Coisa de profissionais: a saída de cena de Antonio Palocci foi planejada e executada com esmero – tudo sincronizado, timing perfeito, nenhum lapso ou imprevisto.
Primeiro arma-se uma pseudo-satisfação à sociedade através de duas entrevistas “exclusivas”, quase simultâneas, em veículos respeitáveis, na véspera de um fim de semana para abafar eventuais insatisfações. Servirá também para humanizar o acusado e apresentá-lo como figura tranqüila, articulada, transbordante de bom senso e boa-fé. Tarefa cumprida.
Em seguida, na segunda-feira (6/6), o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, comunica o arquivamento da denúncia de enriquecimento ilícito por não configurar transgressão penal. E, na terça, antes que se arme um tsunami político, num gesto de renúncia e humildade o ministro pede demissão irrevogável.
Noções elementares
O lado bom: descobrimos que o país dispõe de um excelente time de gestores de crise. O estrago causado pela denúncia de enriquecimento ilícito do ministro-fiador da política econômica foi cirurgicamente circunscrito. Como não houve crime, não há o que investigar e assim todos viverão felizes para sempre.
O lado lamentável: numa sociedade bacharelesca, cartorial, empenhada primordialmente em disfarçar delitos, treinada há séculos na sublime arte das indulgências e complacências, o Bem e o Mal são definidos tão somente pelo Código Penal. Não há outros parâmetros, regras e convenções para julgar gestos, comportamentos e desempenhos.
A sutil e persistente transformação de pecados capitais em pecadilhos venais joga na lata do lixo valores que a humanidade construiu com grande esforço para diferenciar-se das bestas. Este é o custo Brasil.
O Caso Palocci desvendou uma potência emergente, esperançosa, cheia de si e rigorosamente desamparada no plano moral. Esta terra exuberante está sendo transformada no cemitério da ética, necrópole da decência, sepulcrário do decoro, cova da probidade. Aqui está sendo construído um império do cinismo onde as malfeitorias são tipificadas no plano material, desvinculadas de qualquer aferição espiritual ou até mesmo estética – evaporou-se o conceito de sujeira, deformação ou aberração.
Desta res publica comandada pela voracidade privada e deste Estado de Direito truncado por privilégios escusos estão sendo perigosamente extirpadas noções elementares para a convivência humana como respeitabilidade e honorabilidade. Tornam-se inúteis, descartáveis.
Dois patrões
Se Antonio Palocci não errou como ser humano, cidadão ou ministro de Estado errou feio como membro do Conselho Administrativo da Petrobras onde tinha assento na condição de ministro-chefe da Casa Civil.
Não é legal, não é legítimo, não é conveniente, nem apropriado ou adequado que uma mesma pessoa acumule as funções de consultor de empresas e conselheiro de uma das maiores petroleiras do mundo. Um de seus secretíssimos clientes não poderia ser um concorrente da estatal?
Se o enriquecimento vertiginoso de uma autoridade não gera suspeição e, portanto, não merece ser investigado, se transferência de expertise (segredos) não equivale a tráfico de influência, se trabalhar simultaneamente para dois patrões não produz conflitos de interesses, então que se elimine do dicionário o termo deontologia e locupletem-se todos os mal-intencionados.