Nos Estados Unidos, todos pareciam súditos aos pés do novo imperador – nas ruas ou atrás dos microfones. A tão aguardada posse de Barack Obama ganhou cobertura monárquica das redes de TV e dos sites da internet americanos, que não queriam perder um só momento desse ‘dia histórico’, ‘inesquecível’, ‘emocionante’, ‘fantástico’, ‘fabuloso’, como não cansaram de repetir os apresentadores, até mesmo na ultraconservadora Fox News.
A festa não foi a maravilha que os organizadores imaginaram: o trânsito deu nó no entorno da cidade, o metrô não deu conta da multidão, celular não deu sinal de vida, internet não deu conexão, o senador Ted Kennedy não deu conta da emoção e passou mal no Capitólio, o vestido da primeira-dama, Michelle, deu pouco ibope e o presidente da Suprema Corte deu uma derrapada feia na hora do juramento (oath moment), complicando o instante de glória do presidente, coitado, num tropeço que na rede acabou apelidado de ‘oops oath’; mas, como ressalvaram todas as matérias, nada que estragasse o brilho ‘desse dia histórico’. Obama recebeu a ‘coroa’ cercado de boa vontade.
Na TV aberta brasileira, muita inconsciência do que representa a mudança de poder nos EUA que, queiram ou não, é relevante para o mundo. Na Globo, não falhou o enjoado ‘programação normal e o melhor do carnaval’; e, a julgar pelo Jornal Nacional da segunda-feira (19/1), Obama não estava com nada mesmo na emissora: reportagem deles repetiu informação errada da AP, que por sua vez copiara da Fox News, sobre os gastos com a festa da posse. Segundo a agência, a cerimônia custaria US$ 160 milhões, enquanto a de Bush ficara em US$ 60 milhões. O site Media Matters contestava a informação da AP desde sábado (17), por omitir um ‘detalhe’: o valor atribuído à festa de Bush não incluíra as despesas com o aparato de segurança (mais US$ 100 milhões), que já constava do cálculo da festa de Obama.
Reforma radical
A Record mostrou a posse ao vivo por muito tempo, até ficar com o programa de… Wagner Montes. A Rede TV! resistiu mais algum tempo. Pela Globo News, passagem brevíssima: Maria Beltrão disse duas vezes em menos de cinco minutos que George W. Bush partia para seu rancho no Texas, quando ele estava na verdade indo para Midland, sua cidade natal, de onde saíra em 2001 para a Casa Branca – uma desinformação que o site da CNN, a bem da verdade, também cometeu.
Dezenas, centenas de sites da internet fizeram cobertura ao vivo em vídeo e em mensagens de blogs, tudo em clima de festa. Mesmo o direitista Drudge Report – que perdeu o antigo poder sobre a mídia, segundo análise recente de Howard Kurtz para o Washington Post – equilibrou com um ‘Parabéns, Sr. presidente’ a dura manchete (das 19h, hora de Washington) ‘Frias boas-vindas ao presidente’, por causa da queda das bolsas.
Mas o espetáculo estava na CNN, a TV e o site, que abriu quatro canais ao vivo: o usuário com banda larga podia escolher qual deles ver. Afinal, a eleição de Obama revigorou a emissora, relegada ao ostracismo pela Casa Branca de Bush, que assistia em peso à Fox News. De novo ‘no poder’, que provavelmente dividirá com a ‘esquerdista’ MSNBC, a CNN deu show de tecnologia à altura do novo presidente, que aproveita as novas mídias como nenhum político jamais ousou – o site da Casa Branca, que parecia página de funerária nos tempos de Bush, mudou totalmente minutos antes do meio-dia, ganhando slideshow, blog, interatividade e muita cor. A própria navegação melhorou: ficou muito mais fácil achar as informações.
O pior da história
Na CNN, os sempre sisudos Wolf Blitzer e Anderson Cooper estavam sorridentes e comovidos ancorando a transmissão do Newseum, de onde acompanhavam a chegada do povo e avaliavam a ocupação dos espaços. A grande dúvida do dia era o número de participantes, que a polícia afinal calculou entre 1,8 milhão e 2 milhões; ‘milhões’ para o New York Times, ‘mais de 2 milhões’ para o Washington Post, ‘mais de 1 milhão’ para o Huffington Post, ‘2 milhões’ para a Fox News, um mar de gente que a CNN chegou a comparar às multidões de peregrinos em Meca.
No Situation Room, John King e outros manipulavam a já famosa tela gigante (tipo multitouch) que estreou nas primárias eleitorais, desta vez em nova aplicação, o Photosynth, para pinçar rostos conhecidos na platéia VIP ou destacar momentos especiais (para experimentar é preciso baixar e instalar software de 4Mb). Outra novidade era o ‘exclusivo’ Geoeye (geo-olho), ‘o mais rápido processamento de imagens de satélite em uso não-militar’, alardeou a emissora. Recurso que permitiu ver onde a multidão se concentrava e os muitos espaços vazios.
A Fox News acompanhou longamente os momentos finais em Washington e a chegada ao Texas de George W. Bush, o pior presidente da história americana segundo pesquisas. E não é que a Globo News ficou com ele muito tempo também? De fato, para muitos, por exemplo Michael Moore, foram mesmo as melhores imagens do dia: ‘Enfim livres!’
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Jornalista