Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A mídia na polêmica do pré-sal





A cobertura da imprensa sobre o projeto de lei que trata do modelo de exploração do petróleo na camada do pré-sal seguia morna, restrita aos espaços menos nobres da mídia, até que entrou em cena a proposta do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) de redefinir a divisão dos royalties do petróleo entre os estados e municípios produtores e não produtores. O que era um projeto para o futuro transformou-se em uma discussão que engloba campos de extração já em operação. No Rio de Janeiro, o estado que sofrerá

o maior impacto da perda dos royalties, o governo e a mídia reagiram e mobilizaram a sociedade civil. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (23/3) analisou o papel da mídia na polêmica e repercussão do caso nos estados atingidos.

Para debater o tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro Alexandre Freeland, diretor de Redação do jornal O Dia. Freeland também dirige o jornal Meia Hora e o periódico esportivo Campeão, do mesmo grupo. No mesmo estúdio participou Argelina Figueiredo, professora e diretora de pesquisa do Instituto Universitário de pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Em Brasília, o programa contou com a presença de João Domingos, repórter especial e coordenador de Política de O Estado de S.Paulo em Brasília.


Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A mídia na semana’ Alberto Dines comentou fatos que tiveram destaque na imprensa recentemente: o início do julgamento do casal Nardoni, acusado de matar a menina Isabella; a censura imposta ao site de buscas Google pelo governo chinês e a cobertura da imprensa brasileira sobre crimes de pedofilia cometidos por religiosos católicos. ‘No dia 11 de março o SBT documentou um caso escabroso em Arapiraca, Alagoas. Nossa mídia preferiu esquecê-lo mesmo sabendo que assédio sexual de menores é crime’, apontou.


Imprensa combativa


Ainda antes do debate ao vivo, em editorial, Dines comentou a reação da mídia do Rio de Janeiro à emenda do deputado Ibsen Pinheiro. ‘A tradição combativa da imprensa carioca foi despertada de repente pela perspectiva da perda de recursos para financiar a Copa do Mundo, a Olimpíada e o próprio desenvolvimento do estado’, destacou. Dines avalia que o deputado foi ‘moralmente linchado e crucificado nas manchetes e ruas do Rio’ e que o povo foi às ruas sem saber ao certo o que são os royalties.


A reportagem produzida pelo programa mostrou as opiniões de especialistas na questão e de jornalistas. Para Sylvio Costa, diretor do site Congresso em Foco, a tramitação do projeto de lei foi marcada pelo ‘oportunismo muito próprio de um ano eleitoral’. O ‘desastroso’ resultado final mostra que quando se trata de agradar às bases eleitorais, os parlamentares não levam em conta números, cálculos, interesses regionais e até mesmo nacionais.


David Zylberstajn , sócio e diretor da DZ Negócios com Energia, explicou que com o projeto de lei o governo tinha modificado ligeiramente a distribuição dos resultados da produção de petróleo para o futuro. ‘Os estados produtores ficariam com um pouco menos e a União com um pouco mais’, disse. Já a emenda proposta pelo deputado Ibsen Pinheiro ‘mudou completamente’ o sentido do que vinha sendo proposto. Alterou o conceito de que os estados produtores são mais afetados pela produção do produto, seja na infraestrutura ou nos danos ambientais que possam ocorrer devido à exploração do petróleo.


A ameaça ao pacto federativo


Esta compensação para os estados e municípios, no Brasil, não ocorre somente com a produção de petróleo. Localidades onde estão instaladas usinas hidrelétricas e mineradoras recebem royalties pela produção da energia e pela extração do minério. Zylberstajn acredita que a criação deste precedente pode gerar ‘desconfiança’ quanto à segurança jurídica dos modelos já implantados. ‘Isto abre uma brecha complicada porque não se resume ao petróleo do Rio de Janeiro ou do Espírito Santo; se resume ao pacto federativo que, em minha opinião, começa a ser afetado’, alertou.


A imprensa carioca concentrou os ataques no deputado Ibsen Pinheiro. O jornal Extra, por exemplo, publicou em primeira página o telefone do parlamentar para estimular a população a se manifestar contra a emenda. Em entrevista ao programa, o deputado garantiu não se importar quando a mídia demonstra um ‘conceito crítico’ em editorial, mesmo quando discorda do teor da formulação.


