internacional” High Times até o mais simples blog de bairro, o universo é rico e variado na web. A chamada grande imprensa foi reticente com esta pauta até que o Denver Post, um diário do interior, e seu blog O Canabista (The Cannabist) lideraram a liberação da marijuana no estado do Colorado. Foi quando tudo mudou. A história ganhou mundo. Jorge Pontual, da Globonews, entrevistou Ricardo Baca, o editor de maconha de Denver. No Brasil, a pauta ainda incomoda muita gente e leva muitos jornalistas à autocensura. Para não perder emprego e público.

Mas os jornais americanos, mesmo os mais conservadores, como os da Fox TV, vêm revelando uma tendência favorável à liberação do uso recreativo da maconha para maiores de 21 anos. O New York Times fez sua opção ano passado e o fez em grande estilo. O conselho editorial da publicação apresentou (27/7) uma página interativa com “uma série editorial sobre a legalização da maconha”, dividida em seis seções: a posição do jornal, o direito dos estados, justiça criminal, história, saúde, histórico e regulação. Cobriram os principais aspectos da discussão, e apoiaram, aos olhos da nação e do mundo, a causa da legalização da maconha.

O procedimento formal, grandioso e explicativo do editorial revela uma necessidade de auto-justificação junto à sociedade. Foi uma posição editorial assumida, e não uma ação concreta ou um acompanhamento diário do movimento pró-liberação norte-americano, que segue firme em terras do Tio Sam. Coisa diferente fez o New York Times Business Times, que abriu uma seção chamada “The Divided States of Cannabis” (“Os Estados divididos da Canabis”), a cargo do editor Philip Ross. Que articula diferentes editorias que publicam matérias sobre a maconha em diversos ângulos: políticos, sociais, tecnológicos, saúde pública, crime e outros. Depois tudo é reunido na página da seção em ordem cronológica.

O International Business Times (ou IBTimes) é um jornal virtual de negócios e seu site é um dos mais visitados do mundo. Sua página é mais popular que a do Guardian, de Londres, segundo a analista de dados de sites Alexa. Publicado em sete edições nacionais, em três línguas diferentes, é uma das melhores publicações de notícias online. Por isso a pauta da maconha pareceu em um primeiro olhar, meio fora do lugar, em uma publicação de negócios. Ficou de fora o óbvio: com 55% da população a favor do uso recreativo da droga (dado da CNN), maconha agora é negócio, nos Estados Unidos. E cresce a cada dia.

Os problemas inesperados

As duas publicações, o Denver Post e o IBTimes, abordam o tema da marijuana sob duas perspectivas diferentes: o blog do jornal de Denver é um informativo para usuários. O site de negócios de Nova York é um jornal online para o público “leigo”, que precisa ficar informado sobre os avanços e retrocessos que chegam com a legalização da maconha. Informação é importante. Há muito em jogo aqui. Existem derivados e similares sintéticos da maconha que podem até mesmo matar um ser humano. Ou “desenhado” por laboratórios high tech para fabricar drogas para tratar doenças que desafiam a medicina há tempos. Como o HU-120, que é alguma coisa entre 100 e 800 vezes mais forte que a marijuana convencional, a depender da manipulação. Estas formas sintetizadas da maconha agora estão no mercado, misturadas a hipnóticos e outros “aditivos” perigosos. Mesmo a forma natural foi modificada através de tecnologias variadas e hoje é um produto muito mais forte que aquele conhecido pela geração da contracultura. Outro problema: a maconha sintética é muito recente e seus efeitos em um longo período de tempo são desconhecidos.

Algumas formulações laboratoriais sugerem em algumas pesquisas, efeitos neuro-protetores. O HU-120, segundo estudos, em sua forma sintética pura pode ajudar na recuperação da degeneração da retina. Nas ruas, em mãos de traficantes, é uma droga perigosa e bem diferente da cannabis sativa que os hippies fumavam nos anos de 1960 e 1970.

A ONG Colorado NORML é uma organização dedicada a “reformar a legislação” sobre a maconha e a proteger o consumidor. A organização alertou para o fato da maconha sintética (lá chamada spice, K2 ou black mamba) não é na realidade maconha: é uma formulação sintética misturada, um perigo para o consumidor, e pode matar. Não é maconha, é proibida em todos os estados americanos e “não deve levar este nome”, alertou a ONG (sem data).

O IBTimes (24/5) publicou matéria avisando que o controle da potência da marijuana legal anda mal nos Estados Unidos. Há muita coisa perigosa no mercado. Por isso foi inventado um instrumento (chamado Luminary Profiler) que, através de análise espectroscópica, informa na hora o poder do produto. É um reforço da proteção à saúde (e ao bolso) do consumidor.

O caso da liberação da maconha no Colorado, em termos de regulação e legislação, deixou muito a desejar: o regulador só entrou em ação depois que o mercado já havia garantido a permanência e garantia de sua lógica perversa e seus agentes corrompidos. Até o momento, a lição que fica é que o maior problema não é ganhar causa (justa ou não) ou garantir um direito, mas administrar os problemas inesperados que surgem depois da vitória.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor