A instalação da CPI e seus desdobramentos confirmam os temores de que a Câmara dos Deputados não conseguirá aprovar em tempo hábil o decreto legislativo que estabelece o referendo sobre armas, em princípio marcado para outubro próximo.
O Tribunal Superior Eleitoral havia estabelecido o prazo fatal de 31 de maio, mas admitia que um ligeiro atraso não faria diferença. Maio acabou e no horizonte político deste início de junho não se percebem brechas para incluir o referendo na pauta da Câmara. A Justiça Eleitoral não pode fazer cobranças ao Legislativo, o Legislativo está siderado pela CPI e a mídia, que tem mandato para pressionar os deputados, quer apenas fazer barulho com a CPI.
Prova da dedicação quase que exclusiva dos representantes do povo aos embates partidários foi a ausência do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), na última edição do Observatório da Imprensa na TV (Rede Pública de Televisão, 24/5). Na condição de relator do decreto legislativo sobre o referendo, o deputado foi o primeiro a ser convidado porque antes de se entrar no mérito da questão do comércio, posse e porte de armas é indispensável criar um sentido de urgência na sociedade para encarar o problema da segurança. Sem este sentido de urgência o debate fica restrito, desaparece.
Problemas de áudio
João Paulo Cunha aceitou entusiasmado. Pouco antes do início da edição, a produção foi avisada por um assessor de que o deputado lamentava, mas não poderia comparecer aos estúdios em Brasília porque participava de um reunião da bancada do PT, convocada para discutir a estratégia do partido diante da iminência da aprovação da CPI. Recorreu-se ao deputado Raul Jungmann (PPS-PE) que sendo a favor do desarmamento faria uma excelente dupla com a sua colega Denise Frossard, do mesmo partido, porém favorável ao armamento. Ficaria evidente que a questão transcende às divisões partidárias ou mesmo ideológicas. Jungmann aceitou, embora a sua participação devesse efetuar-se pela via telefônica (encontrava-se no Recife).
O time de deputados seria completado por duas ONGs, uma engajada no desarmamento (Viva Rio, representado por um de seus diretores, o cientista político Antônio Rangel Bandeira) e o Movimento Viva Brasil (representado por seu fundador e presidente, o advogado Benê Barbosa), que defende o direito à posse de armas.
O programa transcorria normalmente com a participação de todos os convidados quando, no terço final, começaram a se fazer sentir os efeitos da chuva torrencial que desabou sobre São Paulo naquela noite (uma das maiores precipitações dos últimos 23 anos, segundo os jornais).
Detectou-se um problema de áudio no caminho entre a Embratel SP e a Embratel RJ que prejudicava diretamente a participação de Benê Barbosa (que se encontrava nos estúdios da TV Cultura, enquanto os demais convidados encontravam-se no Rio e Brasília): um chiado superior ao nível da sua voz tornava impossível a sua audição e compreensão pelo telespectador. Tentou-se o recurso de transmitir sua voz por uma canal separado, telefônico. Com o programa no ar foi impossível operacionalizá-lo.
Tempo desperdiçado
Este circunstanciado relatório tem a ver com a extemporânea, leviana e irresponsável reação dos militantes do Movimento Viva Brasil que, no dia seguinte, à mesma hora, com os mesmos termos e evidentemente obedecendo ao mesmo comando iniciaram um bombardeio de ofensas via e-email, denunciando uma suposta ‘censura’ do seu líder por parte deste Observador.
O mais curioso é que esses bravos militantes desconsideraram completamente a manifestação da deputada Denise Frossard em favor da posse de armas. Para eles, a tese do armamento só vale quando enunciada com a retórica estreita e simplista do seu grupo.
A participação da deputada Frossard foi brilhante, primeiro porque é uma figura nacionalmente respeitada mas, principalmente, porque soube dirigir-se à inteligência do telespectador e não aos seus instintos. Mesmo sozinha – e ela não estava sozinha – teria condições de atrair para as suas posições parcelas ponderáveis da sociedade.
Denise Frossard e Rangel Bandeira falaram o mesmo número de vezes, assim como o deputado Jungmann e o advogado Barbosa. Se houvesse intenção de manipular o programa não se convidaria a deputada Frossard e muito menos Benê Barbosa. Este senhor teve os seus 15 minutos de fama e os desperdiçou mesmo que sua participação final não fosse prejudicada pelos problemas técnicos.
Tiros torpes
A verdade é que a turma do gatilho não está interessada em investigar o que aconteceu na cidade nem se deu ao trabalho de conhecer a extensão dos estragos causados pela chuva nas vizinhanças da Marginal Tietê, onde se localizam os estúdios da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo.
A turma do gatilho não quer saber que a água invadiu alguns estúdios e também o prédio das rádios. A turma do gatilho não quer saber que as comunicações telefônicas ficaram prejudicadas ao longo do dia seguinte, e que a edição radiofônica deste Observatório não foi ao ar na manhã da quarta-feira pelos mesmos motivos.
A turma do gatilho não tem compromisso com a busca da verdade.
A turma do gatilho não está interessada em utilizar o seu poder de fogo (literalmente) para pressionar os deputados a aprovar imediatamente o referendo.
A turma do gatilho só quer atacar, acusar, ofender, desqualificar, ferir, incendiar. Só assim consegue aparecer.
A turma do gatilho está ansiosa por apertar o gatilho. Como não pode fuzilar São Pedro pelo dilúvio que inundou a cidade preferiu fuzilar este Observador com suas torpezas.