Os jornais desta sexta-feira (12/7) destacam o fracasso das centrais sindicais em promover manifestações massivas nas grandes cidades do País. Como se afirmou neste espaço, o “dia nacional de luta” dos sindicalistas não teve a menor importância: nem mesmo conseguiu, por exemplo, piorar o trânsito de São Paulo.
Os jornais paulistas destacam a “baixa adesão” e o Globo reflete os confrontos promovidos no Rio de Janeiro por manifestantes que atacaram o Palácio Guanabara. No mais, foi, como se disse neste Observatório, “muito barulho por nada”.
A tentativa das organizações sindicais de aproveitar a oportunidade criada pelos protestos de junho para levar às ruas suas reivindicações fracassou porque elas representam aspectos de uma modernidade envelhecida, que já não representa a verdade das relações sociais. Presas na armadilha burocrática do oficialismo, elas são parte de um contexto que rapidamente vai passando para os arquivos da História, enquanto novas realidades vão se configurando.
A imprensa registra factualmente esse desmanche, mas ainda não assumiu o fato de que também ela, a mídia tradicional, faz parte do conjunto de instituições que se diluem no processo inexorável da mudança, cuja expressão mais evidente tem sido a sucessão de manifestações aparentemente caóticas que eclodem por várias partes do mundo.
No Brasil, esse fenômeno coloca, curiosamente, no mesmo lado, a imprensa conservadora e alguns pensadores que arejaram o ambiente intelectual no século 20. Então, nos deparamos com o fato de que os campos tradicionalmente definidos como de esquerda e direita decifram com facilidade as palavras de ordem dos carros de som dos sindicalistas, mas não conseguem compreender a profundidade da proposta das massas difusas que foram levadas às ruas pelo Movimento Passe Livre.
Tanto nas redes sociais como nos auditórios das universidades, ecoam palavras espantadas das mentes que não conseguem transitar da velha ordem para o ambiente caórdico da transição. [Neste mesmo Observatório, a escritora e jornalista Elizabeth Lorenzotti nos oferece um panorama desse desencontro entre a teoria e a realidade: intelectuais consistentes como Marilena Chauí e Francisco de Oliveira têm dificuldades para compreender a sociedade das redes digitais. Ver aqui]
Transitar é preciso
A dificuldade em interpretar ou compreender o peso histórico das grandes mobilizações de junho se prende ao fato de que elas demandam uma nova institucionalidade democrática que não cabe nos cânones clássicos que compuseram o embate dialético do século passado. Essa nova institucionalidade tem uma natureza ainda fluida e precisa encontrar o recipiente adequado.
Na última quarta-feira, 10, a Comissão Especial de Aprimoramento das Instituições Brasileiras, formada na Câmara dos Deputados, abriu suas portas para representantes do Movimento Passe Livre, epicentro dos protestos que sacudiram a sociedade nas últimas semanas. A mensagem que os parlamentares e seus convidados ouviram era simples e clara: os jovens que saíram às ruas em junho querem transporte público, gratuito e de qualidade.
Simples assim: eles sabem que o direito fundamental de ir e vir é o eixo de todas as demandas por direitos civis. Sem transporte, ou com transporte restrito e de alto custo, eles ficam condenados à exclusão cultural, apartados da diversidade criativa das grandes cidades, e também têm limitadas suas possibilidades de deslocamento em busca de melhores empregos, de boas oportunidades de educação, dos recursos da saúde e do lazer.
Essa simplicidade reveladora não cabe no kanon das sofisticadas elaborações teóricas de Chauí e Oliveira nem na rusticidade da narrativa jornalística tradicional. A mobilidade urbana é o direito essencial da democracia contemporânea e também a representação de uma possibilidade inesperada: a de uma “tecnologia da libertação” capaz de transferir, ainda que precariamente, o controle dos meios de produção da comunicação a milhões de usuários – ao portar um aparelho móvel que o conecta com o mundo exterior, o indivíduo se torna, ao mesmo tempo e de maneira intermitente, consumidor, produtor e produto da cultura.
Anarquistas futuristas e o mais límbico dos reacionários podem se manifestar nas redes digitais, onde também se organiza a diversidade que leva às ruas as massas conscientes do valor de suas reivindicações. A passeata é a expressão física da mobilidade na comunicação digital. Sem transporte, os indivíduos são móveis apenas no mundo virtual. Sem mobilidade física, milhões de jovens brasileiros são condenados aos guetos onde precisam resistir à tirania do crime organizado e da polícia arbitrária, onde as velhas institucionalidades querem mantê-los confinados.
A democracia precisa chegar ao ponto de ônibus e à estação do trem.