A quatro meses das eleições municipais, o Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (17/6) pela TV Brasil discutiu o papel da mídia no processo eleitoral. Há uma semana, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que os candidatos que respondem a processos podem concorrer às próximas eleições.
A polêmica, já suscitada em 2006, foi reavivada por uma consulta do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) ao TSE, sobre a obrigatoriedade de os candidatos às eleições municipais apresentarem documentação que informe à Justiça Eleitoral os processos judiciais em que eventualmente estejam envolvidos. A presunção da inocência do réu, garantida pelo Código Penal, deve prevalecer em questões eleitorais? E como a imprensa pode tornar a população mais participativa no processo democrático?
Participaram do debate ao vivo o ex-presidente do TSE Carlos Velloso, em Brasília; o jornalista Chico Otávio, de O Globo, no Rio de Janeiro; e o conselheiro do Movimento Voto Consciente, Humberto Dantas, em São Paulo.
Humberto Dantas
é cientista político e professor. É conselheiro do Movimento Voto Consciente, que acompanha o desempenho dos vereadores nas câmaras municipais e dos deputados estaduais na Assembléia Legislativa de São Paulo.Chico Otávio é repórter especial do jornal O Globo. Professor da PUC-Rio, recebeu três vezes o Prêmio Esso. É autor de reportagens como o escândalo da LBV, a máfia do INSS, o caso Riocentro e fraudes nas importações.
Carlos Velloso foi ministro do Supremo Tribunal Federal por 16 anos, tendo sido aposentado há dois anos, quando atingiu a idade limite para permanência no cargo. Em 2006, quando ocupava a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, encaminhou à Câmara dos Deputados uma proposta sobre a regulação definitiva da legislação sobre candidatos com ficha suja.
Antes da discussão, Alberto Dines comentou os assuntos de destaque na semana. O primeiro foi o processo que o Ministério Público Eleitoral está movendo contra a Folha de S.Paulo por conta de uma entrevista com Marta Suplicy, candidata à prefeitura paulistana. Em seguida, comentou a unanimidade que, em geral, existe na cobertura esportiva. O terceiro assunto foi o repúdio dos órgãos de imprensa à ação dos militares no Morro da Proviência, no Rio de Janeiro. O último tópico foi a crise aérea.
No editorial do programa, Dines mencionou o desânimo da mídia na cobertura dos escândalos envolvendo políticos: ‘Nossa tradição penal só admite o cancelamento de postulações de candidatos condenados e sem condições de recorrer. Mas essa seria uma questão penal ou moral? Para concorrer a um cargo público, qualquer cargo, um cidadão não pode exibir qualquer mácula. Por que razão não se exige o mesmo para os representantes do povo?’. O jornalista também levantou a questão de como a imprensa pode mostrar ao eleitor os candidatos que têm a ‘ficha suja’, mesmo contra a vontade do Congresso, das Assembléias estaduais e das câmaras municipais [ver abaixo a íntegra do editorial].
A necessidade urgente de legislação
A reportagem exibida antes do debate mostrou a opinião do presidente do TRE da Paraíba, Nilo Ramalho Vieira. Para ele, a decisão ao TSE irá cobrar do Poder Legislativo um posicionamento mais efetivo.
O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do TSE, explicou que o tribunal, pelo voto majoritário de quatro dos seus ministros, estendeu à esfera eleitoral o direito que o inciso 57 do artigo 5º da Constituição conferiu em matéria penal. O inciso diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. ‘Eu entendi que isso vale para o indivíduo na esfera penal, mas não exatamente para o agente público na esfera eleitoral’, disse o ministro, que foi voto vencido no julgamento. O presidente do TSE disse ainda que se processos concretos, com outros fundamentos, chegarem ao tribunal eleitoral é possível que se reveja este ponto de vista.
Roberto Wider, presidente do TRE do Rio de Janeiro, ressaltou que no município do Rio, um gari – função que ele afirmou ser importante para a sociedade – precisa demonstrar ter uma conduta ilibada para poder concorrer a uma vaga na companhia de limpeza urbana. Se ele for um ‘bandido’, não pode ser aceito. ‘E pode para prefeito?’, questionou.