O deputado criticou a ‘inadequação’ de títulos e chamadas. Em certas ocasiões, as chamadas continham ataques pessoais, enquanto os textos internos estavam corretos. Ibsen Pinheiro comentou que cobertura foi afetada pelo ‘fenômeno regional’ do Rio de Janeiro e observou ‘uma certa `passionalização´’ no trabalho da imprensa carioca.


A mídia bairrista


Para a Cristina Alves, editora de Economia do jornal O Globo, a imprensa do Rio de Janeiro tende a dar um destaque mais expressivo ao tema porque o volume de recursos destinados ao estado é maior. A jornalista acredita que a cobertura em São Paulo foi mais amena porque o estado recebe menos recursos, mas será afetado de forma mais severa no futuro. O espaço dedicado à questão em São Paulo reflete a demora das elites políticas e empresariais em avaliar o impacto da lei e da emenda. ‘Para o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, já dói no bolso agora. Para São Paulo, vai doer depois’, avaliou.


O Observatório entrevistou editores de jornais localizados em outras capitais para avaliar o impacto desta notícia fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília. Maria Isabel Hammes, editora-executiva de Economia do diário gaúcho Zero Hora, comentou que o jornal dedicou grande espaço ao assunto não porque o autor da emenda é gaúcho, mas sim pela relevância do assunto para o estado. Para o jornal, os recursos obtidos com a exploração da camada do pré-sal devem ser divididos de forma igualitária entre os estados.


Sérgio Miguel Buarque, editor-executivo do Diário de Pernambuco, avaliou que a reação à emenda do deputado Ibsen Pinheiro na imprensa pernambucana foi limitada tanto no aspecto quantitativo quanto qualitativo. ‘A gente tratou do assunto de forma superficial’, disse. Para o jornalista, a imprensa local não esclareceu o leitor sobre as questões técnicas e legais que envolvem o marco regulatório do pré-sal. ‘Outra coisa que tem prejudicado a nossa cobertura é que trabalhamos basicamente com informações que vêm do Sul do país, através de agências de notícias’, comentou. A situação é contraditória: a divisão dos recursos do pré-sal beneficiaria Pernambuco, mas as informações utilizadas para compor o noticiário têm a ótica dos estados prejudicados pela partilha.


Cobertura deficiente


Antônio Carlos Leite, diretor de Conteúdo da Rede Gazeta, do Espírito Santo, avaliou que a empresa teve uma postura diferente da rotineira ao ‘assumir uma bandeira de luta’. O jornal pretendeu deixar claro para o leitor capixaba que o estado perderia recursos com a emenda. Mas, na avaliação do jornalista, população ainda não percebeu a gravidade da situação para as finanças do estado. Como exemplo da postura editorial agressiva assumida pelo jornal, Antônio Carlos citou a manchete ‘Mudança na divisão da verba do petróleo é ilegal’.


No debate ao vivo, Dines perguntou a Alexandre Freeland se a imprensa ‘chegou tarde’ ao debate sobre o marco regulatório do pré-sal. Freeland argumentou que desde agosto de 2009 O Dia tem destacado o tema. A reviravolta na cobertura ocorreu com a emenda proposta por Ibsen Pinheiro, porque entrou em questão a produção de poços já em operação e áreas licitadas. O jornalista relembrou que, em agosto passado, O Dia publicou em manchete: ‘O petróleo é nosso! Mas querem meter a mão na grana do Rio…’


O editor destacou que O Dia é focado nos leitores do Rio de Janeiro e tem ‘fortes ligações’ com o interior do estado, onde as consequências da divisão dos royalties terá maior impacto – por isso, reservou um amplo espaço para o tema. ‘Não é verdade quando o deputado Ibsen Pinheiro diz que a discussão foi superficial’, disse. Freeland avalia que a imprensa buscou traduzir as expressões técnicas usadas nos debates sobre o pré-sal – com royalties e fundos de participação. Outra preocupação do jornal foi aproximar o tema do cotidiano da população.


O peso da história


Dines perguntou a João Domingos se a imprensa de São Paulo foi mais cautelosa na cobertura da polêmica lei do pré-sal. Para o jornalista, a mídia paulista deu menos destaque ao tema, em parte, por conta da posição inicialmente neutra do governo do estado. Outro fator foi a falta de mobilização parlamentar em São Paulo. Em relação ao trabalho da imprensa carioca, o jornalista destacou que é preciso levar em conta, além das perdas concretas para o estado, as razões históricas para a reação da mídia. A transferência da capital para Brasília e a estagnação do setor industrial acarretaram um esvaziamento do estado que os jornais tentam conter.


