Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A tentação autocrática de Sarkozy

A televisão pública francesa existirá daqui a cinco anos? Sem dúvida. Mas não será mais a mesma.


Na semana passada, o presidente Nicolas Sarkozy confirmou, definitivamente, as novas regras para o funcionamento dos canais públicos, reunidos sob a holding France Télévisions: ele mesmo nomeará o presidente da empresa estatal. Subentendido, ele escolhe o big boss de France Télévisions e, como conseqüência, controla a política do serviço público audiovisual francês. E para financiar o buraco criado com o fim da publicidade depois do horário das 20 horas – segunda medida decidida por Sarkozy – será criada uma taxa sobre os serviços das empresas de telecomunicação e sobre as empresas de acesso à internet. Que, aliás, não gostaram nada da medida.


‘Sarkozy não tem possibilidades de comprar redes de televisão, ao contrário de Silvio Berlusconi. Então, decide controlar as públicas. Com uma mistura de brutalidade e cinismo’, escreveu o Le Monde em editorial na edição de quinta-feira (26/6). ‘A missão dos canais públicos – informar, instruir e divertir os franceses – é importante demais para deixar o controle nas mãos de um único homem, mesmo que ele seja o presidente da República’, concluiu o editorial.


Os jornalistas e funcionários dos canais públicos já fizeram diversas manifestações de repúdio às mudanças anunciadas pelo presidente, depois da nomeação, em janeiro, de uma comissão para propor soluções para a substituição dos recursos que vêm da publicidade. As contas ainda não fecharam para substituir os 850 milhões de euros perdidos em publicidade depois das 20 horas. E ainda vai haver o custo adicional de produção de programas que ocuparão o espaço liberado pela publicidade. O total foi calculado em 1,2 bilhão de euros – que não se sabe ainda muito claramente de onde sairão.


Reações hostis


Quem ganha com as novas regras do jogo? Os donos dos canais privados que vão ver a publicidade canalizada maciçamente para suas redes. Um deles, Martin Bouygues, é o proprietário da líder de audiência, TF1, espécie de Rede Globo na forma e no conteúdo, que está perdendo pontos de audiência de maneira contínua. Por acaso, Bouygues é um dos melhores amigos do presidente.


A imprensa de esquerda reagiu negativamente ao que é considerado como uma ingerência (mais uma) do presidente no serviço público. As reações foram de hostilidade clara. Basta ler os títulos dos jornais no dia seguinte (quinta, 26/6) ao anúncio das novas regras:


** ‘Nicolas Sarkozy, la main sur la télécommande’ (Nicolas Sarkozy, a mão no controle remoto) – Libération


** ‘L´Elysée revendique la tutelle sur la télévision publique’ (O Eliseu reivindica a tutela sobre a televisão pública) – Le Monde


** ‘Sarkozy étrangle le service public’ (Sarkozy estrangula o serviço público) – L’Humanité


‘Formidável regressão’


O presidente havia anunciado sua intenção de suprimir a publicidade em janeiro deste ano. Ato contínuo, nomeou uma comissão para estudar o problema. Ao considerarem que faziam papel de figurantes, pois não teriam nenhum poder de mudar o curso da reforma, os deputados socialistas que a compunham abandonaram a comissão no meio do caminho com uma entrevista coletiva para explicar a decisão.


Ao ter conhecimento do resultado apresentado pela Comissão Copé, o senador comunista Jack Ralite declarou: ‘Estamos numa democratura’ (misto de democracia e ditadura). Ralite diz que o governo decretou a morte lenta de France Télévisions. Desde que o presidente anunciou sua intenção de suprimir a publicidade da TV pública, os canais públicos já perderam 26% da publicidade total.


Nicolas Sarkozy sonha com o poder de Berlusconi sobre o audiovisual? Parece que não é outra sua obsessão.


No seu editorial, o diretor de Libération, Laurent Joffrin, escreveu:




‘Perigosamente influente no audiovisual privado, o hiperpresidente coloca agora o setor público sob seu controle direto. A França levou décadas para se liberar, mesmo que de forma imperfeita, de uma sujeição arcaica do setor público ao poder. Agora ela volta ao passado com um único gesto. Sob o pretexto de modernização, vivemos uma formidável regressão’.

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Jornalista