Capixaba de Vitória, neto e bisneto de imigrantes portugueses, um dos nove filhos do jornalista e político Mário Martins, que ajudou a fundar a UDN e teve seu mandato de senador cassado pelo AI-5, com 15 anos, Franklin Martins arrumou seu primeiro emprego em jornal como estagiário da Última Hora.
Casado com a psicóloga clínica Ivanisa Titelroit, pai de três filhos, vai completar 60 anos em outubro. Quarenta anos atrás, ele iniciava sua militância política como presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em setembro de 1969, já na clandestinidade, integrou o grupo formado por militantes da Ação Libertadora Nacional e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que seqüestrou o embaixador americano Charles Elbrick para obrigar o governo militar a soltar 15 presos políticos.
Exilado primeiro em Cuba, onde fez treinamento de guerrilha rural, de lá foi para o Chile e, depois, voltou para o Brasil, vivendo clandestinamente em São Paulo. No início de 1974, quando vários companheiros seus foram presos, partiu para novo exílio, desta vez na França, onde aproveitou para se formar na Ecole de Hautes Études em Sciences Sociales, da Universidade de Paris.
Passou boa parte da sua carreira de jornalista no Jornal do Brasil e em O Globo, no qual chegou a diretor da sucursal de Brasília. Ganhou fama como comentarista político da TV Globo – também ocupando o cargo de diretor da sucursal. Após sua saída, que foi bastante traumática para ele, teve uma breve passagem pela TV Bandeirantes e pelo iG, de onde saiu para trabalhar no governo.
Apesar desta vida, que não pode ser chamada de monótona, Franklin Martins tem observado o mundo, do alto dos seus dois metros de altura, com certa compreensão. E confessa que tem acordado com o ‘espírito de flor de laranjeira’, mesmo sabendo que uma jornada de trabalho, nunca inferior a 13 horas por dia, espera por ele.
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Como é trocar a carreira de jornalista por um cargo de ministro no governo e passar a trabalhar do outro lado do balcão? O que mudou na sua percepção do Brasil real, para o bem ou para o mal?
Franklin Martins – A primeira coisa que mudou é que eu ganho muito menos do que eu ganhava antes. Muito, muito menos. Trabalho mais, se é que era possível, porque eu já trabalhava muito. Trabalho em média 13 horas por dia. Eu entro às 8h30 e saio às 21h30 e, às vezes, ainda tenho um jantar de trabalho. E o estresse é muito maior. A grande diferença que existe, entre um jornalista e alguém que está na minha função, é que o jornalista só precisa falar ou escrever, não precisa fazer nada que vá muito além disso. Evidentemente que ele procura fazer bem o seu trabalho, mas eu tenho que falar: aqui você tem que colher os resultados. Apesar disso, tem sido uma experiência extraordinária, riquíssima, eu estou aprendendo muita coisa, vendo muita coisa. Isso é muito interessante e, às vezes, você ajuda a fazer com que as coisas aconteçam.
Por exemplo…
F.M. – Talvez a coisa mais gratificante que eu tenha ajudado, embora não tenha tido um papel decisivo, foi o processo de construção do projeto banda larga nas escolas, que vai colocar, até 2010, acesso de banda larga em 55 mil escolas públicas. São todas as escolas públicas urbanas do país, atingindo 37 milhões de jovens adolescentes. Uma coisa extraordinária, a custo zero para o governo, com duração de 18 anos. Foi um processo complexo de negociação com as telefônicas fixas, etc. Momentos duros, de tensão…
Muitas vezes você ajuda com que algumas coisas aconteçam; noutras, que elas não aconteçam, mas isso não vou te citar… Você pode evitar que certas coisas sejam feitas. Você tem uma visão do conjunto do País, das possibilidades do governo que são maiores do que se imagina. Estado é uma coisa muito forte, então, você pode fazer as coisas acontecerem. E há também as limitações da máquina pública, que acredito serem maiores do que se imagina. Apesar de tudo, é uma experiência importante.
Eu vim para cá me propondo uma tarefa. A minha avaliação é que as relações entre o governo e boa parte da imprensa estavam absolutamente intoxicadas. Eu achava que poderia contribuir para desintoxicar essas relações, a meu ver, cruciais para o País. Estas relações melhoraram. Nem tanto por mérito meu. As circunstâncias políticas do País favoreceram este processo. Hoje estas relações com a imprensa são mais fluidas, mais civilizadas, mais rotineiras, têm um caráter menos dramático.
A relação entre governo e imprensa deve ter característica de atividade cotidiana. É como escovar os dentes, amarrar os sapatos, tomar banho. São coisas que você tem que fazer porque são parte da comunicação do governo com a sociedade. Não é o único canal.
É claro que existe a publicidade, temos as pesquisas de opinião, as campanhas políticas, os eventos públicos, os comícios, mas a relação com a imprensa é a mais orgânica que existe com todas as suas contradições. Então era fundamental que ela passasse por um processo de desintoxicação. As relações são tensas mesmo e acho isso normal. Por definição, ela deve ser de tensão, de cobrança, não é uma coisa para ser um passeio pelo Nirvana. Embora nós tenhamos casos no Brasil recente onde as relações do governo com a imprensa eram um passeio pelo Nirvana. Mas aí cabe à imprensa refletir sobre isso. O importante é que dentro dessa tensão sejamos profissionais. O que caracteriza o profissionalismo? O respeito pela sociedade, respeito às divergências, entender que as pessoas precisam de uma informação mais qualificada possível para tomar suas decisões, formular suas opiniões. Da parte do governo, o princípio básico é garantir a liberdade de imprensa.