Wider afirmou que o órgão vai repetir a conduta das eleições de 2006, de não aceitar para cargos eletivos pessoas que, pela vida pregressa, não ‘ostentem condição de moralidade para o exercício de um mandato’. Naquele ano, candidatos que haviam sido impedidos de disputar as eleições pelo tribunal local recorreram ao TSE e obtiveram a permissão. Mas o presidente do TER-RJ destacou que nenhum desses candidatos conseguiu se eleger depois da exposição dos processos pela imprensa. Para ele, a mídia deveria acompanhar as atividades dos políticos ao longo de todo o ano, não só em período eleitoral.
Wadih Damous, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), afirmou que a população está encarando a política de forma negativa. Para ele, as próximas eleições poderiam ser o marco para uma maior exposição das idéias e programas dos candidatos pela imprensa. ‘O desprestígio da política é sinônimo de desprestígio da democracia’, avaliou. Para Carlos Moura, secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a imprensa deve colaborar no trabalho de esclarecimento dos eleitores.
Presunção de inocência
No debate ao vivo, o ministro Carlos Velloso contou que a primeira vez que presidiu o TSE, no biênio 1994-95, já tratou do tema. Quando assumiu novamente a presidência do tribunal eleitoral, em 2005, voltou a cuidar do assunto. Neste período, constituiu uma comissão de juristas para elaborar uma proposta de regulação da legislação, que atualmente encontra-se parada no Senado Federal. Para o ministro, a questão deve ser resolvida com a lei.
Bastaria uma condenação em segundo grau para tornar um candidato inelegível, pois o que a Constituição estabelece é a ‘presunção’ de inocência, e não a ‘certeza’. O legislador ordinário poderia estabelecer critérios, impedindo a candidatura de políticos já condenados por tribunais de segundo grau. A presunção de inocência já estaria abalada. A comissão também propôs que candidatos condenados por improbidade administrativa ficassem impedidos de disputar as eleições. Dessa forma, a Constituição e os pactos internacionais relativos a direitos do cidadão assinados pelo Brasil estariam sendo respeitados.
Dines perguntou a Humberto Dantas de que forma a mídia pode ser mais ativa no processo político. O cientista político afirmou que o papel da imprensa é fundamental. Dantas disse que no Brasil há cerca de 61 mil vereadores em mais de 5 mil câmaras municipais, e que os meios de comunicação se concentram na cobertura das grandes cidades, esquecendo o restante do país. Para ele, a sociedade tem pautado a imprensa fornecendo informações sobre fiscalização das atividades dos políticos. Essa ‘via de mão dupla’ é fundamental para a democracia, na opinião de Dantas.
O jornal O Globo publica há cerca de dois meses uma série de reportagens especiais que tenta estimular os eleitores a observarem mais atentamente as 92 câmaras municipais do estado do Rio de Janeiro. Chico Otávio, que trabalha com o repórter-fotográfico Michel Filho na série, disse que este é um tema pouco explorado pela imprensa. Mesmo tendo experiência em cobrir eleições, o repórter afirmou que está entrando em um ‘mundo’ pouco conhecido.
Ao percorrer diversas câmaras no Rio de Janeiro conseguiu reunir histórias inusitadas, como a dos vereadores que são chefes de postos do INSS e transformam em moeda eleitoral os benefícios oferecidos pela Previdência Social. Chico Otávio disse que contou com o apoio dos editores do jornal. Para ele, cabe ao repórter ‘brigar’ por uma pauta, convencer o editor de que determinada pauta vale a pena.
‘O repórter tem que tomar iniciativa também. É ele tem que ir para a rua. Não tem que ficar no telefone esperando as coisas acontecerem, os releases chegarem’, disse Chico Otávio. O jornalista afirmou que o repórter deve ir onde o fato está e destacou a colaboração do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do TSE para a produção das reportagens.
Atrás das grades
Na opinião do ministro Carlos Velloso, a mídia deveria conclamar os partidos políticos a escolherem como candidatos cidadãos com a vida pregressa limpa. E também pressionar o Congresso Nacional a apreciar os projetos relativos ao tema. O ministro explicou que num Estado Democrático de Direito uma pena só se legitima mediante a lei.
Humberto Dantas comentou a importância dos canais de televisão legislativos para a transparência das ações. Para o cientista político, é preciso observar que em alguns casos os políticos usam o espaço para divulgar ações de caráter pessoal. O leitor precisaria entender melhor o funcionamento das casas legislativas, como ocorre a tramitação dos projetos, como os vereadores se relacionam, e as suas as ligações com o Poder Executivo. ‘Precisamos aprender a centrar o olhar no trabalho do legislador, e isso requer educação e informação’, afirmou.
