A comunicação tradicional – jornal, revista, rádio e TV – respira com o auxilio dos aparelhos do jornalismo digital. Tal realidade fez os veículos midiáticos ampliarem seu espaço e sua audiência nas plataformas virtuais, ano após ano, no século XXI; a maioria, porém, não foi capaz de melhorar a qualidade do conteúdo oferecido nessa década e meia. Aliás, apenas optou por fazer frente ao emaranhado de publicações dos internautas. E parece que até hoje não compreendeu a importância do bom jornalismo para a credibilidade da noticia, ou talvez seja uma estratégia para precarizar a profissão e baratear ainda mais a mão de obra do jornalista, visto que O Globo publicou editorial, na edição de (5/6), defendendo que o diploma para o exercício da atividade é uma “Visão corporativista“.
Isso porque tramita no Congresso, para ser votado na Câmara, após aprovado por 60 votos a 4 no Senado, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 206/2012, que reinstitui a exigência do diploma para o exercício da profissão. Em 2009, sobre o comando do ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou pelo fim de tal requisito, até então presente na regulamentação da profissão de jornalista. O principal argumento à época, o mesmo requentado pelo diário dos Marinho agora, foi que a exigência da formação restringe a liberdade de opinião. Entretanto foram seletivos e ignoraram um fato essencial: jornalismo não é opinião.
A separação entre opinião e noticia é uma das fases mais importantes da classificação dos gêneros jornalísticos, iniciada pelo jornalista inglês Samuel Buckley, já no século XVIII. E ela marca o jornalismo em todo o século XX, quando o empreendimento comunicacional se transforma em indústria, dando origem ao lead – que busca responder os fatos mais importantes no início do texto. A partir daí, portanto, os espaços da informação (objetividade na apresentação dos relatos) e da opinião (o juízo de valorar os fatos, compreendido, em geral, como uma ação individual e ou de um núcleo da indústria jornalística: empresa, colaborador e leitor).
Sendo assim, não se pode embrulhar tudo no mesmo pacote, como fez o STF e parte da mídia continua repetindo, que a obrigatoriedade do ensino superior para o exercício da atividade jornalística afronta a liberdade de pensamento, pois ela é garantida a todos, independentemente da profissão exercida, conforme reflexões ampliadas por Luciano Martins, no “A imprensa quer o colinho do Estado”.
Acrescido a isso, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), questiona em artigo também publicado no jornal carioca de (5/6), se de fato nos últimos seis anos o acesso do cidadão aos meios de comunicação se ampliou, ou se a mídia no Brasil está cada vez mais concentrada e menos plural. O parlamentar questiona, também, se é possível afirmar que há mais liberdade de expressão, hoje, do que quando o diploma era exigido. Para Pimenta, é óbvio que nada disso melhorou à sociedade, ficando a ressalva apenas por conta da democratização da tecnologia e da internet.
Jornalismo não se aprende por osmose
Embora a osmose ocorra dentro da estrutura produtiva dos meios de comunicação, ela não serve de parâmetro para o bom jornalismo. Conforme estudos do jornalista e sociólogo Warren Breed, na década de 50, a rotina profissional-organizativa-burocrático exerce influência nas escolhas do jornalista. Para essa teoria, a principal fonte de expectativa não é o público e sim seus colegas de trabalho e superiores. Sendo assim, o jornalista acaba sendo socializado na política editorial da organização através de um sistema de recompensa e punição. Em outras palavras, ele se conforma com as crenças editoriais que passam a valer mais que a sua crença individual.
Essa lógica não pode ser aplicada, no entanto, quando se visa um conteúdo jornalístico de qualidade à população. Pois apurar, entrevistar, interpretar dados para produzir uma notícia de qualidade capaz de gerar credibilidade, não se obtém por osmose. Além dessas técnicas fundamentais para a atividade, é necessária a formação ética sólida para orientar a conduta do profissional na execução do seu trabalho, já que a principal função da informação é oferecer condições minimamente seguras para o cidadão julgar e tomar suas decisões no dia a dia.
Quantidade versus qualidade
Atualmente, está cada vez mais difícil para o profissional concorrer com o batalhão de testemunhas publicando notas em tempo real, nas redes sociais. E diante da enxurrada de publicações, entrar nessa rota frenética para disputar preferência da audiência é uma aposta de alto risco e improvável retorno. Um caminho mais coerente e eficaz de enfrentar o atual cenário poderia ser a qualificação do noticioso, com profissionais formados e bem treinados, capazes de personalizar e agregar conhecimento ao conteúdo produzido.
O intenso uso de bases de dados e a interação com múltiplas fontes e com o público também são essenciais para a sobrevivência do jornalismo profissional. E para conseguir atuar com a agilidade e competência neste contexto, é praticamente imprescindível que seja um jornalista com boa formação técnica e cultural. Caso contrário, a função do profissional será irrelevante em meio ao emaranhado de publicações, até mesmo nas redes sociais.
Por isso é lamentável que os empresários da grande imprensa, apoiados pela Associação Nacional de Jornais e das entidades que representam as revistas e as emissoras de televisão e rádio, voltem a usar seu poderio midiático para influenciar a opinião pública e pressionar as forças políticas contra a profissionalização dos jornalistas, sendo que a medida beneficia toda a sociedade e a própria imprensa, porque um profissional com formação terá bem mais condições de produzir um conteúdo relevante e de interesse ao cidadão. A não exigência do diploma para a atuação na área empobrece e precariza o trabalho, nivelando a atividade por baixo.
Neste momento, portanto, em que o jornalismo precisa se destacar pela qualidade a fim de resguardar seu maior patrimônio, a credibilidade, ser contra a exigência do diploma, um dos pilares da regulamentação da profissão é, no mínimo, um contrassenso.
Leia também
A saga do canudo – Angela Pimenta
O intelectual, o operário, a rede e o diploma – Editorial da Revista de Jornalismo ESPM nº 13
A imprensa quer o colinho do Estado – Luciano Martins Costa
Reparar o equívoco – Paulo Pimenta
Visão corporativista – Editorial de O Globo (5/6/2015)
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Elstor Hanzen é jornalista com especialização em Jornalismo e Convergência das Mídias