A ministra Marta Suplicy deve estar orgulhosa. A imprensa descobriu o ‘lado bom’ do aumento de tributos anunciado pelo governo federal no dia 2 de janeiro: encarecendo o financiamento ao consumo, o IOF mais alto poderá ajudar no combate à inflação. Pode-se, portanto, relaxar e até desfrutar como algo prazeroso o novo achaque tributário. Mas convém fazê-lo sem perder a compostura e, sobretudo, sem desligar o desconfiômetro.
Três dos jornais mais importantes do Rio de Janeiro e de São Paulo – Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo – destacaram, no domingo (6/1), o possível efeito antiinflacionário do novo pacote. As três abordagens foram diferentes.
O Globo deu na primeira página uma chamada de uma coluna e abriu o caderno de Economia com análises de economistas do setor privado e da universidade. As opiniões variam, mas, de modo geral, os especialistas admitem uma restrição da demanda, seja por efeito da contenção de gastos, seja em conseqüência dos novos aumentos de tributos, seja pela combinação dos dois fatores. Ninguém atribui ao governo uma combinação planejada de arranjo fiscal de emergência e prevenção da inflação.
O Estado tratou do assunto em manchete, como tema principal do dia, e apontou a contenção do consumo como um dos objetivos do aumento do IOF. Segundo a reportagem publicada no caderno de Economia, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, apresentou esse argumento ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião da quarta-feira (1/1), presumivelmente para defender a proposta de elevação do imposto. Antes do encontro com Lula, a idéia, de acordo com o relato, foi apresentada ao presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, e este ‘concordou’. O possível efeito antiinflacionário do pacote corresponde, portanto, à ‘visão do Ministério da Fazenda’.
A Folha contou uma história um pouco diferente, na página 3 do caderno Dinheiro. De acordo com essa versão, o presidente do BC foi quem explicou ao presidente Lula o possível efeito benigno das medidas tomadas para compensar parcialmente a perda da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. ‘Segundo Meirelles, sem as medidas a política monetária teria de ser mais conservadora’, contou a reportagem da Folha. Explicação acrescentada pelos autores da matéria: sem aqueles aumentos de tributos, seria maior a possibilidade de elevação da taxa básica de juros, a Selic, hoje em 11,25% ao ano.
Apresentação desastrada
Não há dados suficientes para se escolher com segurança uma dessas versões. Cada leitor tem de eleger, pelo menos provisoriamente, a mais plausível. Terá partido de Mantega ou de Meirelles o argumento sobre o aspecto ‘benigno’ do aumento do IOF? O presidente do BC e seus companheiros vinham mostrando preocupação com a demanda em alta e chamaram a atenção para riscos mais acentuados em 2008. O ministro da Fazenda, até agora, não havia manifestado o mínimo interesse e ficou longe do assunto na desastrada apresentação do pacote. Mas no íntimo, quem sabe, etc. etc.
Em segundo lugar, é bom não perder um certo distanciamento. Qual foi o objetivo principal dos ministros da Fazenda e do Planejamento quando resolveram elevar o IOF e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)? A resposta parece inequívoca e foi dada por eles mesmos: conseguir cerca de 10 bilhões de reais para compensar parcialmente a perda da CPMF. O resto da argumentação veio depois, embora vários analistas já houvessem notado o possível efeito de restrição ao consumo. O material dos jornais, no domingo (6), apenas acrescentou um ângulo mais favorável à análise do assunto. Gente do governo, segundo o noticiário dos dois dias anteriores, havia reconhecido como desastrosa a apresentação das medidas na entrevista coletiva de quarta-feira (2).
Controle fiscal
Em terceiro lugar, o Executivo não mostrou grande interesse na contenção da demanda, quando se apressou, no fim do ano, a tomar providências para garantir certos aumentos de despesas em 2008. Uma delas foi adiar por decreto, até 1º de julho, as limitações a transferências federais a estados, municípios e ONGs. A outra foi a inclusão de jovens de 16 e 17 anos entre os beneficiários da Bolsa Família.
Em quarto lugar, permanece a dúvida sobre a legalidade de alguns itens do pacote – como o aumento do IOF para compensar parte da arrecadação perdida com o fim da CPMF. Pela Constituição, o IOF é um tributo regulador e não arrecadador. Este e outros pontos, como o uso da Lei Complementar 105 para estender o controle fiscal até as pequenas contas correntes e de poupança (com movimentação mensal de 5 mil reais, no caso das pessoas físicas), ainda poderão render bons debates e bons processos no Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem econômica vai ter de afiar o juridiquês.
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Jornalista