Em vez da necessária seqüência jornalística ao que foi publicado pela revista
Época, imprimiu-se a espiral de silêncio. A repercussão sobre a suposta
influência do Opus Dei na imprensa brasileira, se entrou em alguma reunião de
pauta, não foi publicada. Os jornais mostraram até agora desprezo pelo tema.
Devem imaginar que o encadeamento feito pela revista ou não existe ou, pior
ainda, não é do interesse de leitores.
É razoável supor que o internauta comum esteja interessado em ler mais
histórias de jornais censurados, filmes proibidos, cilícios e outras
esquisitices. Por isso, parece ter aumentado o acesso ao sítio dos dissidentes
da obra, o Opus Livre. Na semana passada, chegou a
1.000 visitantes por dia. Os relatos de ex-numerários, no entanto, não têm
espaço aqui. A suposta influência da prelazia na mídia é o foco do presente
artigo.
Talvez a versão digital do Homer Simpson que navegou no Opus Livre não tenha
dado muita atenção aos comentários críticos à entrevista de Carlos Alberto Di
Franco – o ‘intocável’ na tipologia descrita por ex-numerários, muitos deles
anônimos. Tentei, via e-mail, contato para saber se pelo menos um dos
responsáveis pelas críticas poderia fornecer nome completo e autorizar a
publicação. Não obtive resposta.
Não há como comparar, técnica ou hierarquicamente, críticas que surgiram no
Opus Livre com as que faltaram na imprensa. As primeiras foram feitas por quem
diz ter sobrevivido por anos às práticas do Opus Dei: tem vivência e razões
muito particulares, que não são pequenas ou desprezíveis, mas não bastam para
que o leitor construa seu próprio repertório sobre a mídia e a obra.
Imprensa impedida
Já a imprensa poderia ter publicado repercussão em reportagens mais
aprofundadas. Com limitados recursos, notadamente os intelectuais, tentei
contribuir com o leitor deste Observatório. Fiz contato eletrônico com a
sala de imprensa do Opus Dei e com três jornalistas que participaram do curso
Master em Jornalismo, dirigido por Di Franco. As respostas que obtive estão
editadas mais abaixo.
Outra alternativa para imprensa, subindo os degraus da intelligentsia na
mídia, seria o assunto freqüentar os espaços de editoriais e as páginas de
opinião de grandes jornais. Páginas, aliás, que costumam publicar artigos
inteligentes como os do jornalista Di Franco e os do advogado Ives Gandra
Martins. Nos últimos dias, esses espaços não trouxeram, via de regra, nada que
remetesse ao Opus Dei.
Ao não repercutir o assunto, que poderia revelar alguma coisa de seus
misteriosos bastidores, ou mesmo negar a influência questionada pela revista
Época, a imprensa brasileira acusou o próprio impedimento. No futebol, o
que marca essa falta é bandeira. Ou ainda o apito, piiiiiii…
Vínculo omitido
Época jogou luz, trouxe ligação que ‘todo mundo na mídia sabe’, mas é
intrigante que o esforço de reportagem da revista tenha sido seguido de quietude
respeitosa na imprensa sapiente. Talvez seja porque manter o assunto à sombra é
uma forma de condená-lo ao ostracismo. Essa praxe, a solene ignorância, também
foi observada em outros espaços.
No sítio oficial do Opus Dei no Brasil, não
há menção à matéria da revista. Nada se vê nos ícones reportagem, notícias e na
imprensa. Não há nota, sequer comentário. A semelhança com a omissão que se viu
nos principais veículos de imprensa do país (cerca de 50 deles são ‘empresas
participantes’ do Master em Jornalismo) é mera coincidência? É uma pergunta, não
uma ironia.
O Master em Jornalismo também tem
um sítio na internet, onde não há menção à matéria da Época. Não há nessa
página sequer referência à capelania confiada ao Opus Dei, ou outro destaque de
vínculo com a prelazia. Os jornalistas interessados no curso com cinco semanas
de aula, que este ano custará 18 mil reais, tecnicamente falando devem ter
interesse em ler algo além do que saiu na revista. Talvez seja este um bom
questionamento para a vigilância ética e para a busca de excelência dos
responsáveis por aquele espaço virtual – ou para a próxima turma.
