Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa, a Justiça e os nossos Severinos

Sabemos que as universidades no país, por melhor que sejam, não ensinam muita coisa. Como formas de aprimoramento, criaram um complemento, que vem com o nome de ‘estágio’ – e que muitas vezes nem remunerado é. Afinal, o sujeito – ignorante por princípio – deveria beijar as mãos dos profissionais que desfilam sabedorias e macetes de redação aos seus ouvidos e mentes tão carente de conhecimento e experiência.

Alguns saem desse período probatório e de limbo profissional com algum conhecimento e até algum senso de dignidade profissional e vão em frente. Outros aprendem só o beija-mão e esmeram-se no tema, chegando até as partes mais íntimas de seus superiores, pois um profissional desta estirpe possui muitos superiores.

Existem, no entanto, aqueles que, com razão, merecem a devida reverência. Os que tombaram pela repressão militar, outros que no exercício da profissão foram mortos e alguns que não se deixam calar.

Acredito que muitos deles, se predizer o futuro pudessem, o teriam escrito da mesma forma, talvez com letras mais redondas, dada a tranqüilidade com que determinadas pessoas lidam com o inevitável.

Mercadoria ou bem social?

São homens (e mulheres) imprescindíveis à humanidade. Eles nos levam, muitas vezes, por caminhos tortuosos, nos fazem refletir sobre nossos conceitos e valores. Todos eles têm em comum a coerência de suas ambições. Honram a profissão e dignificam a espécie humana, por mais perversa que ela possa nos parecer.

Por outro lado existem aqueles que nos levam a lugar nenhum a não ser ao seu próprio umbigo. Não me refiro, apenas, aos colunistas e blogeiros do nosso nonsense cotidiano, mas jornalistas comuns que utilizam de forma oportuna e oportunista a função que exercem. Cavam uma oportunidade, muitas vezes de forma bastante questionável do ponto de vista ético e até moral, e se transformam em celebridades de seu barzinho de preferência – o reizinho do happy hour.

Existe uma discussão antiga na área da Educação e que ficou mais acirrada na era FHC, com a abertura indiscriminada de faculdades privadas pelo país afora. Resumidamente: ‘a educação é uma mercadoria ou um bem social que deve ser tratado acima dos interesses mercadológicos ou políticos’? O que remetia a outro debate – o da autonomia universitária.

Neste contexto cabe a mesma reflexão: a notícia é mercadoria e como tal deve ser tratada e manipulada. Ou um bem social que merece o mínimo de respeito ético e moral? E a imprensa em si? Os grandes jornais e conglomerados de mídia e notícias, até onde vão seus limites (sua autonomia)? Eles têm que ter autonomia em nome de uma liberdade chamada de ‘expressão do pensamento’? E o cidadão comum possui algum direito nesse imbróglio todo?

Lei de mercado ou da decência?

O que nos remete à chamada Lei de Imprensa. Quem entrou como uma ação na Justiça brasileira sabe como é ineficaz, extremamente demorado e dispendioso, econômica e emocionalmente. Daí o jargão ‘melhor um mau acordo do que uma demanda demorada’, e não é para menos.

Quanto olhada sob essa perspectiva, a Lei de Imprensa deve ser tratada com apreensão redobrada. Basta lembrarmos dos casos envolvendo a honra do jornalista Mino Carta e de outro envolvendo um político do DEM (antigo PFL).

Ambos tiveram a honra arranhada, aqui e ali. E foram vitoriosos em suas demandas. No primeiro, além do processo demorado, o valor irrisório estipulado à honra injuriada. No segundo caso, o rito sumário e a execução imediata de multa, perda de cargo público pelo denunciado e a possibilidade de prisão no horizonte. Não é preciso dizer que o denunciado era, além de um intelectual de primeira grandeza, professor universitário e manifesta suas idéias democraticamente na imprensa.

Eleições do Brizola, debate Collor vs. Lula, os dossiês e pastas rosa, azuis e de outras cores. Amantes e filhos bastardos de presidentes e políticos em geral, intimidade de artistas e demais ‘celebridades’ até a mãe (inocente) que é condenada (irresponsavelmente) pela imprensa por dar cocaína ao filho. Como fica enquadrado na Lei? Vale a lei de mercado ou a da decência? Qual a valor indenizatório recomendado para essas questões?

Contradição com a história

Ao observar atentamente estes acontecimentos, me vem à mente o discurso indignado do deputado Fernando Gabeira ao então presidente da Câmara, Severino Cavalcante.

Dizia o nobre deputado, na ocasião, cuspindo ao microfone: ‘Sua Excelência está em total descompasso com esta Casa e com o país’ (sic).

Este foi um momento brilhante de nossa história e cheio de significados, onde o novo e contemporâneo empurra o velho para o passado. Onde estruturas antigas são arrancadas, dando lugar ao novo. Onde a contradição histórica dá um nó e ‘tudo que é sólido se desmancha no ar’.

Acredito que essa frase, sem dúvida histórica, não se encaixa apenas ao nobre ex-presidente Severino, mas que este sentimento sobre o contemporâneo/antigo se encaixa muito bem nas diversas instituições que regem a vida do país: elas estão em descompasso – absoluto – com as necessidades e imediatismos de nossa sociedade e, no entanto, se agarram aos seus velhos princípios e malandragens para se manter na posição de comando e de interferência da vida nacional.

O jornalista Luis Nassif, quando publica o chamado dossiê Veja, desmascara de forma objetiva o que muitos já intuíam somente pela prática diária de buscar informação. No entanto, a grande imprensa se cala, de forma – eu diria – bastante comprometedora. Dando a entender de que todos os jornalistas são iguais e o Nassif uma exceção, talvez efêmera. Tal e quais os políticos desde país: são todos iguais, uns ‘Severinos’. Não possuem passado e não pertencem ao futuro.

Cabe neste espaço dedicado à imprensa fazer o mesmo questionamento: não estaria ela – a imprensa – em perfeita contradição com a nossa história?

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Psicólogo, Curitiba, PR