Dantas sugeriu que o TSE use de um tempo da propaganda eleitoral gratuita para educação política. O ministro Carlos Velloso concordou com a proposta e acrescentou que a Justiça Eleitoral deve conscientizar o eleitor a votar em candidatos sem problemas com a Justiça.
Um telespectador perguntou a Chico Otávio sobre as pressões econômicas que as Câmaras das cidades menores enfrentam. O jornalista explicou que essas pressões também ocorrem nos grandes centros urbanos. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, existem os interesses dos grupos de transportes públicos, da coleta de lixo, das milícias e dos ligados aos jogos de azar. Por outro lado, o repórter contou que nas Câmaras do interior há grande vontade do cidadão em participar das sessões e debater.
No encerramento do debate, o jornalista lembrou uma informação publicada na série ‘Profissão Vereador’, de O Globo: nas eleições de 2004, um vereador da Câmara Municipal de Caxias foi eleito atrás das grades.
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Melhor prevenir que remediar
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 466, exibido em 17/6/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A imprensa adora escândalos, sobretudo os escândalos envolvendo políticos. Neste momento, a imprensa está diante de uma grande oportunidade para acabar – ou limitar drasticamente – a quantidade de escândalos. E, paradoxalmente, a imprensa não parece muito animada com esta tarefa.
Estamos falando da possibilidade de impugnar candidatos a cargos eletivos que estejam às voltas com a Justiça. Nossa tradição penal só admite o cancelamento de postulações de candidatos condenados e sem condições de recorrer.
Mas essa seria uma questão penal ou moral? Para concorrer a um cargo público, qualquer cargo, um cidadão não pode exibir qualquer mácula. Por que razão não se exige o mesmo para os representantes do povo?
Um candidato enredado nas malhas da Justiça tem legitimidade para representar os interesses da comunidade, o cidadão pode confiar em seus critérios, em sua probidade e seu civismo?
Então, surge uma questão concreta: como mostrar ao eleitor aqueles que não merecem o seu voto? O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Ayres Britto, sugeriu ontem [segunda, 16/6] que se publiquem, na internet, os nomes dos candidatos com ficha suja. Mas o eleitor sozinho teria condições de destrinchar uma lista com dezenas de milhares de candidatos ímprobos?
Aqui entra a imprensa. Só ela tem condições técnicas de fazer uma monitoração eficaz, estado por estado, município por município, mesmo contra a vontade do Congresso, contra a vontade das assembléias estaduais e das câmaras municipais.
Ao invés de denunciar escândalos acontecidos, faz mais sentido evitar que aconteçam. Ao invés de tentar remediar, melhor prevenir. O leitor-eleitor agradece.
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A mídia na semana
** A Folha de S.Paulo está sendo processada pelo Ministério Público Eleitoral porque considerou como propaganda uma entrevista do jornal com a candidata à prefeitura, Marta Suplicy. O Ministério Público está redondamente enganado. Uma entrevista jornalística não é propaganda. É informação, serviço público. Todos os jornais estão entrevistando todos os candidatos, se não o fizerem perdem a sua função, acaba a democracia e o Ministério Público torna-se desnecessário.
** O futebol é um dos poucos assuntos da pauta nacional em que a imprensa consegue ser unânime. Ninguém reclama desta unanimidade porque a imprensa, quando olha o gramado e o placar, está vocalizando o sentimento da sociedade. Amanhã [quarta, 18/6] à noite, depois do jogo com a Argentina, esta unanimidade pode transformar-se em algo dramático.
** Unânime também tem sido o repúdio da mídia à ação dos militares no morro da Providência, no Rio de Janeiro. Ao entregar três rapazes ao narcotráfico para um ‘corretivo’ que resultou no seu assassinato, esses militares consagraram a violência ao invés de combatê-la. O candidato a prefeito, o senador Marcelo Crivella, deveria ter pensando nisso antes de pedir que o governo mandasse o Exército proteger as obras de sua ONG no morro.
** As duas maiores catástrofes aéreas brasileiras estão prestes a completar o seu primeiro e segundo aniversários. A FAB antecipou-se e divulgou um relatório onde aponta o despreparo dos controladores de vôo. A mídia reproduziu com todo o destaque, mas os controladores serão também culpados pelas outras partes que compõem a crise aérea, inclusive a venda da Varig?
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Jornalista