Contatos via e-mail
No dia 24 de janeiro, encaminhei via e-mail pedidos de informação e de
entrevista à sala de imprensa do Opus Dei e aos jornalistas Luciano, Ramon e
Rosane, que freqüentaram as aulas do Master em Jornalismo em anos distintos.
Entrevistas por e-mail são muito ruins, piores que as feitas por telefone. Essa
é outra grande limitação para minha contribuição.
Duas respostas positivas vieram no mesmo dia do meu pedido. A primeira foi de
Rosane Oliveira, editora de política do jornal Zero Hora e responsável
pela ‘Página 10’, uma das mais influentes colunas de opinião da imprensa gaúcha.
Ela participou do curso em 1999. Antecipou-me que sua experiência no curso foi
‘maravilhosa’. Disse ainda que havia sido selecionada pela RBS e que a empresa
custeou suas despesas para o curso.
Rosane me perguntou se eu preferiria fazer a entrevista pessoalmente, por
telefone ou por e-mail. Residimos na mesma Porto Alegre. Respondi que minha
opção era por contato pessoal – o único que eu teria, aliás. Não houve retorno.
Encaminhei nova mensagem, explicitando mais uma vez meu interesse. Novamente,
não houve retorno. Fiquei sem saber o que a demoveu de sua pronta decisão em
conceder a entrevista.
A outra resposta recebida no dia 24 foi de Luciano Martins Costa,
participante da segunda edição do curso, em 1998. Ele teve as despesas do
Master, estimadas em 5 mil dólares, custeadas pelo Estado de S.Paulo.
Graduado pela Fundação Armando Álvares Penteado, começou na profissão como
rádio-escuta e trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, Veja e
Estadão, inclusive ocupando chefias importantes. Já foi diretor de
empresa que oferece educação para executivos e respondeu pela comunicação da
Tupi Fundições. Hoje, é publisher da revista Adiante, da Fundação
Getúlio Vargas, em São Paulo, e escreve regularmente neste
Observatório.
Constante omissão
Já Ramon Monteagudo, masteriano em 2003, graduou-se na PUC de São Paulo. Ele
mesmo custeou o Master, em ‘suaves prestações’ que totalizaram 11 mil reais.
Ramon foi diretor da Rádio CBN em Mato Grosso. Nós nos conhecemos na redação na
Folha do Estado, em Cuiabá, nos idos de 1996, onde ele era editor de
política. Mais tarde, transferiu-se para a Secretaria de Imprensa da Assembléia
Legislativa de Mato Grosso e hoje é diretor da Oficina do Texto, com serviços de
marketing e assessoria de imprensa.
O último retorno aconteceu no dia 28, uma sexta-feira, data-limite para
artigos de colaboradores eventuais deste Observatório, mas ainda foi
possível acolher a resposta. Foi assinado por João Gustavo Racca, do Escritório
de Imprensa do Opus Dei no Brasil. Há um professor do Master em Jornalismo,
supernumerário da prelazia, que tem o mesmo sobrenome, Racca, mas não sei se
ambos guardam parentesco. João Gustavo também é um tipo descrito pelos
ex-numerários do Opus Livre. Foi muito cordial em suas considerações.
Em bloco, encaminhei aos ex-alunos do Master questionário com cerca de 20
perguntas, muitas delas iguais. Todas foram respondidas e não houve réplicas de
minha parte. As mais importantes dizem respeito às suas experiências, ao
conteúdo das aulas, às eventuais influências da prelazia no curso e à constante
omissão do nome do Opus Dei, por mim registrada, em obras corporativas – ou em
textos assinados, como registrou a revista Época.
Ramon tomou conhecimento do curso por um amigo e seguiu a recomendação
recebida. Já Luciano chegou ao Master por convite. Desde 1992, ele estudava a
gestão de empresas de comunicação e decidiu fazer o curso porque julga que
‘editores devem saber como funcionam as empresas jornalísticas. Além disso,
sempre me interessei por estratégias’.
‘Nem sei o que é isso’
As aulas de gestão editorial incluíram questões como o planejamento de
coberturas. Em ética, estudou-se, por exemplo, casos de abuso, como a Escola
Base e a responsabilidade social do jornalista. Houve muita leitura, noções de
Direito, Filosofia e Estatística.
