Copycat na semana de 21 de novembro de 2010 no Rio de Janeiro? Talvez sim… Copycat é uma expressão em inglês que resulta da justaposição da palavra copy, que significa ‘cópia’, seguida da palavra cat, que quer dizer ‘gato’. Ela tem sua origem no fato de que os filhotes de gatos tendam a imitar, todos juntos, o comportamento da mãe. Assim, a expressão se refere, indiretamente, às manifestações da tendência animal de reproduzir comportamentos modelados de outros indivíduos, tendência essa jocosamente representada no bordão ‘o que o macaco vê o macaco faz’.
É interessante notar que o surto de violência no Rio de Janeiro, na semana iniciada a 21 de novembro de 2010, tenha como denominador comum dos seus episódios a queima de veículos, incluindo caminhões, ônibus e carros de passeio. Mas será que todos os incidentes foram orquestrados centralmente ou se desencadearam de maneira aleatória depois do primeiro deles? Copycat?
O ‘efeito copycat’ tem sido sistematicamente apontado na literatura criminológica, sempre que a ocorrência de um determinado incidente ‘dispara’ uma onda de ocorrências ou fatos similares. O fenômeno parece ser típico, por exemplo, quando acontecem suicídios ou homicídios de grande repercussão social. Assim, a publicidade sensacionalista sobre um suicídio ou homicídio pode fazer com que, logo em seguida, aconteçam várias outras ocorrências da mesma natureza.
Fonte de modelos
A mídia de postura socialmente responsável muitas vezes evita fazer menção a certos delitos – caso, por exemplo, do vandalismo, já que uma simples referência a uma dessas ocorrências pode fazer desencadear várias outras, segundo o ‘efeito copycat’. Com o suicídio acontece o mesmo. O suicídio do músico do líder da banda norte-americana Nirvana, Kurt Cobain, em 1994, parece estar relacionado com uma série de suicídios subsequentes.
Uma das bases teóricas explicativas do chamado ‘efeito copycat‘ é a ‘Teoria da Aprendizagem Social’ ou ‘Teoria da Modelagem’. A ‘Teoria da Aprendizagem Social’ (TAS) ou ‘Teoria da Modelagem’ (TM) sustenta que os indivíduos podem aprender determinados comportamentos socialmente, de maneira informal, incluindo como portar-se em situações específicas, simplesmente pela observação uns dos outros. Tal aprendizagem estaria condicionada pela observação de que os comportamentos verificados nos ‘modelos’ produziriam os resultados por eles almejados. Assim, a imitação seria procedida da expectativa de obter os mesmos resultados observados na ação ou comportamento modelado. Referindo à situação específica do Rio de Janeiro, é possível inferir que a cada incidente de violência reportado pela mídia, a criminalidade local tem sua ‘efetividade’ reforçada, independente dela estar constituída por um único grupo ou vários deles.
A mídia, tão abundante na sociedade moderna, produziria, em seus relatos, muitas das ‘situações modelo’ para aprendizagem pela imitação ou modelagem. Tendo em conta o valor supostamente positivo atribuído pela mídia às situações por ela retratadas como ‘ideais’, quer seja no plano real ou ficcional, isso faria dela uma poderosa fonte de modelagem de ‘comportamentos sociais almejados’. Mas também de comportamentos anti-sociais… Assim, a mídia seria uma das fontes mais determinantes de modelos de como a sociedade deveria funcionar e, correspondentemente, de como os indivíduos devem comportar-se em situações sociais específicas.
Episódios emulados
A ‘Teoria da Aprendizagem Social’ (TAS) ou ‘Teoria da Modelagem’ (TM) foi desenvolvida originalmente pelo psicólogo Albert Bandura (Mundare, Canadá, 1925). No plano da criminologia, a TAS serviria para explicar, de maneira esquemática geral, como a agressão é aprendida ‘por modelagem’. Contrariando esquemas teóricos positivistas que apontam que as tendências violentas seriam ‘herdadas biologicamente’, a TAS ou TM sugere que elas seriam ‘aprendidas ou modeladas socialmente’. Em um primeiro estágio do desenvolvimento psicossocial, as crianças aprenderiam ‘respostas agressivas’ ao observar outras pessoas (na família primordialmente), através da mídia (nos ‘desenhos’, por exemplo) ou no ambiente social externo à família (com os ‘amiguinhos’ basicamente). Isso, eventualmente, levaria o indivíduo a um ‘reforço positivo’ em relação a certos comportamentos observados, o que implicaria que eles devessem ser emulados ou copiados sistematicamente, vis-à-vis promoverem ganho material, ganho da estima de terceiros ou mesmo ganhos na própria auto-estima. Novamente voltando ao caso do Rio de Janeiro, é conhecida a tonitruância da marginalidade local, particularmente em relação aos membros imediatos das diversas comunidades tomadas por grupos de delinquentes ligados ao narcotráfico.
Se as teorias de Bandura explicam, na modelagem da aprendizagem social, as causas da agressão, decorrentemente, autores mais recentes trabalham com a previsibilidade de episódios emulados de episódios anteriores. É esse o caso de Loren Coleman em sua obra relativamente recente, O Efeito Copycat (The Copycat Effect), de 2004.
Ameaças significativas
Segundo Coleman, situações passadas podem servir para previsão da ocorrência de eventos futuros nelas modeladas. Este seria o caso, por exemplo, de ocorrências de violência letal com incidência nas escolas. Entre tais inferências, vale destacar a de que novos episódios tendem a ocorrer no início do primeiro ou no final do segundo semestre do ano letivo. Também é digna de nota a observação de que ocorrências de violência letal nas escolas guardem um padrão temporal em sua emulação, fazendo com que os fatos se repitam algum tempo depois do episódio noticiado pela mídia, podendo ocorrer a curto, médio ou longo prazo, dependendo do ‘relógio interno’ do seu autor. Não menos importante, podem ser emuladas também as características do autor, das vítimas e até mesmo do modus operandi utilizado originalmente. Nesse último caso, haveria um paralelismo com os incêndios criminosos de veículos no Rio de Janeiro de novembro de 2010.
Dentre todas as conclusões de Coleman, a mais importante talvez seja a de que ocorrências intensamente veiculadas pela mídia terão maior possibilidade de ser objeto do fenômeno de modelagem, constituindo-se, portanto, em significativas ameaças a partir de sua ocorrência e consequente divulgação pública. O fenômeno vulgarmente denominado de copycat, portanto, talvez faça parte da dinâmica social muito mais intensamente do que faz supor o senso comum.
******
Professor, Brasília, DF