Você está satisfeito com o seu trabalho?
F.M. – Eu estou satisfeito com o progresso que o governo fez e com os progressos da relação entre governo e imprensa experimentados nesse período. Acredito que eu tenha contribuído com isso.
Como é trabalhar tendo como chefe o presidente da República? O senhor chega a sentir saudade dos seus antigos chefes e da vida nas redações?
F.M. – Acho que são coisas diferentes. Evidentemente, tenho saudades dos meus colegas das redações porque hoje não tenho muito tempo para ficar com eles. Jogar conversa fora em redação é uma coisa muito agradável. Falar mal de jornalista. O esporte preferido de jornalista é falar mal de jornalista e do governo, que é o esporte preferido de todo mundo. Não há nisso nenhuma anomalia. O dos engenheiros é falar mal dos engenheiros. Dos botânicos, é falar mal dos botânicos; dos artistas, falar dos artistas. A gente fala de quem a gente conhece mais. Eu tenho saudade da redação.
A minha relação com o presidente é boa. Eu nunca tive maior intimidade com o Lula. Talvez, o mesmo tipo de intimidade que repórteres com 20 ou 30 anos de profissão tinham com o presidente. Eu o entrevistei várias vezes, conversei bastante com ele, mas não tive intimidade. Eu acho que o Lula é uma pessoa muito fácil de trabalhar: ele fala o que pensa, ele é leve. Eu acho que ele possui hoje em dia uma percepção muito profissional sobre o trabalho da imprensa, do papel que a imprensa joga e de qual deve ser o comportamento dele. E isso facilita muito. Minha relação de trabalho com o presidente é positiva e, mesmo pessoalmente, é muito boa, tranqüila, seguramente melhor do que com os outros chefes que tive.
Eu levava muitas broncas. Você costuma levar broncas?
F.M. – Não. Talvez o presidente tenha mudado. Nem sempre concordamos na apreciação dos problemas, e aí prevalece a opinião dele, é claro. De modo geral, as divergências são muito pequenas. Trabalhar com ele é leve. As broncas foram no seu período.
O presidente Lula faz críticas quase diárias ao comportamento da imprensa. Isso ajuda ou atrapalha o trabalho do ministro?
F.M. – Não sei se atrapalha o trabalho do ministro. Acho que ajuda o trabalho da imprensa. A imprensa deve gozar de absoluta liberdade para noticiar o que quiser, dar opinião sobre o que quiser. Isso é básico na democracia. Não existe meia liberdade de imprensa. Existe liberdade de imprensa e ponto. Agora, a imprensa não está imune às críticas. Ao contrário, para fazer bem o seu trabalho ela deve ser criticada. Aliás, como qualquer um de nós. Ao exercer o meu trabalho de pai, eu devo poder ser criticado pelos meus filhos; para exercer o meu trabalho de jornalista, eu devo ser criticado pelos meus leitores. Eu acho que ajuda a imprensa ser criticada. Uma imprensa que não é criticada é uma imprensa que não convive bem com a liberdade dos outros de darem opinião.
Não é o caso da nossa imprensa, evidentemente. Acho normal que, se o presidente tem uma critica a fazer, ele exprima essa opinião de modo educado e razoável. Vamos ser claros: a imprensa, como instituição, é um espaço de disputa política. Quem não entender isso não entende o papel da imprensa dentro de uma sociedade moderna, democrática e de massas. Então, é normal que o presidente, ou mesmo a oposição, ou qualquer pessoa que participa da disputa política, possam criticar, fazer avaliações do trabalho dos outros da mesma forma.
A imprensa pode fazer o trabalho de avaliação do trabalho do presidente, mas o presidente ou o líder da oposição pode fazer isso também. Em minha opinião, o maior crítico do trabalho da imprensa não é o presidente da República, não é o líder da oposição, mas o leitor do jornal, o telespectador, o ouvinte que, ao contrário do que muita gente pensa no Brasil, é perfeitamente capaz de formular juízos e de fazer avaliações do trabalho da imprensa.
Ele sabe avaliar a imprensa, sabe a importância da liberdade da imprensa, aprendeu isso na sua experiência. Ao mesmo tempo, ele sabe se tem sido bem atendido ou mal atendido naquilo que é vital para ele, que é, basicamente, a notícia. Quer ter notícias confiáveis, fidedignas e, ao mesmo tempo, opiniões que contribuam para o debate público qualificado, concorde ou não com aquelas opiniões. Desde que estas opiniões não estejam desqualificando às outras, entendendo que a divergência faz parte do processo, com tolerância para o contraditório, não tentando esmagar quem pensa diferente.
Acho que o leitor, o telespectador e o ouvinte, no Brasil, formam a sua opinião e sabem distinguir o que é notícia daquilo que é uma invencionice ou daquilo que é um erro normal no trabalho da imprensa. E a imprensa erra muito. Isso é normal e o leitor tem a visão disso, ele sabe diferenciar um erro normal de um erro de má fé. O que é divergência e o que é campanha. O que é uma coisa que é parte de um ambiente político e o que na verdade está tentando conduzir o leitor ou o telespectador, puxando o leitor pelo nariz de um lado pro outro. Quando acontece, o leitor percebe isso. O leitor é muito crítico. Os órgãos de imprensa que cometem esses erros, o leitor cobra. É de forma implacável.