Ambos destacaram os diversos debates em salas de aula, às vezes com
convidados, e as trocas de experiências entre os masterianos. Ramon e Luciano
mencionam as presenças de Elio Gaspari, Boris Casoy, Augusto Nunes, Nizan
Guanaes, Otavio Frias Filho, entre outros.
Luciano sabia da ligação do curso com o Opus Dei até porque conhecia o
diretor antes de chegar ao Master. Segundo ele, desde o primeiro momento, foi
informada a ligação com a Universidade de Navarra e o fato de muitos professores
serem da prelazia. Ramon não sabia da ligação antecipadamente. Descobriu durante
o curso. ‘Outro masteriano me comentou’, assinala. Ambos acreditam que o vínculo
não tem qualquer influência no conteúdo das aulas.
Os comentários feitos pelo Opus Livre – de que primeiro a prelazia mostra-se
simpática, demonstra profissionalismo, oferece assistência espiritual e, aos
poucos, vai promovendo influências em suas crenças – é descartada taxativamente
pelos ex-alunos. Ramon e Luciano não leram, tampouco assinaram, obras do Círculo
de Leitura, da editora Quadrante. ‘Nem sei o que é isso’, garante
Luciano.
Guardiã da pluralidade
Não há carolices no curso. ‘Não houve tentativa de misturar as bolas’, afirma
Ramon, que por isso dispensa a necessidade de se explicitar o vínculo entre a
prelazia e o curso no sítio do Master. Ramon não leu a crítica de Di Franco ao
livro O Código da Vinci. Luciano acha o livro uma ‘ficção ruim’. Embora
discorde das opiniões publicadas, Luciano considerou a entrevista de Di Franco à
Época ‘aberta, corajosa e transparente’.
Temas onde religião e política costumam se encontrar, como laicismo, jamais
foram ouvidos durante as aulas. Ramon e Luciano também nada ouviram sobre
Teologia da Libertação, MST ou reforma agrária – assuntos ligados à esquerda
católica. Para Ramon, o Master em Jornalismo não é uma estratégia do Opus Dei
para influenciar a mídia brasileira. ‘Absolutamente não’, escreve. Nesse
aspecto, os masterianos guardam divergência.
‘É razoável admitir que uma organização religiosa ou política tente sempre
arregimentar jornalistas e outros formadores de opinião’, escreve Luciano, que
refuta a insinuação de lavagem cerebral. Para ele, todas as atividades do Opus
Dei visam o poder. ‘É legítimo que qualquer grupo político, social, econômico ou
religioso tente ampliar e consolidar sua influência na sociedade. A pluralidade
deve defender a si mesma e a imprensa deve ser guardiã da pluralidade’.
Resposta do Opus Dei
Encaminhei à prelazia questionamento sobre a avaliação da matéria da revista
Época e se havia, enfim, algum vínculo entre o Master em Jornalismo e o
Opus Dei. José Gustavo Racca respondeu que ao longo dos anos a imprensa tem
informado ampla e corretamente sobre o Opus Dei. ‘Há, infelizmente, uma
inequívoca campanha de difamação promovida por reduzido número de ex-integrantes
do Opus Dei. Aos veículos que repercutiram essa campanha, faltou, parece-nos,
maior acuidade para contrastar a informação.’
José Gustavo afirma ainda que o Master em Jornalismo é um programa de
capacitação profissional. ‘Os critérios são, portanto, técnicos e
profissionais’. Ele frisa haver trabalho de capelania e assistência espiritual
‘para quem se interessar’. Os alunos do Master – e os demais do Centro de
Extensão Universitária – praticam as mais diversas religiões. (Nota do autor:
Ramon e Luciano não são católicos).
‘O Centro de Extensão Universitária, procurando cuidar não apenas da
qualidade científica e acadêmica das suas atividades, desenvolve estudos de
aprofundamento nos aspectos éticos das diversas disciplinas’, acrescenta Racca.
Em nenhum momento, na resposta, afirma-se que o curso Master em Jornalismo, do
Centro de Extensão Universitária, é obra corporativa do Opus Dei.
Observação: A
jornalista Rosane de Oliveira encaminhou correspondência eletrônica ao autor, na
noite do dia 29, pedindo desculpas por ter esquecido da entrevista.
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Jornalista