Viciados na linguagem agressiva dos confrontos, os jornais brasileiros de circulação nacional demonstram alguma dificuldade para lidar com os fatos produzidos pelo atual governo. Sem as frases controversas do ex-presidente Lula da Silva, o jornalismo político parece carente de munição para seu noticiário alimentado por declarações.
O desconforto é evidente em artigos, editoriais e reportagens, como se a imprensa estivesse avaliando que posição tomar na ausência de seu velho desafeto.
A reportagem principal da edição de domingo (6/2) de O Globo reflete essa tentativa de entender a nova presidente da República. ‘Atos de Dilma afastam governo do estilo Lula’, diz a manchete do jornal carioca.
Outros diários, como a Folha e o Estado de S.Paulo, já haviam analisado o temperamento mais discreto da presidente Dilma Rousseff, mas o Globo faz a primeira declaração explícita de que há um novo relacionamento em curso entre a imprensa e o Executivo federal.
Frases ruidosas
O Globo parece impressionado pelo fato de que uma mulher na Presidência da República venha a estabelecer um estilo completamente diferente do de seu antecessor. O jornal se surpreende porque a presidente ‘demonstra ter rumo próprio’, como se os editores tivessem assumido como verdadeiras afirmações feitas pela oposição durante a campanha, de que o ex-presidente Lula da Silva estava impondo uma sucessora sem experiência eleitoral como forma de se manter no poder indiretamente.
O jornalismo político brasileiro é feito, há muito tempo, com uma receita básica: apanha-se – ou se provoca – uma declaração do governo ou da oposição, tempera-se com uma pitada de comentários por meio de editoriais ou artigos, cozinha-se esse conteúdo na fervura de Brasília e serve-se a polêmica reforçada com novas declarações.
O hábito do ex-presidente Lula de produzir frases ruidosas alimentava essa pauta única.
Sem a fartura de declarações, a imprensa terá que reaprender a fazer reportagem política.