As edições de terça-feira (24/5) dos grandes jornais de circulação nacional são um exemplo muito educativo para mostrar como uma decisão editorial pode induzir o leitor a interpretações absolutamente opostas sobre o mesmo acontecimento.
O Globo e o Estado de S.Paulo trazem chamadas na primeira página – sendo manchete no Estadão – sobre a determinação da presidente Dilma Rousseff de não aceitar a proposta de anistia aos desmatadores contida no projeto de mudança do Código Florestal. Já a Folha de S.Paulo afirma, desde a primeira página, que o governo cedeu para obter um acordo na base aliada e votar o projeto.
O contexto mais amplo dos fatos noticiados pelos três jornais aponta mais claramente para uma posição de força do governo do que para o recuo insinuado sugerido pela Folha. A concessão feita pelo governo se refere especificamente à flexibilização da regra das áreas de preservação permanente para propriedades de agricultura familiar, mas não era esse o ponto central das discordâncias.
A principal controvérsia se refere à questão da anistia aos desmatadores, ponto em torno do qual a presidente da República deixa claro que não irá negociar.
Princípio da autoridade?
A escolha da Folha de S.Paulo escancara, de maneira nada sutil, uma intenção editorial de mostrar o governo em posição mais vulnerável, e vincula claramente o debate sobre o Código Florestal ao caso envolvendo o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, que é tema da manchete do jornal paulista na edição de terça-feira.
Enquanto isso, nos outros jornais de circulação nacional o tema Palocci volta a ser desvinvulado da questão ambiental e o noticiário sobre a flexibilização da lei de proteção das florestas mostra uma manifestação de força do governo, ao anunciar que vai vetar qualquer proposta de anistia a desmatadores.
A reportagem do Estadão sobre o tema ambiental destaca a determinação do governo de não aceitar qualquer recuo de sua bancada em relação ao acordo feito na semana passada, que não inclui a anistia. O noticiário reforça essa interpretação com o fato de que dez ex-ministros do Meio Ambiente, que ocuparam o cargo nos últimos 38 anos, foram a Brasília para condenar a proposta de flexibilização da legislação. A Folha minimizou esse ato político sem precedentes, que foi destacado pelos demais jornais.
Claramente, a Folha de S.Paulo procura insinuar no leitor uma suposta perda de força da presidente da República, quando os fatos mostram que ela manifesta o princípio da autoridade do Executivo ao estabelecer um limite para as negociações sobre o Código Florestal.
Se isso não é manipular a notícia, melhor falarmos de disco voador.
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Uma questão de linguagem
Um livro didádico tem gerado boas discussões nos últimos dias. Ainda que sem qualquer destaque nos principais jornais paulistas, o livro adotado pelo MEC, que não condena erros de português na língua falada, está ganhando manchetes no Rio de Janeiro e em outras cidades do país.
Heloísa Ramos, autora do livro, propõe a troca das ideias de "certo e errado" por "adequado e inadequado". Assim, determinados erros, como os de concordância, poderiam ser considerados adequados, a depender do contexto. Esse tipo de proposta é defendido por linguistas há tempos, mas só agora ganha força do lado de fora das universidades.
Essa discussão também tem implicações sobre o jornalismo e, por isso, o Observatório da Imprensa na TV relacionará os aspectos linguísticos e midiáticos da questão. Nesta terça-feira (24/5), o programa contará com a presença dos gramáticos Deonísio da Silva e Sérgio Nogueira e do professor da UnB Marcos Bagno, além de entrevistas com acadêmicos, jornalistas e com a secretária da Educação Básica, Maria do Pilar Lacerda.
Alberto Dines
Esta é uma polêmica que não deve ser interrompida: a questão da correção da linguagem falada deveria estar presente em todas as sessões do Congresso, reuniões de pauta, em todas as matérias sobre a qualidade do ensino. É assunto para educadores, políticos, parlamentares, magistrados e, sobretudo, para comunicadores e jornalistas. É por isto que a edição de hoje do Observatório da Imprensa vai ajudar a manter o debate aceso. Pela TV Brasil, ao vivo em rede nacional, às 22h. Em São Paulo pela canal 4 da Net e 116, da Sky..