Previsto na Constituição de 1988 e instituído em 1991 para auxiliar o Congresso Nacional em assuntos relativos à mídia, o Conselho de Comunicação Social (CCS) começou a funcionar efetivamente em 2002. Em reuniões mensais, o órgão discutiu e emitiu pareceres sobre temas de interesse público, como concentração da mídia, TV digital, TV por assinatura e convergência dos meios de comunicação. Mas desde o final de 2006 o conselho está parado. A Mesa Diretora do Senado não promoveu a eleição dos membros para o próximo biênio, apesar de a lista estar pronta desde o final da última gestão. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (25/3), ao vivo, pela TV Brasil e TV Cultura, discutiu as causas e conseqüências da inatividade do órgão por um período tão longo.
O advogado e jornalista José Paulo Cavalcanti Filho, que presidiu o conselho por três anos, participou do programa em Recife. Em Brasília, estiveram a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que apresentou um relatório solicitando explicações sobre a paralisação do CCS, e o professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo César Ramos. O jornalista Audálio Dantas participou em São Paulo.
José Paulo Cavalcanti Filho
, advogado e jornalista, presidiu o Conselho de Comunicação Social de sua instalação, em junho de 2002, até 2005. É especializado em questões da comunicação e foi ministro da Justiça no governo José Sarney.Murilo César Ramos é doutor em Comunicação pela University of Missouri-Columbia (EUA). É professor da faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, onde coordena o Laboratório de Políticas de Comunicação.
Audálio Dantas, jornalista, é vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo e o primeiro presidente da Fenaj. Fez parte do grupo que discutiu a criação do Conselho de Comunicação Social.
Luiza Erundina, assistente social e mestre em Ciências Sociais, é deputada federal pelo PSB-SP. Foi prefeita de São Paulo em 1989 pelo PT. Apresentou um requerimento pedindo explicações sobre a paralisação das atividades do Conselho de Comunicação Social.
A mídia na semana
Na abertura do programa, o jornalista Alberto Dines analisou a cobertura da imprensa brasileira na renúncia do governador de Nova York, Eliot Spitzer, envolvido com prostituição: ‘Nossa mídia vibrou com o feito da brasileira [Andréia Schwartz]. Na falta de heroínas, serve qualquer uma’. Dines também comentou uma das conclusões do relatório ‘Estado da Imprensa 2008’, divulgado dia 17/3 nos Estados Unidos. O estudo aponta uma desaceleração do ritmo de crescimento do chamado jornalismo-cidadão. Os internautas teriam diminuído a produção de conteúdos informativos, preferindo o vandalismo, o que teria ocasionado o aumento do controle sobre os blogs. O último tema foi o pedido de desculpas de jornais ingleses aos pais da menina Madeleine, desaparecida ano passado no Algarves, em Portugal. Dines explicou que o pedido não foi motivado por remorsos – por terem levantado suspeitas de que os pais estariam envolvidos com o seqüestro da menina – mas sim uma decisão judicial.
Antes do debate ao vivo, o apresentador fez um editorial sobre o Conselho de Comunicação Social. ‘A Constituição não está sendo cumprida, é uma violação da sua integridade. Estamos diante de mais um caso de letargia assassina: a grande mídia não se importa com o destino do Conselho já que nunca simpatizou com um organismo que pode criticá-la no Congresso. Os congressistas, por sua vez, também não se importaram com a evaporação do Conselho de Comunicação Social porque ele eventualmente pode sugerir o fim de alguns dos seus privilégios. E o governo, obviamente, não pode interferir na esfera legislativa’, avaliou [abaixo, a íntegra do editorial].
A reportagem exibida após o editorial mostrou a opinião de Arnaldo Niskier, ex-presidente do CCS, sobre a paralisação do órgão. Niskier disse que encaminhou o processo para a Mesa do Congresso e que há mais de um ano o assunto não é ativado. ‘Na verdade o conselho é um grande buraco negro de desrespeito à Constituição’, disse. O ex-presidente questionou se a paralisação seria proposital, para evitar a discussão de temas como a convergência tecnológica. O diretor do Comitê de Relações Governamentais da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Paulo Tonet, que representou o grupo na última gestão do CCS, contou que todas as entidades indicaram seus representantes e solicitaram que as eleições fossem efetivadas. José Carlos Torves, diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirmou que a instituição sempre se manifestou e denunciou a paralisação do conselho.
Fabiana Della Mana, mestre em Direito Constitucional PUC-SP, explicou que o conselho é um órgão de debate, de auxílio ao Congresso Nacional em temas relacionados à mídia, e uma instância para a sociedade opinar. O jornalista Artur da Távola, que foi relator da matéria sobre comunicação na Constituinte, frisou que não pode haver um conselho corporativo. ‘O conselho, cuja finalidade era dar parecer sobre a qualidade de programação de rádio e TV na hora de renovar as concessões, deixou de ser isso e passou a ser uma burocracia que chancelava a papelada’, criticou.
Regulação vs. consulta
No debate ao vivo, a deputada Luiza Erundina afirmou que a paralisação do CCS é uma questão importante para a democratização dos meios de comunicação social no Brasil, e contou que lutou pela criação, instalação e efetiva implantação do órgão. Erundina disse ter tido a expectativa de que o espírito definidor do CCS na Constituição pudesse ser respeitado, mas que hoje está frustrada porque o órgão funciona com um caráter meramente consultivo e de total subordinação à Mesa Diretora do Senado.
