Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A imprensa no clima da Copa

A imprensa brasileira entrou em clima de Copa do Mundo. Com reportagens, entrevistas e artigos, os jornais se afastam dos pessimistas e seguem em alegre caravana para a Granja Comary, em Teresópolis (RJ), onde os jogadores da Seleção se reúnem na segunda-feira (26/5) para começar os treinamentos. Daqui para a frente, é de se esperar um engajamento cada vez maior dos três principais diários de circulação nacional no projeto do hexacampeonato.

Nas edições de segunda-feira (26) já se pode observar uma mudança significativa nas primeiras páginas, e o noticiário sobre uma suposta crise econômica se dilui como o vinho na água. Mesmo a Folha de S. Paulo, que procura se apresentar como um jornal crítico ao nível da rabugice, vem com um caderno de esportes leve e festivo. Traz, por exemplo, uma reportagem sobre a tentativa do músico baiano Carlinhos Brown de ressuscitar sua caxirola, uma espécie de chocalho que ele queria transformar em adereço oficial dos torcedores mas foi bloqueado pela Fifa.

Os jornais trazem textos sobre o esquema de segurança da Seleção, perfis de jogadores, reclamações de quem ficou de fora e as análises sobre os principais competidores.

A revista Época, que nesta semana completa 16 anos de existência, sai com uma edição comemorativa na qual projeta o que, na ideia de seus editores, seria um retrato de um Brasil futurista, localizado exatamente num tempo daqui a 16 anos. O Brasil de 2030, segundo a publicação, teria um sistema educacional como o da Finlândia, o Sistema Único de Saúde parecido com o National Health Service da Inglaterra, a segurança do Japão, a governança da Noruega e assim por diante.

Na capa da revista, esse país futurista seria um “Brasil padrão Fifa”. Ou seja, de repente, a entidade privada chamada Federação Internacional das Associações de Futebol – nome oficial da dona da Copa em português – se transforma em modelo global de eficiência, qualidade, transparência e, surpreendentemente, de honestidade.

Certamente, entre os efeitos do grande evento está a produção de certa amnésia que apaga a memória de tantos escândalos patrocinados pela entidade. Mas é tempo de futebol e, como se sabe, quando a bola começa a rolar, o jornalismo se transfere para as arquibancadas, e a mitológica objetividade vai para o chuveiro.

“Atestado de burrice”

Os manifestantes que estão programando passeatas para os próximos dias não deverão esperar, portanto, muita atenção dos jornais. Os mais devotados às suas causas terão que caprichar nas depredações para ganhar uma fotografia na primeira página.

Candidatos a cargos eletivos que sonham em melhorar sua posição nos rankings de intenção de voto terão que ensaiar rapidamente alguns dos clichês futebolísticos, porque neste período o eleitor se transforma em torcedor.

Apesar de algumas pesquisas indicarem certo desinteresse de parte da população, não há como resistir ao efeito da unanimidade na mídia: são muitos bilhões de reais investidos em publicidade, a mídia vem como um verdadeiro tsunami de euforia e, a partir de agora, o Brasil é oficialmente o anfitrião da festa.

O espírito copeiro está de tal maneira disseminado que a recente declaração do ex-jogador Ronaldo Nazário, que disse se sentir envergonhado com o atraso e a desorganização do evento, perdeu feio para a resposta da presidente Dilma Rousseff, que repudiou o chamado complexo de vira-latas. Os jornais rapidamente priorizaram a resposta da presidente e mandaram o ex-atleta para o vestiário.

Daqui para a frente, e até a metade de julho, o que vale á a agenda da Seleção. Por exemplo, a partir de quarta-feira (28/5), começa a avaliação psicológica dos atletas, pauta que vai representar um grande desafio para os editores, já que a imprensa se tornou dependente de infográficos para descrever tudo que varia e muda de intensidade.

Por outro lado, é de se esperar que não haja quórum para a próxima passeata daqueles insensatos que ainda saem com cartazes onde está escrito: “Não vai ter Copa”. Como sabemos todos, vai, sim, ter Copa. E, como finalmente esclarecem os jornais, não, a Copa não é paga com dinheiro da educação e da saúde.

Nas edições de segunda-feira (26), a imprensa parece dar razão ao articulista da Folha, segundo o qual protestar contra a Copa no Brasil é “atestado de burrice”.