Até algum tempo atrás, o Brasil tinha meia dúzia de formadores de opinião. Hoje, são milhares. Quem forma os formadores de opinião? De que forma é formada a opinião dos formadores de opinião?
F.M. – Acho que isso se multiplicou muito. Estamos assistindo a um processo extremamente importante que tem a ver com as mudanças que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos. Acho que aquela época da teoria da ‘pedra no lago’ acabou. Você joga uma pedra, ela cai na classe média e nos chamados formadores de opinião, e vai provocando ondas concêntricas que vão até a margem. Você tinha um centro formador ativo e uma sociedade passiva que recebe aquilo. Isso de certa forma existiu no Brasil até algum tempo atrás e é fruto de uma sociedade que se dividia entre um centro ativo e uma periferia passiva.
Eu acho que isso mudou no Brasil, e mudou porque o Brasil está mudando. Você passou a ter a emergência da classe C, e os números mostram que isso é uma coisa fortíssima, é a principal classe em termos numéricos no país, que não se reconhece exatamente na classe A/B, na classe média. Ela até tem aspirações de chegar lá, mas ela sabe que tem trajetória diferente, interesses diferentes, e está em um momento diferente nesse percurso, e que olha e diz: ‘Eu sei pensar com a minha própria cabeça, eu sei defender meus interesses’.
Por exemplo, no processo da crise política de 2005, os formadores clássicos de opinião da classe A/B davam sua opinião sobre o governo Lula e isso chegava na classe C e voltava. Batia e voltava. Isso é sinal que o Brasil está ficando mais complexo, mais heterogêneo, mais sofisticado e mais moderno. Porque isso é característica da sociedade moderna. Nos Estados Unidos, não existe essa coisa de centro formador de opinião e a massa amorfa. Na Inglaterra, na França, isso também não existe. Em alguns outros países, ainda existe. Mas acho que mudamos de patamar e isso tem impacto na política, na imprensa, na televisão. O crescimento de outros canais de televisão, em comparação com a TV Globo, tem um pouco a ver com isso.
A Globo fez um modelo altamente bem-sucedido que falava para a classe A e a Z ao mesmo tempo. E fez isso durante 40 anos. Hoje em dia, está sendo obrigada a fazer flexões e se segmentar porque a Record entra aqui e outra entra ali com um programa mais popular que dá audiência.
Que mudanças você nota na imprensa brasileira desde que assumiu o cargo?
F.M. – Na imprensa escrita, por exemplo, os jornalões estão com a circulação estagnada há vários anos. A venda dos grandes jornais e revistas de hoje e a de três anos atrás é mais ou menos a mesma coisa. Aí você pega os jornais populares, que são muitas vezes da mesma empresa dos jornalões, mas têm um crescimento espetacular. São jornais que custam um real ou menos até, com muitos serviços, vendidos nas ruas e sem assinaturas. São jornais mais vibrantes, que não estão preocupados em fazer a cabeça das pessoas, mas só em contar o que está acontecendo.
Dos 15 principais jornais, em termos de circulação no País, sete são populares. O jornal de maior circulação hoje no Brasil é um jornal popular, o Super Notícias, de Belo Horizonte. Tem uma vendagem em bancas de 300 e poucos mil exemplares. É um fenômeno que começa a se estender para todas as capitais.
E você tem a internet. Não acho que vá acabar com os jornais de papel. O homem sempre vai necessitar do papel que os jornais cumprem – que é alguém, em um oceano de notícias, coletar as informações, hierarquizar, editar e te entregar pronto: isso é importante. O papel do editor não é botar matéria na página, é jogar matéria sem importância fora. No fundo, é dizer o que não é tão importante e o que é muito importante. Selecionar, editar. Isso é o papel do jornal.
A internet, por sua vez, torna mais viva a crítica sobre os jornais. Os jornais saem do limbo. Os jornais não podem mais ficar como se fossem os donos absolutos da notícia. Os leitores estão criticando e trocando informações sobre eles, dizendo ‘isso aqui não foi bom’, ‘isso aqui está errado’. Às vezes, isso é feito de uma maneira muito selvagem, meio agressiva, o que é muito ruim. Deveríamos encontrar mecanismos para tornar isso mais civilizado. Ao mesmo tempo, significa que existe um debate e isso funciona como um fiscal sobre jornais, revistas e televisão. Força a grande mídia a ser mais humilde, o que muitas vezes é positivo.
Sob tiroteio cerrado, desde que seu nome surgiu como candidata à sucessão do presidente Lula, até onde a ministra Dilma agüenta? Foi prematuro o lançamento de seu nome? O governo já pensaria em alternativas? Como está a candidatura do governo à sucessão do presidente Lula?
