Dois fatos, no noticiário das eleições chamaram a atenção pela oportunidade que deram de comentar o comportamento da mídia.
O primeiro foi a queixa de uma amiga, moradora de uma pequena cidade do interior paulista: só conseguiu informações completas sobre as eleições na sua cidade nas conversas com amigos. O jornal da qual é assinante limitou-se a falar do prefeito e dos vereadores eleitos. Interessada em saber quantos votos tinha tido o seu candidato a vereador, precisou recorrer site do TSE. Faltaram, é claro, a reação dos eleitos e derrotados, os boatos que falam da compra de votos, o clima – enfim, que ela queria ver retratado pela imprensa. Ou seja: mesmo com informações completas na internet, os jornais regionais não estão cumprindo seu papel para atender àquela grande camada da população que ainda não usa computador.
O segundo foi a informação divulgada pela TV Cultura sobre Maria Eulina Rabelo de Sousa, cuja candidatura à prefeitura de Viseu (PA) foi impugnada por ela manter relacionamento homoafetivo com a atual prefeita de sua cidade.
Na segunda-feira após o pleito (4/10), depois de pesquisar os jornais Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde, Estado de S.Paulo e Agora, descobri que o assunto não mereceu uma linha sequer nas extensas coberturas das eleições.
Acabei recorrendo ao site do TSE (www.tse.gov.br) e lá estava a notícia completa:
Brasília (01/10/2004) – Por unanimidade de votos, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral cassaram hoje pela manhã, o registro de candidatura da deputada estadual Maria Eulina Rabelo de Sousa (PFL), a prefeitura de Viseu, Pará, por ela manter um relacionamento homoafetivo com a atual prefeita reeleita do município Astrid Maria Cunha e Silva. A decisão foi tomada com base no parágrafo 7º, do artigo 14, da Constituição que proíbe a perpetuação de grupos familiares no poder Executivo. Essa é a primeira vez que o TSE dá nova interpretação à questão das inelegibilidades envolvendo um casal do mesmo sexo. Como Astrid Maria está concluindo o seu segundo mandato frente à prefeitura de Viseu, sua companheira, de acordo com a decisão do Tribunal, é considerada inelegível para disputar o mesmo cargo. ¨
Celebridades na pauta
Será que os pauteiros dos jornais – ocupados demais com a contagem eletrônica que, aliás, vem prontinha do TSE – não tiveram tempo de dar mais atenção à notícia? Afinal, quando, nos Estados Unidos, os governadores de estado ora aprovam, ora desaprovam os casamentos gays, a imprensa brasileira dá um grande destaque ao fato. Mas, quando se trata de um juiz brasileiro, que abre um precedente ao considerar a deputada inelegível por parentesco, a imprensa não dá a mínima.
Qualquer dia, quando faltar assunto, ou quando um repórter insistir que aí tem matéria, talvez a gente fique sabendo mais sobre esse caso. Até lá, se algum leitor quiser conferir a veracidade da informação, vai ter que gastar seu tempo procurando pela internet.
Antes da internet, quando diziam que a TV mataria o jornal em papel, nós, da imprensa escrita, tínhamos um argumento que parecia indiscutível: o público teria sempre que buscar nos jornais ou revistas a informação completa, o bom texto, a análise.
Será que erramos e vamos acabar todos como essa senhora do interior que se informa por meio de amigos e conhecidos? Afinal, qual a diferença entre ficar sabendo das coisas na padaria ou num blog? Apenas o fato de que, ao conversar ao vivo, a gente ainda pode julgar – pela expressão do informante – se ele está falando a verdade ou interpretando a notícia.
Ou será que o TSE tem um serviço de imprensa que vai sugerir essa pauta aos jornais? Pode ser que, se a assessoria der o aval, os jornais descubram que aí tem notícia e nos contem um pouco mais sobre essa decisão do juiz eleitoral que – de forma oficial – acabou reconhecendo legalmente uma união homossexual, ou melhor, homoafetiva.
Um precedente vai virar notícia quando um astro de TV, uma cantora famosa ou uma celebridade dessas que vendem revistas de fofocas resolver fazer valer seus direitos em uma relação afetiva, de preferência homoafetiva.
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Jornalista