‘Agir é descrer. Pensar é errar. Só sentir é crença e verdade. Nada existe fora das nossas sensações. Por isso agir é trair o nosso pensamento.’ (Fernando Pessoa)
O retorno às abstrações como falha na forma de pensar, por um lado preocupa, mas por outro deixa claro o direito de não termos nada a dizer. Direito esse sucumbido, segundo Gilles Deleuze, pelos meios de comunicação de massa ‘transbordando-nos de palavras inúteis e de uma quantidade demente de falas e imagens’. Vou além: as relações de troca submetidas a esse condicionamento repetitivo nos afogam em tolices, construindo falsas sensações de reconhecimento quase que absoluto.
O que agrava ainda mais o plano é a busca por um equilíbrio sustentado em sua maioria pelo afastamento ou solução de nossos fracassos – através da análise – como se o caos não fosse alicerce para a construção definitiva e substancial de qualquer idéia criativa. ‘A besteira nunca é muda nem cega.’ E essa nuvem não é passageira.
O reconstrutor de narrativas – como disse Deleuze – deve ser criativo, nunca reflexivo – ‘distinguir a percepção, a afecção e a ação como três espécies do movimento’. Tá aí: o movimento é a base para o entendimento discursivo. É preciso encarar ‘em vez de fingir ignorar os movimentos reais para fazer deles objetos de negociações, se vai reconhecer de imediato o ponto último e a negociação se fará da perspectiva desse ponto último admitido de antemão’. Ao apontar essa lacuna, Deleuze revela o quanto anestesiados estamos diante de nossas falhas de performances, antes resolvidas e sustentadas pela percepção, hoje emolduradas por algum psicólogo. ‘Não existe verdade que não `falseie´ idéias preestabelecidas.’
Um movimento estratégico
Ora, como resgatar a subjetividade de um mundo controlado pelo óbvio? ‘O que é preciso é pegar alguém que esteja ‘fabulando’, em flagrante delito de fabular. Então se forma, a dois ou em vários, um discurso de minoria’. É preciso forjar o desgarro da terra, dos comuns, se transformar em pó, estabelecer não-metas, se tornar minoria para alcançar o não-óbvio. O cotidiano novo violenta a personalidade imprimindo sempre vez mais um universo de crueldade manifestado pelo infantilismo. Como um dia escreveu Lindon, ‘não se nota a ausência de um desconhecido’. É a crise dos que não são notados, mas aparecem – o caos sem mudança – que toma conta de espaços construídos e abraça a literatura, braço direito do inconformismo, afetada pela audácia de poucos que acham muito, perplexa por um novo sentido falsamente resolvido do ponto de vista das drogas (íntimas ou não) que paralisam e escondem o medo. É preciso seguir!
As várias câmeras de (in)segurança e para a segurança, os programas de televisão que determinam o sujeito exposto, os celulares capazes de filmar ou fotografar a qualquer hora e lugar, o culto à celebridade instantânea muitas vezes com pouco talento e que tem como único mérito estar lá, aparecer; tudo parte de um composto contemporâneo que reduz a vida pública à medida que esvazia a possibilidade de controle sobre o anonimato. Um movimento estratégico. É preciso pensar!
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Jornalista