F.M. – Eu não acho que a Dilma esteja lançada. Acho que é um nome que aos poucos vai emergindo como possibilidade. Eu nunca vi um comentário do Lula em público dizendo: a minha candidata é a Dilma. O que eu vi nos jornais hoje é que houve um almoço e ele teria falado. O que acontece hoje é que você tem um governo muito bem avaliado, que não tem um candidato natural. Eu acho que hoje, que já diminuíram aquelas especulações meio sem sentido sobre terceiro mandato, sempre repelidas pelo Lula, mas que boa parte da imprensa e dos analistas políticos consideravam que era apenas um jogo de cena, que isso seria uma possibilidade. Eu digo, revelo que não vejo a menor possibilidade depois de conversas que tive com o presidente.
Um governo muito bem avaliado que não tem um candidato natural que haverá de ser construído durante esse período. Aí existem nomes que começam a despontar. O nome da Dilma é um deles. Eu acho que dentro do PT existem nomes possíveis e é normal que o PT aspire a ter candidato. Acho que o nome do Patrus é um nome possível, o nome do Jacques Wagner é um nome possível, o nome do Tarso Genro é um nome possível, o nome do Fernando Haddad. Todos esses nomes precisam se viabilizar. Eu acho que, até o momento, o nome da Dilma é que tem ganhado mais consistência. Ela parece assim, vamos dizer, como a primeira da fila.
E fora do PT o governo poderia apoiar outros nomes?
F.M. – Temos outros nomes também no campo do governo. O Ciro é um candidato natural. Embora não sendo do principal partido da base de sustentação do governo, já foi candidato duas vezes, já foi ministro, o Lula tem enorme apreço por ele e é uma pessoa com qualificação. O Sérgio Cabral é um nome possível, se o PMDB vier a construir as condições para lançar um nome. Tudo isso são possibilidades.
E como ela agüenta essa pancadaria que já dura meses?
F.M. – Essa pancadaria tem a ver com o fato, eu não tenho muita dúvida, dos adversários da oposição perceberem que ela é a primeira da fila no PT, que ela reúne qualidade políticas e pessoais para vir a se viabilizar. A Dilma tem uma relação muito forte com o Lula e o Lula será um grande eleitor. Neste nosso estilo de fazer política no Brasil, as pessoas acham que desqualificar o adversário é parte do processo para se credenciar para alguma coisa. É algo que tem a ver com a velha política. O Brasil é mais moderno do que isso e a Dilma já passou por coisas na vida muito difíceis. Foi presa, torturada, sobreviveu à prisão e à tortura e depois reconstruiu a sua vida. Possui condições para agüentar o tranco. Agora, ninguém é atacado de forma injusta, ninguém passa por processo destrutivo desse tipo sem se ferir e carregar cicatrizes depois. Agora, o que se vai fazer? Ceder àquilo que no fundo é um certo tipo de chantagem política, ou seja, ‘não faça política, não aspire a determinados cargos, se não nós o liquidamos’? Essa tentativa de destruição de reputações é uma forma totalmente abjeta de se fazer política.
Com a democracia consolidada e um crescimento econômico como há muito tempo não havia, acompanhado de estabilidade com distribuição de renda, qual será o principal legado do governo Lula e qual deve ser a prioridade em um projeto para o Brasil a ser defendido pelo próximo presidente? O que fica do governo Lula e qual deve ser a proposta do próximo?
F.M. – O principal legado do governo Lula é que a questão da inclusão social entrou definitivamente na agenda do País. E isso não é uma coisa pequena em um País extremamente injusto e excludente. Eu acho que o Brasil era um País pretensamente arrumado para 40, 50 milhões de pessoas. Como ele tem quase 200 milhões, quiseram fazer com que ele fosse um País desarrumado na verdade. Acho que o grande legado do Lula é criar um processo para que o País se arrume para 200 milhões de pessoas. Isso não se faz de estalo, imediatamente, mas você tem uma perspectiva de que o País só se arruma quando se arrumar para todo mundo. Esse processo a meu ver não tem volta. Porque as pessoas começaram a experimentar mudanças, a melhorar de vida. Eu não sei quem será o próximo presidente, mas ele não conseguirá, seja qual for o partido dele, fazer com que a questão da inclusão social deixe de ser prioridade.
Existe um segundo legado do governo Lula extremamente importante: o País voltou a confiar em si mesmo. Acho isso de enorme importância. Se o País continuasse a ter o complexo de vira-lata – para usar a expressão do Nelson Rodrigues -, que ele tinha, ele não chegaria ao atual patamar. Um País só chega a algum lugar se ele aprende a confiar em si mesmo e entende que é capaz de resolver os problemas que estão em seu caminho. Isso vale para qualquer pessoa, mas vale para o País também. Acho que isso é uma coisa positiva. Acho que o Brasil voltou a gostar de ser brasileiro.
Qual será a marca deste governo no plano internacional, que mudanças você tem observado nas viagens que faz com o presidente ao exterior?
F.M. – O Brasil tem uma inserção nova no mundo. É uma inserção que vem se dando de forma paulatina, suave, não arrogante. Mas o Brasil tem um peso maior nas discussões do mundo e tem um peso maior na África e na América Latina. O Brasil está com um peso maior para organizar o Sul e isso é algo que terá impacto. Estamos mudando de patamar e isso é o desafio para os próximos governantes, ou seja, não só para o próximo presidente. Para os próximos 15, 20 anos, é preciso ter projeto para esta mudança, quer dizer, para um País de 200 milhões e não de 40. Para um País que gosta de si mesmo e que não quer ser colonizado e não quer mandar em ninguém, mas que tem um peso próprio e acredita na sua capacidade de se projetar em função disso. E é um País que terá um peso próprio na economia mundial. Isso vale na agricultura, na indústria, no serviço, na energia. Terá um peso muito maior que hoje. As tarefas dos últimos 25 anos foram tarefas de arrumar a casa.
