Nos jornais de domingo (21/7), chamam atenção reportagens sobre um dos temas que ganharam a agenda pública depois das manifestações de rua que paralisaram grandes cidades brasileiras no mês de junho. O Estado de S. Paulo relata o interesse de médicos espanhóis em vir trabalhar no Brasil, enquanto médicos brasileiros que vivem no exterior pensam em voltar para casa. Já a Folha de S. Paulo foi à periferia da capital paulista constatar que, mesmo com salários melhores, as regiões mais distantes do centro da cidade são as que mais perderam médicos nos últimos quatro anos.
Na reportagem do Estadão, ficamos sabendo que, entre os 11,7 mil médicos que já se inscreveram no programa de incentivo do governo federal, 2,3 mil se diplomaram fora do Brasil, mas só 915 deles são estrangeiros. A maioria dos profissionais com diploma no exterior que se interessam em trabalhar no Brasil são brasileiros mesmo, que estudaram fora e por lá ficaram. Segundo o jornal, eles estão entusiasmados com a possibilidade de ganhar mais, ter o diploma validado e viver no Brasil. Em outro texto, o Estado fala sobre a disposição de médicos espanhóis de aceitar a proposta do governo brasileiro, para fugir da instabilidade econômica e social no seu país.
Na Folha, um infográfico mostra que, dos oito distritos da capital paulista que mais perderam médicos, seis ficam a mais de 20 quilômetros do centro. Isso significa que a falta de profissionais é proporcionalmente maior quanto mais distante dos bairros onde há melhor qualidade de vida. Há, portanto, uma escolha preferencial dos médicos por ocupar postos da rede pública mais próximos de suas residências. Na mesma página há outro quadro, mostrando que, além de sofrer com a falta de profissionais, os bairros mais distantes do centro são os lugares onde o número de médicos diminuiu mais entre 2009 e 2013.
A reportagem da Folha é complementada por entrevistas e relatos, nos quais aparece uma rotina desumana imposta a pessoas que precisam dos serviços de saúde nos bairros periféricos. A situação afeta principalmente crianças e idosos, e é agravada pela carência de transporte público, quando os pacientes são obrigados a se deslocar em busca de atendimento específico.
Emergência social
Nesta segunda-feira (22/7), a imprensa traz a notícia de que o Conselho Federal de Medicina ingressou com uma ação civil pública na Justiça Federal, pedindo a suspensão do projeto Mais Médicos. A justificativa se concentra na contratação de médicos diplomados no exterior sem a revalidação do diploma e sem comprovação de domínio da língua portuguesa.
O texto basicamente igual, publicado pelos três principais jornais de circulação nacional, indica que a fonte é o mesmo press release distribuído pela entidade, que também divulga em seu site sua disposição de romper unilateralmente as relações com o governo federal, retirando-se de todas as comissões, câmaras e grupos de trabalho junto aos Ministérios da Saúde e da Educação.
A instituição que representa os médicos brasileiros admite ter participado de discussões, desde 2011, sobre a necessidade de internalizar um grande número de profissionais onde eles fazem falta, e acusa o governo de haver tomado decisões de forma unilateral e autoritária. No entanto, a iniciativa de romper o diálogo, retirando-se dos órgãos consultivos, pode isolar a entidade, num contexto em que a falta de médicos impõe medidas emergenciais.
Além disso, os jornais esclarecem que os médicos que vierem do exterior deverão passar por três semanas de capacitação, com uma carga mínima de 120 horas, para se familiarizar com regras brasileiras para o setor e com a nomenclatura associada às doenças mais comuns.
O Conselho Federal de Medicina afirma que a Medida Provisória que criou o programa Mais Médicos não é urgente e pede que ela seja suspensa pelo Judiciário. A leitura dos jornais indica que a imprensa faz restrições a alguns aspectos do projeto, mas considera que a falta de médicos é uma emergência social.
Pode-se afirmar que a área da saúde é uma das grandes causas de descontentamento dos brasileiros, tanto daqueles que vivem onde não há médicos, quanto daqueles que contam com um sistema privado de seguridade, no qual o trabalho do médico geralmente se resume a uma conversa de dois minutos e um olhar transversal sobre exames clínicos.
Resta saber o que dirá a Justiça.
Claramente, essa crise é mais um episódio do confronto entre a sociedade e as instituições que se consolidaram durante o processo de redemocratização do Brasil. O interesse corporativo é saudável até o ponto em que, na defesa do melhor para os seus, esquece o que é essencial para a maioria.