Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A política despolitizada da mídia

Concluída a campanha eleitoral, o balanço do período indica o flagrante aumento da capacidade de inserção da mídia nos rumos políticos do país, criando realidades a partir de interpretações distorcidas dos fatos políticos. Não obstante esse traço seja característico da atuação midiática em geral, é potencializado pela Rede Globo não só porque sua enorme audiência multiplica o alcance da parcialidade de sua cobertura, mas também porque esse grupo econômico conhece muito bem sua penetração junto à população – e, a partir daí, usando o poder, para utilizar as palavras celebrizadas pelo fundador do grupo.

Na plenitude da democracia representativa burguesa – mesmo que, no caso brasileiro, muito recente –, debates de candidatos a presidente da República seriam um instrumento importante de confronto de idéias, para escolha do eleitor (numa aproximação de liberdade, nos limites do capitalismo). No entanto, os debates são geridos pela ferrenha busca pela audiência e pelo desejo das emissoras de televisão em firmar sua posição de privilegiado ator político no país, em sua dupla (e imbricada) funcionalidade. O interesse mercadológico tem historicamente enfraquecido o momento democrático mais importante do país.

Tornam-se os debates atrações midiáticas, produtos audiovisuais, mercadorias perfeitamente inseridas no processo de valorização, de forma que o campo político (e, nesse caso, os mais altos interesses da sociedade, imagina-se) fica subordinado às práticas midiático-mercadológicas das organizações privadas do ramo televisivo. Os debates estão mais de acordo com um espetáculo circense do que com um espaço destinado ao diálogo dos rumos a serem adotados para o Brasil.

O caminho, a saída

Para promover tais movimentos, a mídia conta com plena autonomia e praticamente nenhuma obstrução para agir de maneira totalmente livre, ainda mais quanto à produção e distribuição de conteúdos. Isso, no entanto, não corresponde a uma ausência de controle. O controle existe, só que eminentemente privado. O uso dessa liberdade na cobertura de episódios recentes, como o dossiê contra os pretensamente ingênuos tucanos, comprova o engajamento das indústrias culturais, com liderança da Globo, no combate a toda iniciativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva de propor algum um mínimo de controle público sobre os atos de midiatização – como ocorreu com a Lei do Audiovisual e o Conselho Federal de Jornalismo (CFJ).

É sabido que, nos marcos do capitalismo, um jornalismo ético, crítico e de qualidade, capaz de introduzir debates plurais e democráticos (não só no período eleitoral, abordando temáticas gerais necessárias para a formação e deliberação do cidadão), será sempre periférico, desenvolvido por organização não-hegemônicas. Mas mesmo as companhias midiáticas, comprometidas com o sistema, podem avançar um pouco em seu compromisso social se forem submetidas a controle público – o que, logicamente, tem uma rejeição enorme dessas mesmas empresas, que colocam tudo numa vala comum de censura, em mais uma estratégia visando confundir e convencer a opinião pública.

Dessa maneira é preciso lembrar que o Brasil, em consonância com sua recente e ainda curta experiência democrática, precisa de uma injeção de lógicas públicas nas dinâmicas midiáticas se quiser construir um espaço minimamente público. As políticas públicas servem para isso, na medida em que os problemas não se resolvem automaticamente pelo mercado, premissa que passa pela aceitação de que os jornalistas não estão acima dos demais cidadãos. Para evitar essa discussão, o processo eleitoral foi esvaziado, não sendo pautado o principal desafio ético para governantes e sociedade: a incorporação de milhões de excluídos de bens e serviços básicos (pré-requisito para a chamada inclusão digital).

Essa é a política despolitizada praticada pela mídia, proposta a cada cidadão como se fosse não um caminho, mas a saída. Trata-se de uma política na qual os agentes públicos, os trabalhadores da mídia, na verdade são privados, subordinados acima de tudo aos ditames das organizações e suas regras. Nessa política despolitizada (e privatizada) da mídia, os atores efetivamente públicos não raro são capturados, tornando-se reféns – como o próprio governo Lula, que cedeu a quase toda a pauta das indústrias culturais, mas no fim foi descartado por ela, em detrimento do projeto tradicionalmente mais confiável.

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Respectivamente, professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e o organizador, com César Bolaño, do livro Rede Globo: 40 anos de poder (Paulus, 2005); graduada em Publicidade e Propaganda pela Unisinos e bolsista de iniciação científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)