Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

A saga do canudo

selo_rev_jorn_espm Seis anos após ser julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a obrigatoriedade do diploma para jornalistas reemerge no Congresso na forma de uma proposta de emenda à Constituição. Já aprovada em duas votações no Senado, a PEC 206/12 também tem grandes chances de aprovacão na Câmara, onde precisa obter pelo menos 308 votos (3/5 dos 513 deputados) em dois turnos. Se aprovada, a nova lei seria promulgada imediatamente, pois uma PEC dispensa sanção presidencial.

Graças ao apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a proposta quase foi votada no dia 7 de abril, Dia do Jornalista. Mas a tramitação de projetos econômicos, como o da terceirização, tem adiado a votação. Em reunião com a diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que lidera o lobby pelo diploma, Cunha disse: “Eu quero é promulgar a PEC”. Ele acredita que a proposta será aprovada “com apenas alguns ajustes de texto”. Caso sua previsão se confirme, depois de aprovado em dois turnos na Câmara, o texto voltará ao Senado.

Tanto seus defensores quanto oponentes concordam que a PEC será aprovada se for submetida às votações necessárias. Além do apoio de Eduardo Cunha, outro indicador importante é o placar do segundo turno de votação no Senado em 2012. De um total de 81 senadores, a PEC obteve 60 votos a favor – incluindo os de oposicionistas como Aécio Neves (PSDB-MG) e Agripino Maia (DEM-RN) – e apenas quatro contra, de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), Cyro Miranda (PSDB-GO), Jader Barbalho (PMDB-PA) e Kátia Abreu (DEM-TO). A PEC é apoiada abertamente por partidos como o PMDB, PT, PCdoB e PSB. Maior partido de oposição, o PSDB liberou o voto de sua bancada. A Organização dos Advogados do Brasil (OAB) também apoia a obrigatoriedade do diploma.

Entre os opositores da PEC estão as entidades de classe patronais como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e o Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo (Sertesp), além do Instituto Palavra Aberta. Tais entidades têm sinalizado que se a PEC for aprovada, recorrerão novamente ao Supremo para que ele reafirme a inconstitucionalidade do diploma obrigatório. Já Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) não se posiciona a respeito. “Consideramos que esta é uma questão sindical, fora do escopo da Abraji, que é de capacitação, defesa da liberdade de informar e do direito de acesso à informação”, diz José Roberto Toledo, presidente da entidade.

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O que diz a PEC

De autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a PEC 206/12 emenda o artigo 220 da Constituição, que trata da liberdade de expressão. Diz a PEC: “O exercício da profissão de jornalista é privativo do portador do diploma de curso superior de comunicação social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação, nos termos da lei”. Mas a PEC dispensa o diploma para a figura do colaborador, “assim entendido aquele que, sem relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, científica ou cultural, relacionado com a sua especialização”. O texto também dispensa o diploma para profissionais que já trabalhem como jornalistas ou tenham obtido o registro profissional antes da aprovação da lei.

Outra proposta, a PEC 386/09, de autoria do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) também propõe a obrigatoriedade do diploma, mas não contempla a questão do colaborador ou de jornalistas que já atuem sem diploma. A fim de acelerar a votação da matéria, a Câmara decidiu fundir, ou apensar, segundo o jargão legislativo, todas as proposições relacionadas à PEC 206/12. Em entrevista à Agência Câmara, o deputado Hugo Leal (Pros-RJ), relator da comissão especial que analisa a proposta, disse que o texto prevaleceu por já ter sido aprovado no Senado, estando maduro para ser votado na Câmara.

As duas decisões do Supremo

Em junho de 2009, por oito votos a um, o STF julgou inconstitucional tanto a exigência do diploma quanto a do registro profissional no Ministério do Trabalho, o chamado MTB, como condições para o exercício do jornalismo. Para o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, a exigência do diploma e do registro profissional eram inconstitucionais, pois foram editadas pelo decreto-lei 972/1969 durante a ditadura militar para controlar a imprensa. Segundo Gilmar, as exigências do decreto-lei “ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos”. Mais conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, a convenção, da qual o Brasil é signatário desde 1992, garante a liberdade de pensamento e de expressão como um direito humano fundamental.