Eu sempre digo o seguinte: o Brasil tem cinco pontos de agenda que são defendidos por 85% da população e das forças políticas. Primeiro: democracia. Custou muito para conquistar. Hoje, o Brasil voltou a ser um País democrático. Segundo: inflação. Ter moeda, voltar a ter moeda. Terceiro: responsabilidade fiscal. Quarto: crescimento econômico. Isso tudo é muito bom, mas a gente precisa crescer. E quinto: inclusão social. Essa agenda, hoje em dia, não tem como fugir. Com base nela, temos que resolver como é a educação de um País que não será periférico, mas com papel relevante no mundo. Como serão as Forças Armadas, que não podem mais ficar no acostamento, como nos últimos 25 anos. Elas têm um papel institucional importantíssimo; papel político, a meu ver, zero. E que precisam estar aí preparadas para defender o País, ser capazes de ter uma capacidade de dissuasão que não permitam aventuras contra o País no futuro.
A gente fala em pré-sal. Evidente que o pré-sal, colocando o Brasil entre os maiores produtores de petróleo no mundo, tem enormes oportunidades, mas também tem riscos. Basta ver as disputas e as guerras pelas áreas que concentram essa energia. Precisamos ter uma política de ciência e tecnologia que seja capaz de fazer com que o Brasil acompanhe esta mudança que estamos observando. Por exemplo, o petróleo: nós não precisamos ser um País produtor e exportador como tantos países do mundo. O Brasil não precisa ser um País de Sheiks… O Brasil precisa ter um modelo como o da Noruega ou dos Estados Unidos que usaram o petróleo para se alavancar economicamente, sofisticar-se, e não para ser um comprador de coisas fora trocadas por petróleo. Precisamos desenvolver a ciência e a tecnologia. O Brasil mudou de patamar. Ele não vai ser um País médio, um País do futuro. Ele será um País de 200 milhões de habitantes com um peso muito importante no mundo e tem que se preparar para isso.
Com essa força toda que está mostrando para defender o governo e o Brasil até parece que você é o candidato.
F.M. – Não sou candidato a nada. Sou candidato a voltar para casa.
Sai a CPI dos Cartões, entra o caso Varig. De crise em crise, a aprovação do presidente sobe nas pesquisas. Entre uma e outra, a imprensa volta falar no terceiro mandato. Como é viver nessa gangorra com boas notícias na economia e sempre com o fim do mundo sendo anunciado para amanhã?
F.M. – Acho que talvez a coisa mais dramática que estejamos assistindo no Brasil é a incapacidade, revelada pelo menos até o momento, e espero que isso mude, da oposição e de alguns setores com influência na mídia de botar o pé no chão e olhar para a realidade. Por que nós temos essa sucessão de falsos escândalos? Mês de janeiro, eu olhei e pensei: ‘vou ter um pouco de tranqüilidade porque o Congresso está de recesso’. Vã ilusão. Veio um negócio que era um apagão iminente de energia. O Brasil ia ter uma crise de energia. Ninguém mais fala nisso, os reservatórios estão cheios. A febre amarela tomaria conta do País. A coisa da imprensa foi tamanha que teve gente morrendo por tomar mais de uma dose da vacina, por reação. Por quê? Porque fizeram um sensacionalismo em torno daquilo.
Depois, veio o negócio dos cartões corporativos. Parecia que era um escândalo monumental. Sempre disse que o cartão corporativo era um escândalo de titica. Porque ele era coisa da miudeza. A CPI era CPI da miudeza porque, por definição, cartão corporativo e conta tipo B são para pequenos gastos. Ninguém ia fazer caixa de campanha, desviar dinheiro para ficar rico. Podia ter uma determinada irregularidade de um coordenador de despesa, podia ter uma despesa feita que não tivesse cobertura legal, erros contábeis. Aliás, como qualquer grande empresa tem nas pequenas despesas, qualquer um sabe disso. Quem já dirigiu uma Redação sabe que na prestação de contas, nas notas de viagem, há de tudo, aceitam tudo. Nesse sentido os cartões corporativos são um enorme avanço sobre as contas tipo B que aceitam tudo. Parecia que o mundo vinha abaixo e não tinha nada acontecendo. Aí veio um escândalo atrás do outro.
E esse mais recente da Varig preocupa o governo?
F.M. – Isso é uma brincadeira. As decisões foram todas tomadas pelo juiz da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e confirmadas pelo STJ depois. Não tem ato do poder executivo fazendo aquilo. Eu não sei por que essa senhora, doutora Denise Abreu, fez isso. O que me espanta é que a imprensa dê o tipo de tratamento que deu às declarações dela. Até poucas semanas atrás, eu só tinha visto foto da doutora Denise Abreu de charuto na boca. De repente, vejo a doutora Denise posando e escolhendo qual o lado do rosto melhor para fotografar. Tudo bem, mas o que tem de concreto? Não tem nada nas denúncias.
