Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A tecnorrevolução ao vivo

Alguma coisa mudou. Se de um lado, a revolução egípcia contra Hosni Mubarak pode ser comparada com o levante da comuna de Paris de 1871, dela participam componentes tecnológicos inexistentes naquela época.

Parodiando-se o canadense Marshall McLuhan, a revolução vem pelos novos meios de transmissão da mensagem. A ruptura com o Egito arcaico não foi possível com as rezas dos fundamentalistas da Irmandade Muçulmana, nem com a ideologia dos esquerdistas egípcios, mas pela mobilização permitida pelo Twitter nos celulares e pelos grupos sociais do Facebook.

E, elemento importante, o fato de um terço da população ser constituída de jovens. Não se pode negar: essa revolução foi deflagrada por jovens estimulados pelo conhecimento da existência da democracia, jovens da classe média na maioria universitários, utilizadores dos novos meios de comunicação.

Eles próprios estão surpresos, pois materializaram uma mobilização virtual digitalizada no mundo eletrônico nas praças, ruas e cidades egípcias e estão em vias de mudar o quadro político do país.

Big Brother

O trailer dessa revolução tecnopolítica ocorreu, mas sem sucesso, no Irã. O Partido Verde se apropriou das ruas e os celulares serviam de coesão entre os manifestantes, transmitindo ao vivo os momentos fortes da rebelião, como as cenas de uma jovem abatida a tiros, com seus últimos minutos de vida presentes em milhares de celulares ao vivo e depois em imagens post-mortem.

No Irã, essa tecnorrevolução não deu certo, pela rapidez da repressão, mas na Tunísia e no Egito não era possível a utilização do mesmo método. As câmeras de televisão transmitindo ao vivo para todo mundo eram não só as testemunhas como a garantia de que não haveria banho de sangue.

Se os estudantes chineses da praça Tianemen já dispusessem dos meios sofisticados da tecnologia de hoje, não teria havido o ataque dos tanques, pois teriam sido avisados a tempo e as imagens por celulares poderiam provocar um impacto mundial.

Evidentemente, Tunísia e Egito reúnem os fatores necessários à eclosão da revolução – miséria, desemprego, falta total de perspectiva para a juventude, regime autoritário –, porém neles não havia o apoio ideológico aglutinador. A união se fez em torno da rejeição da situação atual, mas sem um projeto imediato para o futuro, donde a visível dificuldade para se assegurar este momento de transição e a total impossibilidade de se prever os próximos seis meses e os resultados de esperadas eleições livres.

A conjugação das novas tecnologias desde o celular, laptop aos satélites permitiu mostrar na Tunísia, e está mostrando no Egito, uma revolução ao vivo, como se num amplo espaço fechado se tivesse reunido um povo para viver diante do mundo um imenso espetáculo Big Brother da revolta com seus mortos e feridos de verdade. Haverá relação da revolução ao vivo com a psicologia dos participantes dos reality shows, desejosos de ter na tela seus quinze minutos de exibição? Não se pode deixar de pensar no filme The Truman Show.

Mecanismos de controle

Pouco importam as respostas que se possam apresentar, o certo é que os jovens detonaram a revolução, logo apropriada pelos satélites, mídia, televisões, mas com um único objetivo, na falta de um programa tecnopolítico – ter liberdade. Talvez a garantia contra a transformação do movimento numa ditadura teocrática, como ocorreu no Irã, quando a queda do Xá Reza Pahlevi foi rapidamente assumida pelos aiatolás e imãs.

O mundo globalizado de amanhã terá provavelmente uma tecnodemocracia, calcada em preceitos tecnocientíficos, lançados por satélites. Mas embora agora sopre o vento da vontade de liberdade que irá, com certeza, revolucionar as dunas das ditaduras árabes de areia, em busca de um mundo novo, regido mais pela tecnologia que pela política, um pesadelo nos espera na esquina.

Todos os visionários da ficção científica nos fazem tremer com a profecia de um mundo totalmente controlado. As tecnologias de hoje que derrubam ditadores serão aperfeiçoadas e transformadas nos meios de controle dos indivíduos e das sociedades, sem espaços vazios de liberdade. Os religiosos chamam isso dos perfeitos reinos de deus ou de alá, onde todos serão felizes.

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Jornalista, escritor, Genebra (Suíça)