Além do relator, votaram contra a exigência do diploma os ministros Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello votou a favor. Os ministros Menezes Direito e Joaquim Barbosa não participaram do julgamento.

Vale citar o voto do ministro Ayres Britto, para quem “a exigência de diploma não salvaguarda a sociedade a ponto de justificar restrições à liberdade de exercício da atividade jornalística”. De acordo com ele, “quem quiser se profissionalizar como jornalista, frequentando uma universidade, cumprindo a grade curricular, ganhando os créditos, prestando exames, diplomando-se, registrando o diploma em órgão competente, quem quiser pode fazê-lo. Só tem a ganhar com isso. Porém, esses profissionais – vamos chamar assim – não açambarcam o jornalismo. Não atuam sob reserva de mercado. A atividade jornalística, implicando livre circulação das ideias, das opiniões e das informações, sobretudo, é atividade que se disponibiliza sempre e sempre para outras pessoas também vocacionadas, também detentoras de pendor individual para a escrita, para a informação, para a comunicação, para a criação. Mesmo sem diploma específico”.

A decisão do STF resultou do Recurso Extraordinário (RE) 511961 movido pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Sertesp. Ambos recorriam de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF), que defendia a exigência do diploma. Por sua vez, o TRF contrariava uma decisão da 16ª Vara Cível Federal em São Paulo, em resposta a uma ação civil pública contra a exigência.

Em abril de 2009, o Supremo revogou a Lei de Imprensa, editada pela ditatura militar em 1967. Prevaleceu a visão dos sete ministros – Ayres Britto, Cármen Lúcia, Cesar Peluzo, Eros Grau, Menezes Direito e Ricardo Lewandovski, – que votaram pela derrubada completa da Lei 5.250, sob o argumento de que ela era incompatível com a Constituição de 1988. Três ministros – Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa – votaram pela revogação parcial. Apenas o ministro Marco Aurélio votou pela manutenção da lei.

A tramitação da PEC do Diploma

PEC do diploma

* Originada no Senado em 2009 como PEC 33/09, foi aprovada pelo plenário da Casa em duas votações, em 2011 e 2012
** Na Câmara, a PEC do Senado foi fundida (apensada) a mais três proposições, passando a tramitar como PEC 206/12
***  Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição, a nova lei dispensaria sanção presidencial
>> Fontes: Congresso Nacional e Taís Gasparian

Situação atual

Desde então, os jornalistas são regidos pelos Códigos Penal e Civil. A revogação da Lei de Imprensa também extinguiu a previsão de prisão especial para jornalistas e demais expedientes ditatoriais, como a apreensão de jornais que ameaçassem “a ordem social, a moral e os bons costumes”, a censura a espetáculos e diversões públicas e a fatos considerados “segredos de Estado”. Já o direito de resposta passou a ser decidido caso a caso por juízes com base na Constituição.

Apesar de revogado pelo STF, o registro profissional continua vigorando. Desde 2009 ele é dispensado na contratação e no exercício da profissão. Mas a fim de enquadrar jornalistas profissionais em sua classificação brasileira de ocupações, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) segue conferindo o registro tanto a profissionais diplomados quanto aos sem diploma que o requeiram com base na decisão do STF. O registro de jornalista tem o código 2611 e enquadra as seguintes carreiras: assistente de editorial, colunista, colunista de jornal, correspondente de jornal, correspondente de línguas estrangeiras, cronista, diarista em jornal, diretor noticiarista, editorialista, jornalista exclusive empregador, jornalista-empregador, radiojornalista, roteirista de jornal, roteirista na imprensa. O chamado MTB também é exigido de candidatos em concursos públicos. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo (SJSP), a figura do jornalista responsável, detentor do MTB, é exigida de órgãos jornalísticos focados no público externo, sendo dispensado de publicações corporativas internas.