Sinceramente, acho que os filtros da imprensa caíram muito. Tudo bem que dessem a entrevista, ela está fazendo acusações, que dêem as acusações, mas vamos atrás para ver o que existe de real, de possível. Aí se esbarraria em uma coisa que é a seguinte: as decisões são tomadas pelo juiz. Hoje [quinta-feira, 12/6] mesmo tem uma entrevista dele longa no Globo, mais curta no Estado de S. Paulo, e ela já havia dito isso antes, e ninguém tinha ido atrás, desde o primeiro dia. ‘As decisões foram tomadas por mim e eu não sofri pressão’, disse ele. Então, sinceramente, esses são assuntos para se trazer à tona, fazer essa ebulição, esse burburinho e que não se sustentam. Por quê?
A que você atribui esta sucessão de escândalos sem fim desde a grande crise política de 2005?
F.M. – Eu acho que a oposição tem uma enorme dificuldade para travar o debate político, que precisa ser travado por uma razão simples: a oposição tem vergonha de defender o que ela pensa. Ela sabe que o que ela pensa não tem respaldo da maioria do País. Um exemplo disso foi a campanha do Alckmin. Ele era a favor das privatizações e foi posar com um jaleco, que parecia macacão de piloto de Fórmula-1, cheio de adesivos de Banco do Brasil e não sei mais o quê. A oposição era contra o Bolsa-Família, achava que era Bolsa-Esmola e não teve coragem de afirmar isso claramente na campanha. Porque, se afirmar, se defender seus pontos de vista, perde a eleição. Por outro lado, ela se sente mal em defender os pontos de vista com os quais ela não concorda. Então, o que ela faz? Dribla a disputa em torno das questões essenciais para o País e parte para uma questão periférica.
Isso não é um problema novo no Brasil. As décadas de 50 e 60 são marcadas por esta política. A UDN, em especial o Carlos Lacerda, fez isso o tempo todo. Já que não conseguiam ganhar as eleições, faziam uma campanha com um moralismo exacerbado, como se fossem catões de um lado e, do outro lado, um bando de ladrões. Botavam a questão moral com uma ênfase que enraivecia suas bases políticas, a ponto de se tornarem prisioneiros delas, e não ganhavam a eleição. Só que, naquela época… [toc toc toc, bate na madeira], batiam à porta dos quartéis. Bateram em 54, no suicídio de Getúlio. Bateram em 55 para negar a posse a JK. Bateram em 61 para negar a posse a Jango. E olha que eu pulei Aragarças, Jacareacanga, episódios menores. Eu estou só falando de coisas grandes até que, em 1964, conseguiram. Naquela época, batiam na porta dos quartéis e iam pedir ajuda dos Estados Unidos para interromper o processo democrático porque sabiam que não ganhariam a eleição.
Hoje em dia, no Brasil, não tem mais isso. As Forças Armadas não entrariam mais numa aventura dessas e o ambiente internacional não permitira isso. Então elas ficam fazendo uma coisa que não vai dar em nada. Porque não conseguem defender o que pensam. Acho que a cada escândalo desses se produz um processo muito desagradável para o País. Um mal-estar, um clima ruim que para o governo é ruim. O governo é obrigado a gastar energia para estar respondendo a coisas menores e coisas que não tem nem pé nem cabeça, como no caso da Varig agora. Quem é o maior prejudicado com isso é a oposição. Os caras falaram em cartão corporativo. Perderam quatro meses e o fato é que as eleições de 2010 estão se aproximando. A areia da ampulheta está caindo e a oposição continua sem discurso, sem saber o que fazer, sem saber o que propõe, sem saber como disputa o eleitorado. E com uma agravante: o Lula teve 62% de votos nas duas eleições e, segundo pesquisas, ele teria hoje uma aprovação maior do que isso. Mas fiquemos no 62%. A oposição, a menos que o governo viva um processo político de um desgaste monumental, uma crise na economia – e eu não vejo nenhum cenário apontando para isso – como é que a oposição pode aspirar a conquistar a maioria do eleitorado, fazendo com que parte do eleitorado que votou no Lula se desloque dessa posição e passe a apoiar as bandeiras da oposição.
Quais seriam estas bandeiras?
F.M. – A primeira providência: a oposição precisa tratar os apoiadores do Lula com respeito. ‘Vocês votaram no Lula porque receberam a esmola do Bolsa-Família, porque vocês foram corrompidos, é um novo coronelismo’. Quando entra com o discurso ‘esse sujeito é um ladrão’, ‘esse governo é um governo de patifes’, ela não estabelece pontos de contato para ser ouvida. O apoiador do Lula vai dizer: ‘é a oposição que não se conforma de não mandar mais no País’. Então ela não consegue dialogar, conversar com a fatia de eleitorado do Lula, e assim não consegue sequer promover um inicio de deslocamento do lado de lá para poder ganhar.
Por isso, a oposição não sabe o que dizer, não tem programa, não tem acordo e agride ou pelo menos trata de forma pejorativa o eleitor do outro lado. Eu não entendo onde ela quer chegar. Eu não falo isso com jubilo, falo isso chateado. Seria ótimo ter uma oposição forte no País. Mas uma oposição forte precisa ser uma oposição séria, uma oposição que pega os erros do governo, aponta, critica e força o governo a ser melhor, a se aproximar dos pontos de vista dela. Ela não propõe uma ação política que constrói politicamente para fazer disputa política na sociedade. Para isso, teria que defender o que ela pensa. Ela não pode esconder o que ela pensa e querer com esse artifício introduzir um elemento que é artificial na política hoje. E a população percebe isso.
