Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A questão da narrativa

Como não poderia deixar de ser, a possibilidade de uma reviravolta no julgamento da Ação Penal 470 é o tema principal dos jornais nas edições de quinta-feira (12/9). Ao se encerrar a sessão do dia anterior, já haviam sido consignados quatro votos em favor da aceitação de um recurso jurídico que daria a 12 dos 25 condenados o direito a uma revisão no julgamento. Mais dois votos e estará garantida a maioria entre os onze magistrados que compõem o plenário do Supremo Tribunal Federal.

A imprensa relata minuciosamente os votos que abriram o precedente para uma condenação sem prisão dos réus cujo destino tem causado muita polêmica: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o deputado José Genoíno e o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares.

Se, na sessão prevista para quinta-feira (12), mais dois ministros admitirem o recurso dos embargos infringentes, previstos nos casos em que houve condenação por pequena margem, será necessário nomear um novo relator e um novo revisor, o que poderá alterar radicalmente a tendência apresentada até aqui pelo STF e estender o processo até o final de 2014.

Os principais diários de circulação nacional destacam aspectos técnicos e políticos do caso, mas a questão central, no que se refere à observação da imprensa e não apenas da questão jurídica, é abordada isoladamente somente pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Se os ministros do Supremo Tribunal Federal aceitarem novo julgamento, os ex-integrantes da cúpula do PT já condenados poderão ser absolvidos da acusação de formação de quadrilha. “Mais do que livrá-los da punição – e garantir penas menos rigorosas –, a decisão pode promover uma mudança na narrativa política que tem desgastado o partido desde a eclosão do escândalo, em 2005”, afirma o jornal paulista.

Esse aspecto do acontecimento – sua narrativa – tem sido o ponto central dos registros sobre o escândalo, o que produz um fenômeno instigante do ponto de vista da comunicação.

Desde que se tornou pública a denúncia feita em maio de 2005 pelo ex-deputado Roberto Jeferson, presidente do PTB, a narrativa influencia os fatos, criando um círculo no qual a verdade se tornou um objeto menos relevante que suas versões. Por isso, a constatação referida no texto do Estado de S. Paulo merece ser destacada. Ela expõe a influência que a mídia tradicional ainda exerce sobre as instituições, mas não necessariamente sobre a sociedade, porque, mesmo com um discurso hegemônico pedindo a condenação dos acusados, a imprensa não impediu duas vitórias eleitorais do Partido dos Trabalhadores, no poder federal durante esse período.

Expectativa contrariada

Desde o princípio, devido ao natural interesse despertado pelo assunto, o Supremo Tribunal Federal tem suas entranhas exibidas no noticiário quase diariamente, numa narrativa que rapidamente foi apropriada pela imprensa e transformada em instrumento de ação política – claramente em favor da oposição ao partido no Executivo federal.

Não são poucas as análises sobre eventuais efeitos dessa exposição intensa e excessiva dos magistrados, e são muitas também as avaliações sobre uma possível contaminação do juízo dos ministros como resultado direto de sua transformação em celebridades. O caso mais notório deles é o do atual presidente da corte e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que foi transformado em paladino da Justiça pela ação da imprensa.

Com os nervos em frangalhos pelo agravamento de suas dores lombares durante as longas sessões de debates, e por causa de um temperamento explosivo, o ministro Barbosa navegou em águas polêmicas ao longo desse período, e acabou por figurar nas especulações sobre a eleição presidencial de 2014.

Tudo isso e muito mais tem sido parte da narrativa política a que se refere o jornal paulista.

Agora que uma visão técnica confronta em condições mais ou menos igualitárias a abordagem política que, segundo alguns analistas, predominou até aqui durante o julgamento, essa narrativa tende a mudar. No entanto, fixou-se no imaginário da sociedade que a condenação dos principais protagonistas do escândalo deve incluir obrigatoriamente uma temporada na prisão. E, com mais dois votos, essa possibilidade se tornará remota.

Então, o que fazer da narrativa produzida pela corte suprema em ação consorciada com a imprensa?

Os jornais se referem a preocupações do governo federal com o atraso provável do julgamento, que faria coincidir os debates principais com a eleição presidencial. Mas esse é apenas um dilema partidário. A questão cai agora no colo da própria imprensa: a narrativa do caso fez com que, para milhões de cidadãos, a prisão dos acusados se transformasse em ponto crucial para a reputação da Justiça. Um resultado diferente seria considerado como a folclórica “pizza”.

Que ideia do Judiciário os jornais vão vender, se o STF acabar contrariando suas expectativas?