A semana se encerrou com uma sucessão de manchetes em série, como se fossem apenas repetições de edições anteriores. Dia sim, dia não, os jornais estamparam títulos anunciando que alguém havia recebido algum dinheiro desviado da Petrobras. Em torno desse tema circularam estimativas de valores para o rombo total sofrido pela estatal do petróleo e apostas sobre o que poderia acontecer com a economia do país se as principais empreiteiras fossem declaradas inidôneas.
A nova semana se inicia como um repeteco dos dias anteriores, com mais uma referência a pagamentos de propina, que é manchete na Folha de S. Paulo na segunda-feira (24/11). Mas o próximo alvo, e o mais apetitoso, é o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto. Ele está na capa da revista Época, que aposta todas as suas fichas em que, mesmo sem ter sido indiciado pela Polícia Federal, será um dos próximos alvos da Operação Lava Jato.
Não se pode adiantar qual será o próximo evento relacionado ao escândalo, mas é fácil observar que há um sistema em funcionamento: os empresários presos pela Polícia Federal, incomunicáveis entre si e parcialmente isolados do mundo exterior, têm seus depoimentos recortados e distribuídos em partes para a imprensa diariamente. Assim, ficamos sabendo, por exemplo, que “um empresário” cuja identidade não é revelada recolheu propina de uma empreiteira para destinatários ainda não identificados.
É assim, com fragmentos de informações seletivas, que a mídia tradicional vai formando uma convicção geral na sociedade: a de que não existe negócio com o setor público que não envolva corrupção. Curiosamente, o juiz encarregado do caso proíbe os réus de citar nomes de políticos eventualmente implicados no escândalo. Assim, aquilo que deveria ser uma operação policial exemplar se transforma em ação midiática, na qual os papéis se invertem e a imprensa assume a função de condenar à execração pública, a priori, qualquer indivíduo que tenha um dia feito negócios ou se comunicado com algum dos executivos e empresários presos.
O risco de um fiasco
Segundo um dos advogados que atuam no caso, a situação dos réus lembra o presídio americano de Guantánamo, na ilha de Cuba, cenário de abusos praticados contra detentos. O advogado, conhecido criminalista de São Paulo, diz que a Justiça e a Polícia Federal agem ilegalmente ao usar a prisão como contexto para obter declarações dos acusados, sob pressão, e ao negar acesso dos defensores ao conteúdo de delações premiadas.
As empresas cujos dirigentes estão presos também encontram dificuldade para articular suas estratégias de defesa, porque não têm acesso pleno ao teor das acusações. Assessores de comunicação que trabalham no controle de danos sobre a reputação dessas corporações também são reféns do vazamento de dados a conta-gotas.
No frigir dos ovos, como observa um advogado constitucionalista que acompanha o processo, o julgamento poderá se arrastar indefinidamente ou ter parte das denúncias invalidada, se alguns dos acusados alegarem que foram constrangidos na prisão ou que tiveram seus direitos cerceados. Assim, a associação de interesses entre delegados federais que já tiveram sua isenção política questionada e a imprensa, cuja parcialidade é exibida diariamente, poderá estar transformando em fiasco a grande oportunidade para expor e cauterizar o sistema da corrupção incrustado nas instituições públicas.
Como o noticiário está produzindo a expectativa de uma grande devassa capaz de limpar o campo da política e sanear as relações entre o Estado e a iniciativa privada, uma frustração geral certamente irá afetar o juízo que muitos brasileiros fazem do sistema legal.
Frustração semelhante é manifestada em comentários nas redes sociais criticando os benefícios legais concedidos a políticos condenados na Ação Penal 470, do chamado “mensalão”. Declarações irresponsáveis como a do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, de que a futura composição da corte poderá resultar numa Justiça “bolivariana”, alimentam o ânimo radicalizante de cidadãos pouco educados para a convivência democrática.
Os holofotes da mídia costumam distorcer a realidade. Ao aceitar o jogo da imprensa no escândalo da Petrobras, o Judiciário pode estar entrando em uma perigosa armadilha.