Nelson Mandela evoca uma inspirada e extensa coleção de juízos e sinônimos. Conciliação é o preferido, embora pacificação, convergência, concertação, sinergia, bonomia, tolerância e concórdia tenham aparecido com igual frequência nas homenagens. Apesar da leveza que sugerem, são missões igualmente árduas, difíceis de arrematar.
O conciliador é um radical. A arte do possível – definição que, por comodismo, deu-se à política – é espinhosa, pressupõe o gerenciamento de impulsos opostos, instintos contrastantes, naturezas incompatíveis. Ao desafiar tantos absurdos e improbabilidades, se não for determinado, o conciliador ficará fatalmente no meio do caminho.
Só os obsessivos, obcecados e obstinados sabem como resistir aos atalhos, desvios e à sedução das facilitações. A fabricação do entendimento – uma dos anseios mais complexos da condição humana – exige um gênero de firmeza próximo da irreflexão, uma audácia capaz de confundir-se com delírio. Também a coragem dos suicidas. Não é tarefa para diletantes e impacientes.
É um passe de mágica, uma complicadíssima alquimia capaz de transformar fogo em frescor, aço em seda, crispação em sossego. Completada a conciliação, na euforia da paz, a inevitável pergunta: por que não a tentamos antes? Simplesmente porque não apareceu alguém apto perceber que era a única alternativa. As demais presumiam a gangorra das revanches e a continuação do horror.
Antídoto universal
A conciliação perseguida por Nelson Mandela ao longo de 75 dos 95 anos em que viveu não se resume ao capítulo racial. Foi adiante ao completá-la com a busca por uma conciliação política ou, em outras palavras, pela desideologização do ideal humanista. O ex-comunista que se preparou para pegar em armas, percebeu que não era a solução.
A luta contra apartheid sul-africano universalizou-se graças ao suporte multipartidário, multirreligioso, multicultural e midiático que Mandela conseguiu mobilizar em seu país e no mundo.
O desmanche do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, é geralmente tomado como o fim da Guerra Fria. A libertação de Mandela cerca de três meses depois, em 11 de fevereiro de 1990, varreu a Guerra Fria do âmbito global.
A origem do totalitarismo encontra-se em rancores individuais, no âmago das almas, advertiu Hannah Arendt. Acrescentou o “Madiba” Mandela: a democratização de um país só se completa com a erradicação dos ressentimentos.
No flagrante feito ao sair da prisão depois de 27 anos confinado, o líder rebelde ainda exibia o punho cerrado, mas o braço não estava esticado. A partir de então as mãos foram abaixando, usadas preferencialmente para abraços, saudações, palmas e para acompanhar suas músicas.
Mandela não foi um sucesso como presidente; Barack Obama também não. Ambos, porém, foram decisivos para enfrentar o radicalismo, o fundamentalismo e o extremismo. Estes são os venenos que impedem o progresso. A mágica da conciliação – e não a ciência ou a política – é o seu único antídoto.
Leia também