A imprensa está vigilante e atenta às conquistas da liberdade de expressão, ao direito de resposta e ao direito do cidadão conhecer a verdade. A imprensa (democracia crítica) “acredita ser possível o melhor e que os limites que ela postula valem para garantir a possibilidade de procurá-lo constantemente” (Gustavo Zagrebelsky).
Com esse propósito, aproveito a Operação Lava Jato para dizer que talvez seja este o momento de a imprensa refletir e se autoquestionar sobre sua conduta diante dessa série de acontecimentos. O Brasil nunca tinha visto nada igual envolvendo políticos e empresários do alto escalão respondendo pelos seus atos à Justiça.
A imprensa jamais havia se deparado com um fato semelhante à Lava Jato. Como ela tem se portado? É correta a maneira como revela à opinião pública as denúncias contra esses cidadãos? O que se tem feito para evitar que as denúncias divulgadas se transformem para a opinião pública em sentenças definitivas antes de se conhecer a decisão final da Justiça, que poderá ou não ser favorável ao denunciado?
Como é possível evitar que as denúncias apresentadas despertem na opinião pública o “gosto de quero mais”, como se órgão de imprensa ainda tivesse muita munição contra o denunciado, perpetuando o sofrimento de seus familiares? Como é possível evitar esse expediente que garante mais audiência ou maior vendagem de exemplares e deixa de lado a principal função da imprensa – a de servir o público?
Como evitar que o homem público denunciado no exercício de seu cargo, que se licencia para aguardar a decisão final da Justiça, oportunidade em que provavelmente o governo já terá mudado, sofra as consequências das denúncias condenatórias publicadas na imprensa que o levaram, já nessa ocasião, a ser taxado de culpado pela opinião pública?
Uma postura perfeccionista
As manchetes divulgadas com grande destaque sobre as denúncias devem ter caráter condenatório, mesmo mencionando a fonte? É possível evitar a manchete condenatória poupando o denunciado de sofrer dano irreversível, levando em conta que a palavra final da Justiça deve demorar muito para acontecer? Se a manchete condenatória for diferente da decisão da Justiça em última instância, será possível o denunciado ver, mesmo que o assunto tenha sido superado pelo tempo, manchetes com os mesmos destaques da denúncia proclamando a sua inocência?
A pretexto do direito de defesa, a mídia da TV pega de surpresa o denunciado e lhe pede para se manifestar rapidamente e imediatamente a respeito de eventual denúncia. O que se tem feito para que o denunciado tenha ciência prévia da íntegra da denúncia e tenha tempo suficiente para apresentar sua defesa na íntegra, sem que a resposta seja editada ou mostrada incompleta? Uma notícia curta com título condenatório, de efeito devastador, exigirá do denunciado uma defesa longa. É possível lhe conceder esse espaço sem ser através da Justiça, mesmo que o espaço da denúncia seja menor que o pleiteado para o exercício do direito de resposta? Como é possível abrir mão do furo jornalístico em benefício da ampla apuração da verdade do fato, incluindo-se, evidentemente, o direito de resposta sem atropelos por parte do denunciado?
O grande jurista Manuel Alceu Affonso Ferreira faz um comentário, muito interessante e pertinente a essa nossa reflexão como autor do prefácio do livro de Rui Barbosa A Imprensa e o Dever da Verdade, de 1919: “A verdade tem compromissos constitucionais com a honra, com a imagem e com a privacidade. A verdade deve emanar da pesquisa isenta do fato a ser noticiado, para que, quando divulgada, a notícia efetivamente expresse o que aconteceu, ou está para acontecer, isto é, o ‘fato’, não a sua ilícita manipulação.
Na imprensa, o pior inimigo da verdade é a vaidade do ‘furo’; é a urgência do ‘fechamento’; é a convicção da infalibilidade da única fonte ouvida; é a sensação de que, em se divulgando amanhã a versão do acusado de hoje, estará autorizada toda e qualquer imputação; é a ignorância, lamentavelmente tantas vezes assistida, da presunção de inocência, a transformar o repórter, a um só tempo, em investigador, promotor e juiz dos seus semelhantes.”
Se o exemplo do “repórter justiceiro” citado por Manuel Alceu se tornasse realidade seria um horror. Fazer justiça com as próprias mãos é barbárie, é abominável. Felizmente, a imprensa tem dado o seu testemunho de respeito pela vida, pela dignidade do ser humano e pelos direitos humanos. A imprensa, apesar de determinadas exceções, cumpre o seu dever de fiscalizar a conduta dos homens públicos e tem o dever de revelar à opinião pública, após decisão final da Justiça, os nomes dos que assaltam os cofres públicos.
A imprensa é uma instituição que tem uma postura perfeccionista, comprometida com o bem comum de todas as pessoas. Tenho certeza de que ela, fortalecida e renovada, trabalha para que, conforme ressaltou o papa Francisco, “sempre seja lícito, jurídica e moralmente, o modo como se obtêm e se divulgam informações”.
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Francisco Paes de Barros é radialista