Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A inflação atropela o ministro

Inflação em alta, Guido Mantega em baixa. Ou, em tucanês, idioma classificado pelo lingüista José Simão: o poder do atual ministro da Fazenda varia na razão inversa da inflação acumulada. Isto resume boa parte do noticiário econômico mais importante do final de maio.

A idéia de um fundo federal para comprar dólares e investir no exterior – o tal fundo soberano defendido por Mantega – ficará arquivada por algum tempo. O governo até poderá mandar um projeto ao Congresso, mas o objetivo, nesta altura, é recobrar a estabilidade. Na última sexta-feira do mês (30/5), em Belém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu ‘qualquer sacrifício’, até um ‘remédio amargo’, para evitar uma nova disparada dos preços. É uma nova linguagem, até há pouco tempo desconhecida no repertório do presidente e da maior parte de seus aliados.

Apesar da novidade, nenhum dos maiores jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo destacou a frase de Lula na primeira página. A Folha de S.Paulo chegou a mencioná-la no pé da principal matéria de capa. Mas a Folha e o Estado de S.Paulo deram manchete com a nova meta da política fiscal: o governo promete poupar 13 bilhões de reais a mais do que o programado inicialmente, para controlar a alta de preços.

Todo ouvidos

Com essa mudança, a meta do superávit primário – receita menos despesa, sem contar o serviço da dívida – é elevado, informalmente, de 3,8% para 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB). É o reconhecimento, pelo menos implícito, de uma pressão de demanda sobre os preços. A inflação do ‘feijãozinho’ apontada há algumas semanas pelo ministro da Fazenda já nem é lembrada. Já havia sido desmentida por vários indicadores: segundo alguns, mais de 60% dos preços ao consumidor têm subido.

A idéia de um objetivo fiscal mais ambicioso foi defendida, no governo, em discussões sobre o fundo soberano. Antes de viajar para a América Central e o Caribe, o presidente Lula ouviu economistas de fora do governo sobre o assunto. Na quinta-feira (29/5), o Estadão noticiou: o ministro Mantega recuou da proposta apresentada ao presidente e o fundo será formado apenas com reais, por enquanto, e deverá servir como reforço da política antiinflacionária. A novidade foi contada pelo senador Aloízio Mercadante, na quarta-feira, depois de uma reunião com o ministro da Fazenda e o deputado Antônio Palocci.

O ministro da Fazenda tentou amenizar mais essa derrota, depois, falando num fundo misto – idéia muito estranha, mas, apesar disso, reproduzida pela imprensa. Carlos Alberto Sardenberg, comentarista da CBN e da Rede Globo, foi mais direto do que os colegas de jornal: fundo em reais não é fundo soberano coisa nenhuma.

A situação estava razoavelmente clara, embora os jornais tenham continuado a cobrir o assunto com boas maneiras, sem qualificar com todas as letras a nova derrota política do ministro da Fazenda – também disfarçada, generosamente, pelo presidente Lula. Oficialmente, o projeto do fundo soberano foi mantido, mas não para ser executado neste momento. No domingo (1/6), a Folha de S.Paulo recordou como o presidente foi convencido por pelo menos quatro economistas – Luiz Gonzaga Belluzzo, Antônio Delfim Netto, João Paulo dos Reis Velloso e Aloízio Mercadante – a não usar dinheiro do ‘excedente’ do superávit primário para comprar dólares.

Números preocupantes

Mantega perdeu mais uma parada, portanto, embora o presidente Lula seja aparentemente favorável à criação do fundo soberano e tenha sido pouco propenso, até agora, a usar o esforço fiscal para reforçar o trabalho do Banco Central no combate à inflação. Mais um ponto para o presidente do BC, Henrique Meirelles, embora o anúncio de um objetivo fiscal mais ambicioso seja insuficiente, nesta altura, para evitar um novo arrocho da política de juros.

Mas nem se pode falar, seriamente, de uma política orçamentária mais apertada. O superávit primário tem ficado acima da meta não porque o governo se tenha tornado mais parcimonioso, mas porque a arrecadação federal continua crescendo mais velozmente que o PIB e os investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não deslancharam. Estadão e Folha saíram no domingo (1/6) com grandes matérias sobre projetos de infra-estrutura, mas tocados na maior parte por empresas privadas e pela Petrobras. Dos 15,7 bilhões de reais previstos para o PAC, neste ano, o governo só desembolsou até agora R$ 116,7 milhões, ou 0,74% do total. As despesas de custeio, como de costume, vão muito bem e continuarão a aumentar.

A inflação voltou a ser prioridade nas pautas da imprensa. Ainda está longe de ser a ameaça de outros tempos, mas os números acumulados em 12 meses são considerados preocupantes. ‘Ele abriu os olhos’ foi o grande título de capa de Veja, acompanhado do subtítulo: ‘O que fazer para que o monstro da inflação volte a dormir’. Direta ou indiretamente, grande parte do material publicado nas últimas semanas trata desse tema.

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Jornalista