A atuação dos diversos atores políticos envolvidos na polêmica foi analisada por Argelina Figueiredo. Para a professora, a população reagiu ao problema, que já estava em pauta, quando a questão passou a afetar diretamente o Rio de Janeiro. Mobilizada pelo governo, foi às ruas porque houve uma perda concentrada e imediata para o estado. ‘O Rio foi afetado em grande medida e já no momento presente’, disse. Argelina destacou que não é relevante, neste quadro, que a população tenha noção das questões técnicas.


Em situações como esta, a população costuma protestar motivada por ‘atalhos políticos’. Na avaliação da professora, a reação do governador Sérgio Cabral foi dentro do esperado pelo cargo que ocupa, uma vez que tinha a obrigação de defender os interesses do estado. Já Ibsen Pinheiro teve um comportamento ‘normal’, característico de um parlamentar que pode aproveitar o momento para atender a interesses eleitorais.


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Pacto salgado


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 538, no ar em 23/3/2010


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


O pré-sal salgou o nosso pacto federativo. A República teve alguns conflitos regionais, entre estados ou entre estados e o poder central. Alguns descambaram em confrontos bélicos. Os mais conhecidos são a Guerra do Contestado, a Revolta de Juazeiro e a Revolução Constitucionalista de São Paulo, episódios fratricidas que não se comparam à sangrenta Guerra da Secessão americana.


Nossa federação parece estável, mas na última semana os ânimos andaram muito exaltados quando o governador do estado do Rio comandou uma cruzada contra a emenda aprovada pela Câmara Federal que alterava drasticamente a distribuição de royalties pela extração do petróleo.


A tradição combativa da imprensa carioca foi despertada de repente pela perspectiva da perda de recursos para financiar a Copa do Mundo, a Olimpíada e o próprio desenvolvimento do estado. O peemedebista gaúcho Ibsen Pinheiro foi moralmente linchado e crucificado nas manchetes e ruas do Rio, embora o Espírito Santo e São Paulo também tivessem sido prejudicados pela emenda.


O povo foi às ruas sem saber exatamente o que são royalties, o que é o pré-sal e por que a fabulosa riqueza da camada submarina do pré-sal em vez de trazer a euforia nos empurrou para uma situação pré-dramática.


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A mídia na semana


** O circo forense está armado em São Paulo e continuará por mais alguns dias até que os jurados decidam condenar ou inocentar os acusados de matar a menina Isabella – seu pai e sua madrasta. A mídia queria acompanhar o julgamento ao vivo, de dentro do tribunal, apoiada pela defesa do casal. Neste caso, em vez do circo teríamos um carnaval. A liberdade de informar tem limites. E este é um exemplo claro: se a mídia entrasse no tribunal subverteria o curso do julgamento. O que não se pode impedir são as palhaçadas pseudo-jornalísticas da mídia eletrônica popular. Quem pode impedi-las é o controle remoto.


** O percurso da China como super-potência global esbarra sempre numa grande contradição: não há democracia, o acesso à informação é controlado. Ao criar embaraços para o livre funcionamento do Google, o governo chinês escancarou o seu sistema de censura. A empresa americana tentou contornar a muralha ao transferir todos os milhões de acessos do seu endereço chinês para o de Hong Kong. Está funcionando para nós. Resta saber se também funciona para os chineses.


** Pela primeira vez um Papa pede desculpas públicas e o motivo foi extremamente penoso: os numerosos casos de pedofilia praticada por sacerdotes na Irlanda. Não é o primeiro episódio e aparentemente não será o último. No dia 11 de março, o SBT documentou um caso escabroso em Arapiraca, Alagoas. Nossa mídia preferiu esquecê-lo mesmo sabendo que assédio sexual de menores é crime. Veja não participou do pacto de silêncio mas a Folha hoje investiu contra aqueles poucos jornalistas que ousam denunciar a pedofilia praticada por sacerdotes: disse que são histéricos anticatólicos. Não são: apenas acreditam que todos são iguais perante a lei.

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Jornalista