A mídia tradicional parece ter encolhido na cobertura da folia carnavalesca de 2015. Nas edições de terça-feira (17/2), os jornais emagrecidos pela exiguidade dos anúncios repetem bordões do fim de semana, denunciando o penoso esforço dos repórteres para arrancar alguma novidade da mesmice em que se transformou a mais importante festa popular entre os brasileiros.
Mudou o carnaval ou mudou a imprensa?
Há muitos anos o trabalho dos jornalistas, na narrativa carnavalesca, vem se parecendo com uma legenda colocada no filme errado, na medida em que o espetáculo supera a celebração da alegria. Na cobertura televisiva, os comentários de repórteres, colunistas e outros observadores convidados mais atrapalham do que ajudam o telespectador, pelo excesso de lugares-comuns e pelo abuso de pleonasmos viciosos. Ou descompasso ou a redundância entre o que aparece na tela e o que dizem os comentaristas transformam a audiência em puro tédio.
Nos jornais, pode-se imaginar o corre-corre dos repórteres em busca de alguma novidade, em meio à natural confusão que caracteriza o evento.
Embora tudo pareça perfeitamente sincronizado para o público, os bastidores dos grandes desfiles são uma verdadeira aula de improviso, e é daí que nascem alguns dos melhores momentos da crônica carnavalesca. Mas neste ano a grande novidade não está na área de concentração e apronto nem na passarela: a polêmica é a homenagem da escola de samba Beija-Flor ao ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang.
Teodorín, filho primogênito do tirano e um de seus vice-presidentes, ganhou reportagens curiosas, na qual aparece como o extravagante bilionário que negociou o patrocínio de R$ 10 milhões concedido à escola que celebrizou o carnavalesco Joãozinho Trinta. A imprensa faz referência ao fato de que ele é alvo de investigação na França, por corrupção e lavagem de dinheiro, mas a curiosidade natural dos jornalistas foi muito curta, suficiente apenas para informar que ele tem negócios também no Brasil.
Mesmo em tempo de folia, seria interessante apurar se os mais de US$ 600 milhões que ele transferiu para o Brasil recentemente teriam alguma conexão com empresas de fachada e operadores de ruidosos escândalos.
Descarnavalizando a festa
Mas parece que o carnaval amolece os cérebros da imprensa. Se não fossem os índices pluviométricos, que se transformaram em quesito essencial para a popularidade de governantes, os editores teriam que rebolar, literalmente, para preencher as colunas de seus jornais e o tempo do noticiário televisivo. Não houvesse o estoque de vazamentos da Operação Lava Jato, que os editores administram como um tesouro, não haveria manchetes.
Mas as graças de Momo favorecem a mídia: a crescente preferência dos moradores das grandes cidades pelas confraternizações a céu aberto dá nova vida aos antigos blocos de foliões, de onde se podem sacar pautas sobre diversos assuntos, desde os números da violência – que parece ter diminuído bastante neste carnaval – até os corriqueiros registros sobre o uso das ruas como banheiro público
A diferença entre a cuidadosa organização das passarelas oficiais de desfiles das grandes escolas e o espaço improvisado em áreas residenciais para a diversão dos anônimos é justamente a distinção entre espetáculo e celebração. E deve-se registrar, também, aquele fenômeno das celebridades e das eternas candidaturas a um flash dos fotógrafos, que se matam por uma citação nas colunas de fofocas. No fim, os editores ainda precisam agradecer aos batalhões de assessores de imprensa e relações-públicas contratados para garimpar uma citação, uma referência, pela oferta daquelas notas de cinco linhas que irão preencher suas páginas.
Também é preciso observar que desapareceram das redações os clássicos cronistas do carnaval, os “catedráticos do samba”, como registrou Alberto Dines há dez anos (ver “A ‘descarnavalização’ na mídia”). Eles tiveram o mesmo destino dos cronistas do turfe – um arquivo perdido no memorial da imprensa – da mesma forma como parecem condenados ao passado os críticos de teatro e da boa música, todos engolfados pela espetacularização da notícia e da cultura.
Como antecipou Dines, o carnaval foi descarnavalizado, assim como vemos o futebol sendo desfutebolizado, o samba dessambalizado, a economia politizada e a política monetizada.