No início do seu primeiro governo, o presidente Lula fez um apelo à sua equipe: ‘nós só não podemos errar na política’. A imprensa e a oposição temiam o caos na economia. Aconteceu exatamente o contrário: com indicadores favoráveis na economia e nas áreas sociais, é na política que se concentram as maiores dificuldades do governo, mesmo tendo maioria nas duas casas do Congresso. Como o senhor explica essa contradição? Há uma solução à vista?
F.M. – Eu concordo que, no primeiro mandato do Lula, os principais problemas do governo estavam na política. Embora ele vivesse um momento muito tenso na questão econômica, pelo ajuste que teve que fazer e pela incompreensão que isso gerou na base dele. Do primeiro para o segundo mandato, o governo reequacionou os instrumentos de ação política dele. A relação com a imprensa, que é parte disso, tornou-se mais profissional, embora permaneça com um grau de tensão grande. Mas ela é administrada de forma mais profissional. Acho que a relação com os partidos e o Congresso melhorou. Hoje em dia você tem um Conselho Político, tem 14 partidos na base aliada, o governo entendeu a importância de um partido como o PMDB na sua base e isso dá condições ao governo de um trabalho parlamentar menos tumultuado que o do mandato anterior.
Mas recentemente o governo sofreu uma dura derrota na votação da CPMF.
F.M. – Na CPMF não me surpreendeu. Nunca achei que o governo tinha os 60% dos votos no Senado. Mas acho normal. Vai ganhar algumas votações, vai perder outras, e isso faz parte do processo político. Acho, no entanto, que essas dificuldades não têm a ver com o governo, têm a ver com o nosso sistema político. Eu continuo com a avaliação que tinha antes de vir para o governo e apenas se consolidou de que o Brasil precisa desesperadamente de uma Reforma Política.
Por que então o governo não toma esta iniciativa?
F.M. – Porque quem vota a Reforma Política são os políticos. A Reforma Política tem que ser aprovada no Congresso. Em determinadas circunstâncias, ela tem que ser aprovada por 3/5 do Congresso, da Câmara e do Senado duas vezes. Vamos pegar o início desse governo: começou-se a discutir a necessidade da Reforma Política. Apareceram as propostas de voto em lista fechada. Porque daria condição de fortalecer os partidos, embora com o risco de fortalecer excessivamente a burocracia dos partidos. Tenderia em médio prazo a ter um processo de consolidação de alguns partidos e permitiria uma coisa muito importante, o financiamento público. Porque aí você financiaria o partido, e não os candidatos. Se você financia individualmente o candidato, daqui a pouco, vira profissão. A pessoa se candidata para receber dinheiro. Começa a discussão e, nesse caso, não se precisaria 3/5, não alteraria a Constituição.
Setores da oposição fazem a seguinte avaliação: isso favorece principalmente o PT. Porque é o partido com identificação com o presidente e como a sigla mais forte isso fortaleceria o PT. ‘Então nós somos contra’, disse a oposição. O PSDB respondeu o seguinte: só aceito reforma com o voto distrital. Voto distrital precisa reforma da Constituição, precisa dos 3/5. Então, quer dizer: não haverá reforma alguma. Chegamos a um emparedamento nessa questão. O que eu defendo como sistema adequado seria um sistema misto, mais ou menos como o que existe na Alemanha, onde a Câmara é formada com base no voto proporcional. O eleitor vota duas vezes, no distrito e num partido nacionalmente. A Câmara é formada proporcionalmente pelos votos no partido. Uma parte dela é formada pelos distritais e uma parte por lista fechada. Eu acho que é o melhor sistema.
Com uma oposição fraca e sem rumo e uma mídia forte, alguns setores da imprensa e jornalistas acabam assumindo o papel de partidos políticos. Como é lidar no dia-a-dia com essa anomalia institucional?
F.M. – Com humildade. Eu sei que não está sob meu poder mudar isso. Se existe um determinado jornalista ou órgão de imprensa querendo ir além de suas chinelas, eu não posso evitar isso. O que posso fazer é tratar todos de forma profissional e respeitosa e confiar nos leitores, telespectadores e ouvintes. Eu estou absolutamente convencido que o Brasil não é um País de coiotes, de jacus, que acreditam em qualquer coisa que falam para ele. A população pode se confundir, ser objeto de algum tipo de manipulação, por um período curto, mas em um período histórico mais amplo os fatos aparecem, a verdade aparece. Como no caso da TAM. Nunca vi tanto especialista em grooving como naquela época e hoje em dia as pessoas sabem que não teve problema de grooving, as pessoas sabem que houve uma falha mecânica combinada com uma falha humana.
E como ficou o governo nesta história do caos aéreo?
F.M. – Isso quer dizer que não houve erros do governo na administração do setor aéreo? Claro que houve, mas isso não quer dizer que aqueles erros provocaram o acidente. A população forma sua avaliação quando consegue debater, discutir, por isso que a democracia é importante. Ela acaba formulando avaliações muito mais equilibradas. Eu sou muito tranqüilo quanto a isso. Às vezes, eu ponho em dúvida essa crença porque você olha e diz: ‘de novo? Será que nunca aprendem?’. A vida é assim mesmo e vamos em frente.
