Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A verdadeira pirataria

Quando se fala em pirataria diz-se sempre que prejudica os artistas. Sim, prejudica. Eles deixam de receber os 2% a que têm direito sobre a venda dos discos. Mas o que também contribui para a pirataria? Para responder a esta pergunta, gostaria de resgatar coisas que muita gente não sabe que acontece. E os que sabem não tocam muito no assunto.

Existem cinco ou seis grandes empresas gravadoras de discos que comandam o mercado fonográfico brasileiro. E nenhuma delas é nacional. Todos que ouvem rádio sabem que a programação não varia muito. São sempre os mesmos ‘sucessos’ das mesmas bandas tocados incansavelmente em várias estações.

O que faz este fenômeno acontecer? O gosto do público? Não. As grandes gravadoras, não satisfeitas em monopolizar cada vez mais o mercado da música – veja-se o exemplo da fusão da Sony com a BMG, um caso claro de monopólio –, compram também programas e programadores de rádio, que teriam o dever de apresentar ao ouvinte tudo quanto é música: tanto as que vêm das gravadoras quanto a de artistas independentes. Não é o que acontece: 99% da programação das grandes rádios, como Transamérica, Jovem Pan, Cidade etc., apresentam somente artistas destas gravadoras. É como se não existissem os independentes. Não tocam no rádio, apesar de terem este direito.

Os ouvintes querem comprar os discos dos artistas que ouvem no rádio, mas como é caro (em média, 30 reais num disco nacional e 50 reais num internacional) preferem comprar no camelô. Prejudica o artista? Sim. Mas somente os artistas que estão ou ‘na moda’, os que tocam nas rádios ou que vendem milhões de discos e que, conseqüentemente, têm gravadora. Estas pagaram às rádios para veicular a música.

Discussão aberta

Então, torna-se um círculo vicioso: o camelô vende os artistas que estão nas rádios, cuja gravadora, por sua vez, pagaram para aparecer na programação. Mas o verdadeiro erro, o que realmente prejudica o artista, e quando digo artista digo todos eles, não somente os que estão nas gravadoras e aparecem na TV, não é a pirataria. Isso é pouco se comparado ao prejuízo causado pelo jabá pago aos programadores. O resultado é o controle da música por poucas e gigantescas empresas que mandam e desmandam na cultura brasileira, que fazem e desfazem modas e congelam artistas em sua ‘geladeira’, tirando sua liberdade de criação quando não fazem o que a empresa quer ou se não seguem o modismo.

Por mais que isso seja uma verdade antiga – e também contra a lei –, ninguém toca neste assunto, há muito velado e tratado como mal menor, que supostamente faz menos mal a artistas e músicos que a pirataria. Não faz. O mal é bem maior, já que um gera o outro. Se você é um artista que não vende milhões de discos e não aparece na TV, dificilmente você estará no meio de Ivetes Sangalos e Zezés & Lucianos.

Ou fazemos algo para acabar com isso, discutindo abertamente, ou vamos continuar prendendo camelôs por mais 20 anos e falando da pirataria como se fosse um fenômeno sozinho, sem ligação com o monopólio das gravadoras que permeiam a liberdade de criação e veiculação. De que lado você está? Das gravadoras ou, realmente, dos artistas?

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Músico, Niterói, RJ