Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Meio ambiente: a mídia (ainda) de olhos fechados

 

Os holofotes do mundo se voltam para o Rio de Janeiro por conta da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O encontro contribuirá para definir a agenda ambiental para as próximas décadas e tem como foco a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, por meio da avaliação do progresso e das lacunas na implementação das decisões adotadas pelas principais cúpulas sobre o assunto. Também entrarão em pauta temas novos. Na terça-feira (12/6), o Observatório da Imprensa, exibido pela TV Brasil, veiculou a primeira de uma série de entrevistas especiais sobre mídia e meio ambiente.

Alberto Dines conversou com Washington Novaes, um dos jornalistas que conhecem profundamente o tema. Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Nas últimas cinco décadas, foi repórter, editor, diretor e colunista em diversas publicações, como Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Última Hora, Correio da Manhã, Veja e Visão. Ocupou os cargos de editor-chefe do Globo Repórter e de editor do Jornal Nacional, da Rede Globo.

Novaes dirigiu documentários premiados internacionalmente sobre povos indígenas e meio ambiente. Foi secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia do Governo do Distrito Federal nos anos 1990. Tem vários livros publicados e foi consultor do “Primeiro Relatório Brasileiro para a Convenção da Diversidade Biológica”, da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente é colunista de O Estado de S.Paulo e supervisor de Biodiversidade do programa Repórter Eco, da TV Cultura de São Paulo.

Agenda limitada

Na abertura do programa, Dines sublinhou que é preciso refletir sobre o comportamento da mídia voltada para o meio ambiente porque, se não houver uma conscientização clara, intensa e correta, até eventos de alcance internacional podem ser ineficazes. Dines questionou se outros encontros que discutiram o desenvolvimento sustentável acabaram deixando a impressão de que não conseguiram levar a mudanças concretas. Washington Novaes ponderou que, mesmo limitados, os encontros são importantes para colocar a questão ambiental no centro das discussões. “A consciência social no Brasil e no mundo tem crescido muito em torno dessas questões e precisa, quer e exige isso. Mas, ao mesmo tempo, é muito difícil chegar a acordos porque os acordos têm que ser planetários”, explicou Novaes.

As diferentes propostas das nações e os interesses econômicos envolvidos acabam dificultando as negociações. No entanto, na opinião de Novaes, é necessário discutir o tema com mais frequência porque os diagnósticos sobre os impactos das mudanças climáticas no planeta são preocupantes.

Dines observou que nas últimas duas décadas a imprensa tem se voltado para o meio ambiente, mas com um caráter “cosmético”, que “não vai até às últimas consequências”. Novaes pontuou que a mídia habituou-se a encarar as questões ambientais como interesses de “hippies” ou “profetas do apocalipse”. Em outros casos, “fazia de conta” que ecologia não tinha “nada a ver” com política, economia e cultura.

Questão integrada

“O tempo vem mostrando, com cada vez mais intensidade, que é praticamente impossível discutir qualquer assunto sem entrar por esses terrenos porque tudo o que o ser humano faz tem impacto sobre o mundo físico, sobre o solo, sobre o ar que respiramos, sobre os recursos naturais e as outras espécies. Mas, ao mesmo tempo, é muito difícil porque são questões que atingem muitos interesses. E a mídia teme as repercussões que isso pode ter sobre ela mesma, se ela tratar muito a fundo dessas questões”, disse Novaes. Ele explicou que empresas privadas, entidades governamentais e agências de publicidade – elementos essenciais para a sobrevivência financeira das empresas jornalísticas – podem se sentir afetadas pelo comportamento da mídia.

Para Dines, a imprensa precisa enfrentar temas cruciais, como a necessidade de a população reduzir o número de veículos de transporte individual, mas a delicada relação com o setor de propaganda sairia prejudicada. “Nós já temos no Brasil uma frota de veículos de mais de 30 milhões. A maior parte, de automóveis nas cidades. A previsão é que cheguemos a 2020 com 70 milhões de veículos nas cidades”, relatou Novaes. Estudos apontam que metade do espaço de cidades como São Paulo – garagens e ruas – é destinada aos veículos, e que os carros ficam ociosos mais de 80% do tempo. “Isso é um contrassenso que não faz sentido”, lamentou o jornalista.