Nas muitas viagens que o senhor já fez com o presidente Lula pelo Brasil, quais foram as cenas que mais o marcaram e que simbolizam o atual momento vivido pelo País?
F.M. – Foram duas coisas que me marcaram muito. Elas ocorreram em abril deste ano. A primeira aconteceu no dia em que o presidente foi dar a autorização para o início das obras, assinar a autorização do início das obras nas favelas do Alemão, da Rocinha, de Manguinhos. A descida da favela da Rocinha me deixou arrepiado porque eu sou do Rio, conheço bem a Rocinha. O ato foi no alto da Rocinha, onde tem uma espécie de campo de futebol, uma quadra onde será construído um hospital, as obras já estão avançadas. Na descida pela antiga estrada da Gávea, a população ocupou a rua e formou assim um corredor dos dois lados ao longo de 1,5km, 2km, que é o que tem aquele trecho.
Uma coisa absolutamente espontânea e com uma enorme alegria. E então você via os acenos, ouvia aplausos das pessoas nos pequenos prédios e apartamentos que tem ali. A Rocinha tem muitos sobrados de três andares… As pessoas foram chegando nas janelas, algumas com bandeiras do Brasil. E você sentia o seguinte: havia uma enorme alegria na favela porque ela estava sendo tratada com respeito. Isso para mim foi uma coisa que marcou.
Duas semanas depois, o presidente foi ao Rio Grande do Sul. Na cidade de Rio Grande, visitou as obras do dique seco, que a Petrobras está construindo lá, que vai ser uma fábrica de cascos de navio, de plataformas, etc. E lá que estão construindo a P-53 que está quase finalizada. Ou seja, um local em que a indústria naval hoje em é uma indústria de peso. E ela praticamente não existia antes. A P-53 é uma coisa que impressiona, é do tamanho de um Maracanã. Ela está fundeada junto ao cais e na chegada você tinha ali, provavelmente, uns 5 mil operários. A reação dos trabalhadores foi de uma força, também absolutamente espontânea. Foram gritos de entusiasmo, de alegria, vários dizendo coisas positivas para o Lula. ‘Lula, você é um operário que chegou lá’, ‘Você é um como a gente que está aqui’, ‘A nossa dignidade você restituiu, hoje em dia nós temos emprego’.
‘Você é um como a gente’, parece que resume tudo…
F.M. – É uma coisa fortíssima, pessoas chorando ali e até na comitiva do presidente. Então você sente o seguinte: pessoas que há dois, três anos não tinham emprego, agora acham que está dando certo e confiam que vai dar certo. O clima que existe é o seguinte: o Brasil tem jeito, o Brasil pode ser o que a gente acha que ele deveria ser. As pessoas voltaram a confiar no País e na sua capacidade. E isso não tem preço. Como no anúncio do cartão de crédito: isso não tem preço.
Quais são seus planos para o final do seu trabalho no governo Lula em 31 de dezembro de 2010: voltar para as redações, entrar na carreira política ou pendurar as chuteiras?
F.M. – Entrar na carreira política não está nos meus planos. Eu não sei o que eu vou fazer. Eu sei o que eu não vou fazer. Eu não vou mais ler jornal ruim. Só vou ler jornal que eu acho que é bom.
Quais?
F.M. – Aí não posso ir tão longe. Eu quero terminar um trabalho que eu tive de interromper sobre música brasileira que estava quase pronto. De 1902 para cá, tenho as gravações, desde a primeira do Isto é bom.
Há quanto tempo você trabalha nisso?
F.M. – Pesquiso há sete anos. Eu tenho 600 músicas levantadas desde 1902 para cá. Tenho os capítulos escritos até quase o golpe, até 1964. Precisaria ainda de mais ou menos quatro meses de trabalho, porque a pesquisa, que era o mais importante, falta pouco para terminar. Quando sair do governo, vou fazer isso. Primeiro, porque eu gosto; segundo, acho que fará bem ao País, terceiro, é uma coisa que pode ser uma contribuição para a história da nossa música. O que eu vou fazer depois eu não sei, eu quero dar um tempo para mim. A idéia é que seja um livro e que tenha uma coleção de músicas que está tudo em mp3. Eu não quero fazer uma coisa com 600 músicas, mas algo com 350, 400… Eu tenho uma seleção já feita, o resto eu boto em um site e quem quiser vai lá. A idéia do título seria ‘A música e a República: 1902 – 2002’ porque iria até a primeira eleição do Lula. Depois que eu terminar quero dar um tempo pra mim pra ficar um pouco mais à vontade.
Onde você pretende morar depois que sair do governo?
F.M. – Há 21 anos estou em Brasília. Eu quero continuar aqui. Eu gosto muito de Brasília.
É raro alguém falar isso.
F.M. – Em geral, é gente que não mora em Brasília. É quem vem de fora e fica em hotel. Quem mora há muito tempo aqui, gosta de Brasília. Meu ideal de felicidade é comer peixe frito na beira do mar… andar na praia de manhã… pescar… Pescar, não, não gosto de pescar. Não dá.
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Jornalista