Em 2006, acatando o parecer do Ministério da Justiça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou integralmente o Projeto de Lei Complementar 79/04, considerando-o inconstitucional por basear-se no decreto lei de 1969 e por ampliar a exigência do diploma para todos os profissionais que trabalhassem em veículos de comunicação de caráter jornalístico, incluindo narradores, locutores, comentaristas esportivos e fotógrafos. Segundo site Conjur, com a nova regulamentação, as onze funções jornalísticas previstas no decreto-lei passariam para 23.

A posição da Fenaj

Para a Fenaj, que congrega 31 sindicatos de jornalistas, “o diploma em Jornalismo, bem ao contrário de ameaçar a liberdade de expressão, é uma das garantias que conferem à mídia brasileira qualidade e compromisso com a informação livre e plural”. Em abaixo-assinado ao Congresso, a entidade diz a PEC do diploma resgata a dignidade dos jornalistas e contribui para a garantia do jornalismo de qualidade. A Fenaj diz apostar na “independência e na vocação democrática do parlamento para reverter uma decisão nitidamente obscurantista do STF, que tem como único objetivo atingir a profissão de jornalista e a sua capacidade de expressar a liberdade de expressão prevista na Constituição Brasileira”.

Vozes críticas à exigência do diploma

>> Taís Gasparian, advogada que defendeu a inconstitucionalidade do diploma no STF – “A aprovação da PEC do diploma seria um retrocesso institucional para a liberdade de expressão no país. Reconheço a preocupação da Fenaj sobre a sindicalização de jornalistas sem diploma. A questão poderia ser resolvida através da possibilidade de que jornalistas com ou sem diploma fossem sindicalizados.”

>> Patrícia Blanco, diretora do Instituto Palavra Aberta – “A exigência do diploma é corporativista, empobrecendo o debate de temas de interesse público e a democracia. Não é verdade que o fim da exigência enfraqueceu as escolas de jornalismo, pois as empresas continuam contratando profissionais formados. Mas elas têm a liberdade de contratar profissionais de outras áreas, aumentando a diversidade de talentos nas redações.”

>> Comitê de Proteção a Jornalistas – “O CPJ acredita que jornalistas devem poder fazer seu trabalho e reportar com ou sem diploma”, diz Carlos Lauría, coordenador sênior para as Américas do CPJ. “A exigência do diploma limita a liberdade de expressão. O Sistema Americano de Direitos Humanos [OEA], mais precisamente seu tribunal, estabeleceu jurisprudência a respeito em 1985, dizendo que o licenciamento [via diploma] viola a Convenção Americana de Direitos Humanos.”

>> Beate Josephi, professora da Universidade Edith Cowan da Austrália e autora do livro Journalism Education in Countries with Limited Media Freedom – “A Espanha [exigia o diploma] no tempo da ditadura do General Franco, o que ilustra o lado negativo da regulação do acesso à profissão jornalística. Nesse caso, o currículo acadêmico pode ser influenciado para ensinar uma ideologia de apoio ao Estado. Em muitos países, inclusive Rússia e a China, hoje quase todos jornalistas têm diploma universitário, seja ou não em jornalismo. (…) Na era digital, a necessidade do diploma pode ajudar a fortalecer clamores pelo profissionalismo jornalístico. Hoje, a autoridade dos jornalistas é desafiada pela capacidade de todo mundo poder escrever para o grande público. Se os jornalistas querem distinguir-se dos demais escritores, um diploma pode ser útil. Mas isso também denota o jornalismo como uma ocupação exclusiva e elitista.”

Leia também

O intelectual, o operário, a rede e o diploma – Editorial da Revista de Jornalismo ESPM nº 13

A imprensa quer o colinho do Estado – Luciano Martins Costa

A mídia na contramão do bom jornalismo – Elstor Hanzen

Reparar o equívoco – Paulo Pimenta

Visão corporativista – Editorial de O Globo (5/6/2015)

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Angela Pimenta é mestre em jornalismo pela Columbia University. Foi editora sênior da revista Exame, em Brasília. De Nova York, colaborou com a BBC Brasil, Época e Globo News