Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Acusações contra as pesquisas eleitorais

As pesquisas eleitorais, com todo o potencial de manipulação e indução de voto que alegadamente trazem em seu bojo, constituem o mais recente pomo de discórdia da presente eleição presidencial.


Já no ano passado, as declarações céticas quanto ao crescimento da candidatura Dilma Rousseff (PT) perpetradas pelo do presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, causaram polêmica e atiçaram suspeições em relação ao instituto, prefigurando o clima belicoso ora vigente.


As presentes acusações tiveram origem no dia 27 de março, quando o Datafolha publicou pesquisa de intenção de votos na eleição presidencial apresentando um quadro notoriamente diverso daqueles apresentados pelo Vox Populi, pelo Sensus e pelo próprio Ibope, reiteradamente acusado de nutrir afinidades com José Serra (PSDB): a diferença do candidato tucano para a segunda colocada, que diminuíra nos demais institutos, só no Datafolha aumentara para expressivos 9 pontos (36 a 27%).


A polêmica que, naturalmente, a pesquisa despertou acabou por gerar uma batalha jornalística com tinturas eleitorais. Tão logo o Sensus divulgou uma nova pesquisa, na terça-feira (13/4), apontando empate técnico entre os dois candidatos (Serra 32,7% x Dilma 32,4%), a Folha de S. Paulo lançou uma série de questionamentos metodológicos e acusações contra o instituto. Ao incluir o Vox Populi e elevar o tom dos ataques, acirrou-se uma dicotomia entre o Datafolha e dois de seus principais concorrentes.


Uma das principais ‘acusações’ contra a pesquisa do Sensus é que, como fora encomendada por uma entidade trabalhista – o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada no Estado de São Paulo (Sintrapav) –, seria tendenciosa. Trata-se de uma modalidade de questionamento que o jornal não faz quando o levantamento é patrocinado por entidades sindicais patronais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), prática rotineira há várias eleições.


Ato contínuo, na quarta-feira (14/4) em que tais acusações pululavam nas páginas da Folha de S.Paulo, o PSDB protocolou no TSE representação contra o Sensus, que segundo o advogado do partido, Ricardo Penteado, não teria respeitado o prazo de cinco dias entre o registro da pesquisa e sua divulgação. Na sexta-feira (16), o instituto entregou a documentação referente à pesquisa, que será objeto de auditoria por parte de peritos contratados pelo PSDB. O resultado, segundo o blog de Brizola Neto, seria que ‘até agora não [se] produziu coisa alguma sobre eventuais irregularidades. A única notícia que há é a de que o estatístico contratado pelos tucanos declarou à Folha não haver indícios de fraude’.


Histórico de suspeitas


Como é de conhecimento público, no Brasil há um histórico de suspeitas relativas a pesquisas eleitorais e à sua alegada influência no resultado de alguns pleitos importantes. Para mencionar só as mais significativas, cabe lembrar que Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989, chegou a amargar, por meses, o quarto lugar e depois, até as vésperas das eleições, o terceiro lugar nas pesquisas, as quais acabaria disputando palmo a palmo com Fernando Collor de Mello.


Luiza Erundina, a duas semanas da eleição para a prefeitura municipal de 1988, ocupava o terceiro lugar nas pesquisas, tendo à frente João Leiva, o pouco conhecido candidato peemedebista, e na última projeção divulgada antes das eleições estava atrás de Paulo Maluf, a quem derrotaria nas urnas.


Como registra o Instituto Gutenberg, em 1998, às vésperas da eleição para governador de São Paulo, as pesquisas do Datafolha auferiam a seguinte ordem de classificação: Paulo Maluf em primeiro, seguido por Francisco Rossi, Mário Covas e Marta Suplicy. Tal quadro teria desempenhado papel fundamental na migração de ‘votos úteis’ da esquerda para Covas, de forma a evitar que a direita monopolizasse o segundo turno. Ao final, o candidato tucano seria eleito, derrotando Maluf, deixando Marta em terceiro e Rossi em quarto lugares – uma sequência bem diferente daquela sugerida pelo Datafolha.


