Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A nova hipocrisia contra Israel

O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, que fugiu de um hospício e ninguém viu, encheu o peito há pouco e mandou bala, agora em palavras: a frota de ajuda humanitária que seguia para Gaza fazia parte de ‘uma operação terrorista’. Isso mesmo, terrorista, com as perigosas e avançadas armas de remédios e alimentos. Mas antes que o mundo perguntasse, terroristas, quem, cara-pálida?, ele foi mais longe, impune e convicto de sua impunidade, ao descobrir que ‘Israel está sendo vitima de um ataque de hipocrisia internacional’.

O primeiro impulso de toda a gente, que se opõe ao tratamento de cães raivosos a um povo cercado, é achar que o Estado de Israel, além de assassinar civis, quer também assassinar o sentido original das palavras. Esse impulso chega a ser fortalecido pelas análises mais cínicas e brutais, como a do analista internacional da BBC News, que pergunta sobre o assalto, execuções e seqüestro de pacifistas: ‘então, o que deu errado?’. Uma pergunta que pressupõe a legitimidade do abuso de força de Israel, a naturalidade do isolamento de populações civis em Gaza, e o indisfarçável desconforto de que no mundo ainda existam palestinos. ‘Afinal, onde erramos?’.

Quando refletimos melhor, no entanto, notamos que pode haver um sentido, digamos, legítimo na declaração do primeiro-ministro, que vê o seu Estado vítima de uma hipocrisia internacional. Benjamin Netanyahu pode apenas querer dizer, se nós sempre matamos civis, por que esse clamor agora? Soldados de Israel já passaram com tanque sobre uma pacifista desarmada, já fuzilaram Somaeah Hassan, de 6 anos, a Rosa da Palestina, na faixa de Gaza, já atacaram famílias com bombas proibidas em tratados internacionais, e agora, vaidade das vaidades, hipocrisia das hipocrisias, por que o furor de tamanha virtude e indignação?

Problema e solução

Se for reparar direito, a chamada ‘opinião internacional’ nunca se ergueu contra o escândalo de que na Faixa de Gaza não entrem armas que todo o mundo conhece como lâmpadas, velas, fósforos, livros, instrumentos musicais, giz de cera, roupas, sapatos, colchões, lençóis, cobertores, massa para cozinhar, chá, café, chocolate, nozes, xampu e condicionador. Os civilizados governantes europeus tratam isso, há muito, como uma lista de produtos em falta em supermercados. Algo como uma pequena crise de abastecimento. Nas tevês brasileiras, os ‘correspondentes internacionais'(bela gente, que belo caráter), quando ouvem o outro lado dos conflitos, entrevistam um muçulmano ladino, como novos escravos aculturados, de cidadania israelense. Então, por que essa grita?

Nada mais natural, contra esses hipócritas, que a magnífica Hillary Clinton defenda uma investigação internacional dos últimos crimes, mas (esse ‘mas’ é tudo) sob a liderança de Israel. Claro, uma investigação conduzida de forma imparcial e transparente, sob comando israelense. Mais imparcial e transparente impossível. Viva. Como uma antecipação aos desejos de madame Clinton, os militares israelenses viram alguns erros na operação pirata. A saber, de inteligência, equipamentos e táticas erradas. E para piorar, houve pacifistas que não se jogaram ao chão diante do céu iluminado com os soldados israelenses que desciam. À tábua dos mandamentos de Israel se negaram. Ô raça…

Nos jornais de quarta-feira (2/6), o escritor Amós Oz, com o seu costumeiro ar de homem ponderado e sábio, reconhece que existem os palestinos, admite que esses inacreditáveis humanos devem ser melhor tratados, porque afinal o governo de Israel não pode desconhecer que ‘o problema é que não estamos sós nesta terra, e os palestinos não estão sós nesta terra’. O que é uma pena, para o Estado de Israel, para a sua segurança e fascismo. O problema é a solução: os palestinos têm hoje a opinião pública de todo o mundo a seu lado.

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Jornalista e escritor, Recife, PE