José Paulo Cavalcanti Filho explicou que o conselho pode ser compreendido dentro de duas variáveis. Na primeira, mais ambiciosa, o CCS funcionaria como uma reprodução de experiências já existentes em outros países como Itália, Estados Unidos e França. No Brasil, um exemplo deste modelo seria o Tribunal de Contas da União (TCU), que nasceu como órgão auxiliar do poder legislativo e posteriormente ganhou autonomia. A outra visão compreende o órgão como um fórum de debates que deveria representar a sociedade brasileira. O ex-presidente do CCS afirmou que se esforçou para viabilizar o primeiro modelo, mas que não foi possível porque o governo não tem uma política de comunicação nem existe uma unidade de ação entre as diversas esferas do poder sobre este tema.
O conselho não atendeu às expectativas, na avaliação de Audálio Dantas, que participou da luta pela criação do CCS. Para ele, a representação da sociedade no conselho deveria ser mais ampla. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entidade da qual é vice-presidente, estava representada na formação do primeiro conselho, mas perdeu a vaga na segunda formação.
Murilo César Ramos lamentou que a história do conselho fosse marcada por contradição, luta e desprezo. O professor afirmou que o conselho foi criado para ser um órgão regulador e que não era radical – pelo contrário, representaria um avanço. Na elaboração da Constituição é que teria passado a ser um auxiliar do Congresso, o que se converteu em sua primeira derrota. O primeiro episódio de desprezo foi a demora para sua instalação. O início das atividades do conselho teria sido eficaz, mas depois o órgão teria ‘evaporado’. Murilo Ramos cobrou do movimento social pressão para que o CCS seja reinstalado.
A representação da sociedade
Luiza Erundina disse que tem a impressão que o os parlamentares não se dão conta da existência do mecanismo, e por isso não o valorizam e não o defendem. A deputada afirmou que está tentando sensibilizar outros parlamentares e lembrou que a audiência pública que ela requereu sobre o tema, e que já está aprovada, é um passo importante. Para que a sociedade estivesse efetivamente representada no CCS, seria preciso alterar a essência da indicação dos nomes que a representam. Segundo Erundina, o método para sugerir os nomes não é claro. ‘É muito frágil o mecanismo que teria que ter como vocação maior, na minha avaliação, o controle social’, criticou. A concepção do conselho não teria garantido a sua eficácia e as representações precisariam de respaldo da sociedade.
‘Faltou um pouco de fibra ao conselho’, observou José Paulo Cavalcanti Filho. O ex-presidente explicou que quando se encerra o mandato dos conselheiros, ele é prorrogado automaticamente até a posse os próximos. O mandato de 2002 terminou em junho de 2004, e a posse dos novos titulares só ocorreu em fevereiro do ano seguinte. ‘Do ponto de vista técnico, o conselho não está funcionando porque não quer. Porque, tecnicamente, enquanto não houver a indicação dos novos membros, continua sem nenhum problema, como é a regra no Brasil para os conselhos’. Cavalcanti Filho lamentou a falta de debate a respeito de temas como a escolha do padrão para transmissão digital no país.
Audálio Dantas questionou se o Congresso Nacional teria interesse em ser assessorado pelo CCS e discutir abertamente questões da comunicação, como as concessões de canais de TV e de rádio a parlamentares. Para Murilo Ramos, não existe no mundo ambiente de rádio e de TV mais desregulamentado e desregulado que no Brasil. O Conselho de Comunicação Social não seria aceito pelo patronato da radiodifusão como um elemento de crítica das suas questões. Neste sentido, seria imprescindível criar um novo marco regulatório.
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O retrocesso melancólico do CCS
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV exibido em 25/3/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A Constituição deve ser cumprida na íntegra ou pode ser usada parcialmente? É um instrumento orgânico, integrado e indissolúvel ou é uma espécie de guarda-roupa do qual se aproveitam algumas peças e outras se descartam?
Na Constituição de 1988, que agora completará 20 anos, foi prevista a criação de um Conselho de Comunicação Social. O artigo 224, de apenas três linhas, provocou demorada discussão entre os empresários de comunicação e as entidades profissionais.
Aprovado, só foi instalado em 2002, 14 anos depois de promulgada a Constituição. O Conselho funcionou a pleno vapor no primeiro mandato (2002 a 2004) e foi se esvaziando no segundo mandato (2005-2006). Em 2007 ficou paralisado e nestes quase quatro meses de 2008 sequer teve os nomes dos conselheiros indicados.
As importantíssimas discussões no ano passado sobre TV digital, transmissão de informações pelos celulares e TV pública – para citar os temas mais importantes – correram à revelia do Conselho. À revelia do Conselho e da sociedade, já que o Conselho é o órgão técnico destinado a assessorar os representantes do povo em matérias relativas à imprensa e mídia.
A Constituição não está sendo cumprida, é uma violação da sua integridade. Estamos diante de mais um caso de letargia assassina: a grande mídia não se importa com o destino do Conselho, já que nunca simpatizou com um organismo que pode criticá-la no Congresso. Os congressistas, por sua vez, também não se importaram com a evaporação do Conselho de Comunicação Social porque ele eventualmente pode sugerir o fim de alguns dos seus privilégios. E o governo, obviamente, não pode interferir na esfera legislativa.
A sociedade assiste impassível a um melancólico retrocesso. Não entendeu a utilidade do Conselho de Comunicação Social. Não entendeu porque não lhe explicaram.
Este Observatório não vai desistir.
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