Na última quinta-feira (20/08), o jornalista Carlos Alberto Sardenberg publicou um artigo intitulado “A destruição das federais”, no jornal O Globo, com o propósito claro de deslegitimar a greve como instrumento de luta. Segundo Sardenberg, os principais responsáveis pela destruição das federais são “professores, funcionários e alunos que promovem longas greves todos os anos”.
O jornalista disse ainda que as reivindicações – resumidas de maneira simplista como “mais salário e mais dinheiro do governo federal” – não têm o menor cabimento numa conjuntura de “grave crise das finanças públicas”. “O caminho correto”, diz Sardenberg, “é cortar despesas de maneira estrutural e arranjar dinheiro que não venha do bolso do contribuinte”. A saída mágica seria “obter fontes de renda no setor privado”, vendendo serviços, “[…] como pesquisas ou desenvolvimento de projetos para empresas; cobrar taxas dos alunos que podem pagar; ou fazer coisas mais prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos estacionamentos” [in: <http://oglobo.globo.com/opiniao/a-destruicao-das-federais-17241455#ixzz3jN9K5Mqc>.
O historiador Marcelo Badaró Mattos chamou atenção para o fato de que em alguns locais onde as universidades eram gratuitas, como no Sul da Europa, foram introduzidas taxas para os estudantes, o que acabou gerando uma série de problemas. Com o aumento progressivo no valor das taxas a partir de 2008, “muitos desistem do ensino superior e há cursos com número decrescente de candidatos ou mesmo turmas vazias”. In: https://capitalismoemdesencanto.wordpress.com/2015/07/02/greve-na-educacao-federal-e-outras-greves-um-movimento-oportuno-e-necessario/].
Além de apresentar o corte de verbas destinadas à educação como algo “inevitável”, Sardenberg ainda sustenta que a única saída para a crise seria atender aos interesses do mercado, colocando em xeque a gratuidade do ensino público e a autonomia das universidades.
Por que não construir uma nova cidadania?
Em julho deste ano, o jornalista afirmou (via rádio CBN) que Dilma e Lula foram responsáveis por convencer o então primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, a adotar o programa anti-austeridade colocado em prática por ele após sua eleição, no início do ano [in: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/07/para-sardenberg-crise-na-grecia-e-culpa-de-lula-e-dilma/>].
Afirmação cômica, se não fosse trágica, pois sequer leva em conta a política de ajuste fiscal comandada pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy e as recentes análises da fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fatorelli: “O que aconteceu na Grécia, de 2010 a 2015, quando o FMI passou a intervir, é exatamente o que vem acontecendo no Brasil desde 1983, quando o FMI passou a intervir aqui. E hoje, apesar de ter pagado a dívida para o FMI e até emprestar ao Fundo, estamos sujeitos à mesma política, ao mesmo receituário que a gente sabe que é um veneno: política de juros altos, privilégio para o setor financeiro, privatizações e o ajuste fiscal (corte de gastos)” [in: <http://www.sul21.com.br/jornal/estamos-vivendo-a-grecia-desde-1983-diz-brasileira-que-auditou-divida-grega/>].
Neste contexto de ataque frontal à educação pública, que se expressa no corte de R$ 10,5 bilhões de reais somente neste primeiro semestre de 2015, é importante destacar que tais medidas podem colocar em risco o funcionamento das Instituições Federais de Ensino, a permanência dos estudantes das camadas populares e, além disso, aprofundar a precarização do trabalho docente e dos demais servidores públicos. Isso sem falar no drama vivido pelos trabalhadores terceirizados com salários e benefícios atrasados. Não podemos aceitar uma política econômica que beneficia as instituições privadas de ensino superior (por intermédio do FIES e do Prouni) e o capital financeiro, em detrimento do sucateamento do ensino superior público.
Portanto, a greve dos estudantes, funcionários e professores representa uma oportunidade política para uma discussão mais aprofundada dos aspectos conjunturais e estruturais que envolvem o atual cenário de crise política e econômica, na medida em que afetam diretamente as universidades. Nesse sentido, é preciso que as universidades públicas federais se somem à agenda dos de baixo e contribuam para a construção de uma saída popular para a crise: taxação das grandes fortunas e do lucro dos bancos; auditoria da dívida pública (multiplicada pela elevação da taxa de juros); e, por fim, reformas populares.
Torna-se necessário e urgente repensarmos a própria função social das universidades. Por que não criamos condições de construir uma nova cidadania, capaz de tornar os indivíduos mais sensíveis à coletividade? A luta pela educação pública deve ser parte integrante da luta mais geral e decisiva do conjunto da classe trabalhadora contra as políticas de ajuste fiscal/austeridade e a Agenda Brasil. Como diria Michelle Perrot, cada sociedade tem necessidades de encontrar seu modo de luta e, simultaneamente, seu modo de expressão.
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Marco Antônio Machado Lima Pereira é professor de História Contemporânea e doutor em História Social