Só indignação não basta

A falta de continuidade da imprensa sobre as questões ambientais também foi criticada por Novaes. Quando há algum fato que tem impacto, a mídia noticia. Depois, esquece completamente do assunto. “Por exemplo: quem está tratando das consequências dos desastres climáticos na região serrana do Rio de Janeiro depois de um ano? Quem está indo lá ver o que aconteceu e o que está sendo feito para resolver?”, questionou Novaes. Como não há cobrança, problemas estruturais como habitação nas encostas e nas margens dos rios não são combatidos.

Dines perguntou a Novaes o porquê de a imprensa não reservar um amplo espaço para o Código Florestal. “A Comunicação faz de conta que não sabe da influencia eleitoral que essas questões têm. O sujeito pode não ser fazendeiro, mas tem um eleitorado lá que é de moradores da zona rural, de empregados em certos setores econômicos. Então, faz de conta que não sabe disso. Agora, a Comunicação precisa começar a enxergar [a questão] de outras formas. Não há mais tempo a esperar. As coisas estão aí e são muito urgentes no mundo inteiro. O que pode acontecer em matéria de clima, de água, de recursos naturais é muito grave e é para hoje, é para ontem”, disse Novaes.

De acordo com sua avaliação, a mídia digital tem uma grande influência no debate sobre a questão ambiental, mas é “caótica”. “A sociedade não pode ficar em uma retórica da indignação. Ela fica muito indignada com tudo, mas não faz nada, não acontece nada. Eu acho que a sociedade precisa se organizar em grupos, discutir os assuntos. Chamar para discutir os assuntos quem pode ajudá-la – o Ministério Público, um instituto de consumidor, do meio ambiente – e formular projetos políticos.”

Outras soluções para os mesmos problemas

Washington Novaes afirmou que, na Europa, diversas cidades adotaram o pedágio urbano para diminuir o fluxo de trânsito. Outras medidas foram aumentar o limite de velocidade dos veículos de transporte coletivo e obrigar os proprietários de carros particulares a pagar pela reciclagem dos veículos. “Há muitos caminhos, mas aqui nós não fazemos quase nada”, disse o jornalista. No Brasil, parte dos carros sequer passa por inspeção para verificar a quantidade de poluentes que emite. “Essa coisa de meio ambiente não existe porque o meio ambiente é tudo”, advertiu Novaes.

Outro tema da entrevista foi a questão demográfica do planeta e as consequências do consumo desenfreado. Novaes explicou que há um “estoque” alto de mulheres em idade fértil em todo o mundo e os avanços da medicina elevam a expectativa de vida da população. Os números citados por Novaes são preocupantes: a previsão é de que o número de habitantes do planeta chegue a 9 bilhões. Atualmente, 1 bilhão pessoas passam fome todos os dias e 3 bilhões estão abaixo da linha da pobreza. Por outro lado, se um percentual mais elevado tiver acesso ao padrão de consumo dos países industrializados, seria preciso “pelo menos mais dois planetas” para suprir esses recursos naturais.

Dines pediu para Novaes comentar a migração das zonas rurais para as áreas urbanas. No mundo, a cada cinco dias, mais de 1 milhão de pessoas chegam às grandes cidades. Isso vai significar aproximadamente 300 milhões de pessoas a cada ano e tem como consequência imediata o aumento do caos urbano. Novaes explicou que, nesse processo de “metropolização do crescimento das cidades”, o Estado está se tornando um “ente tão grande” que não consegue chegar perto dos pequenos problemas dos cidadão comum. Ao mesmo tempo, é grande demais para resolver os complicados problemas das metrópoles.

No encerramento do programa, Dines questionou se deveria haver um esforço coletivo para transformar a questão ambiental em pauta permanente. Como ideias de práticas nesse sentido, Dines citou iniciativas como a obrigatoriedade da disciplina de Jornalismo Ambiental nas escolas de Jornalismo e cursos permanentes sobre o tema nas redações. “Costumo dizer que eu não me considero um jornalista especializado em meio ambiente. Eu sou jornalista, como sou há 55 anos. Agora, tenho uma história de vida e de profissão que me levou a um interesse cada vez maior por isso”, lembrou Novaes. O jornalista explicou que é preciso treinar o olhar para ver a questão ambiental de forma integrada e abrangente.

***

[Lilia Diniz é jornalista]