A aprovação pelo Supremo Tribunal Federal do sistema de cotas raciais adotado na Universidade de Brasília foi devidamente festejada e manchetada pela imprensa. A unanimidade da corte acrescentou uma forte dose de exaltação. Compreensível: a decisão contém uma fortíssima carga simbólica, uma das muitas dívidas que a sociedade brasileira ainda tem com os descendentes dos escravos.
Como sempre a celebração jornalística concentrou-se na valorização do fato, no placar. Claudicou na contextualização, nos desdobramentos. Mais uma vez percebe-se a inapetência dos porteiros das redações para ir além da notícia pura e simples. Parece que todos estão se exercitando para o jornalismo smartphone – aliás, nada smart; ao contrário, absolutamente linear e breve.
Mesmo no plano da festa faltou lembrar que naquele exato momento a Suprema Corte dos Estados Unidos está se encaminhando no sentido contrário: ao invés de incluir, exclui, restringe, separa, limita. As discussões preliminares sobre o caso “Arizona versus Estados Unidos” estão indicando que o estatuto policialesco adotado pelo estado do Arizona contra os “sem papeis” (imigrantes ilegais, majoritariamente latinos) está se impondo às políticas federais do presidente Barack Obama.
Mais uma vez a estupidez paroquial confronta o senso de justiça do poder central como já aconteceu com os estados confederados do sul (Guerra de Secessão, 1861-1865) e no Arkansas (1958), quando recusou a política de direitos civis adotada pela União.
Atributo complexo
Fatos ganham dimensão quando são comparados. O cotejamento entre o nosso STF e a Suprema Corte dos EUA, pelo menos em matéria humanitária, daria mais justificativas e maior densidade à nossa festa. Uma panorâmica sobre a avassaladora onda de xenofobia que toma conta da Europa (e não apenas da França, antiga matriz do igualitarismo e da fraternidade) daria ao cidadão brasileiro (e aos magistrados que o representam na mais alta corte) uma sensação de identidade e comunidade que nenhuma estatística ou ranking seriam capazes de oferecer.
Este seria exemplo de um jornalismo humanista que já despontou isoladamente em alguns momentos da nossa história recente, mas que está sendo ostensiva e solenemente descartado pelos cultores do “manda brasa”, a chamada “revolução digital”.
O processo econômico da globalização impõe novos paradigmas informativos. O que acontece no bairro não pode ser separado do que acontece na esquina, e vice-versa. Relevância hoje é um atributo mais complexo – para percebê-la, aquilatá-la, é preciso um tipo de conhecimento que transcende à leitura da pauta e do manual de redação.
Opções informativas
Faltou dimensão no plano externo e também interno. A constitucionalidade do sistema de quotas raciais adotada pela UnB exigiria uma avaliação complementar e simultânea do sistema de quotas sociais adotado em universidades estaduais, especialmente paulistas. O objetivo de ambos é o mesmo, mas o encaminhamento é distinto. Não se trata de estimular a competitividade do tipo Fla-Flu, mas de oferecer ao leitor, ouvinte e telespectador opções informativas, dados adicionais.
A festa das cotas seria ainda maior se prevalecesse a grafia diferenciada: quotas.
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Cotas, Arizona, Guernica – A.D.