Em seu blog, Arnobio Rocha lembra ainda o caso envolvendo a candidata petista à prefeitura de Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle, em 1985, e as suspeitas que recaíram sobre a alegada ação conjunta Rede Globo-Ibope nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982, visando impedir a vitória de Leonel Brizola, que enfim se consumou.


O fator ‘ditabranda’


Além dos antecedentes questionáveis do Datafolha, agrava a situação o fato de o instituto pertencer ao mesmo grupo empresarial que controla um jornal que tem de tempos em tempos violado a ética jornalística – nominalmente, com a publicação da ficha policial falsa de Dilma Rousseff, com o ataque aos professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides, com o patrocínio do factóide Lina Vieira, com o ataque aloprado e sem provas de César Benjamim à honra de Lula, entre outros episódios não menos graves.


Mas mesmo sem levar em conta tal, com o perdão do trocadilho, folha corrida, há indícios realmente perturbadores de manipulação da última pesquisa presidencial do Datafolha. Para começar, o instituto forneceu ao TSE um plano amostral que não foi cumprido. Ou seja, ao invés de basear a seleção da amostra de eleitores nos critérios do IBGE – como alegou oficialmente ao tribunal que faria – o instituto preferiu dar um peso desproporcional ao eleitorado de São Paulo, de forma ainda mais aguda em relação à capital do estado.


Também o salto de 10 pontos de José Serra na Região Sul mesmo antes do lançamento oficial da candidatura, sequer esboçado nas pesquisas dos demais institutos, não encontra explicação plausível nem no âmbito da análise política nem da Estatística.


Reforça a sensação de estranheza dos números do Datafolha a maneira pela qual a última pesquisa foi divulgada. Ao invés de ocupar as manchetes do jornal, como de praxe, ela foi ‘vazada’ para a revista Veja, que a publicou em primeira mão. O que estaria por trás desse incomum estratagema?


Reações na sociedade


As dúvidas e acusações relativas às pesquisas eleitorais começaram, após a divulgação da última pesquisa Datafolha, a despertar reações também entre os apoiadores de Dilma Rousseff. Embora o PT, aparentemente seguindo a linha ‘paz e amor’ consagrada por Lula, tenha até agora evitado o confronto direto, o Movimento dos Sem Mídia, comandado pelo blogueiro Eduardo Guimarães, promete protocolar ainda esta semana representação no Ministério Público Eleitoral (MPE) solicitando investigação sobre as pesquisas eleitorais.


Nas palavras de Guimarães – que liderou, em março de 2009, a bem-sucedida manifestação contra a Folha de S.Paulo pelo emprego do neologismo revisionista ‘ditabranda’ –, ‘um ou mais desses institutos está ou estão mentindo’ e o aprimoramento da democracia brasileira pediria uma investigação a respeito.


Há resistências. Em seu blog – que apresenta gráficos altamente sugestivos relativos à evolução comparativa das pesquisas eleitorais – alguns questionam tanto se o enfrentamento é a melhor opção como se a Justiça seria realmente confiável. De minha parte, embora concorde com Guimarães quanto à necessidade de aprimorar a inserção e a conduta dos institutos de pesquisa como forma de consolidar a democracia no país, nutro o receio de que o acirramento as disputas jurídico-eleitorais e o descrédito generalizado dos institutos de pesquisa interessam tremendamente às forças que, como o fizeram em 1964, querem produzir a sensação de desordem e de instabilidade democrática.


E não creio que será o resultado de uma investigação do MPE, seja o resultado qual for (mesmo porque nada indica que a mídia irá respeitá-lo e divulgá-lo de forma condizente), que as fará recuar. Pelo contrário. Mas trata-se, sem dúvida, de uma boa causa e de uma luta honrada.

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Jornalista e cineasta, doutorando em Comunicação pela UFF; seu blog