A emissora de TV al-Jazira cultivou, por anos, a fama de porta-voz da al-Qaeda. O canal tornou-se conhecido no Ocidente após os atentados de 11 de Setembro, quando exibiu vídeos de Osama bin Laden e passou a ser vista como palco de propaganda terrorista. Com sede em Doha, no Catar, a al-Jazira queria mudar de imagem e, ainda que continuasse como uma voz relevante para a comunidade árabe, tornar-se também uma alternativa informativa válida para o Ocidente.
Para tanto, os vídeos de bin Laden foram engavetados. O espaço para discussão, em contrapartida, foi ampliado: pela primeira vez, ouviu-se um judeu israelense falar hebraico em um canal árabe. Ali, para o desespero de líderes conservadores, discute-se religião, política e guerra. Para aumentar ainda mais seu alcance, a al-Jazira criou uma emissora em inglês, transmitida para mais de cem países. Recentemente, foi lançado um site intitulado I Want al-Jazeera (algo como ‘Eu quero al-Jazira’) para dissipar mitos e esclarecer contradições sobre o canal.
Um dos programas que ajudam a desfazer a imagem de associação com o fanatismo é o Riz Khan Show, exibido ao vivo com a participação do público, que interage com os entrevistados por telefone, SMS ou internet. Riz Khan é um experiente jornalista nascido no Iêmen do Sul e criado na Inglaterra, que já trabalhou para emissoras como BBC e CNN e tem o sotaque britânico na conta certa e a destreza necessária para conduzir bem sucedidas entrevistas.
Uma delas, exibida há duas semanas (quarta-feira, 18/2), merece destaque. Khan entrevistou o escritor israelense Amós Oz, que, por pouco mais de 20 minutos, foi direto e preciso em questões sobre o conflito israelense-palestino. Oz quase não sorri e relaxa apenas em alguns breves momentos: quando um telespectador, por telefone, desculpa-se por não ter o inglês tão bom, o escritor, brincando, responde que também não tem. Ainda assim, a dureza na expressão de Oz não passa antipatia ou insensibilidade; serve de moldura para o tema tão complexo de que fala com tanto conhecimento.
Divórcio
O escritor defende a solução de dois Estados para que israelenses e palestinos possam viver em sociedade. Ele não compara a solução a uma lua de mel, mas a um divórcio. ‘Os palestinos não vão a lugar nenhum. Estão na Palestina para ficar na Palestina, com razão. Os israelenses estão em Israel e também não vão a lugar nenhum, com razão. Eles não podem se tornar uma família feliz porque não o são, não são felizes e não são nem ao menos uma família, são duas famílias’, afirma. ‘Isso não é sobre se apaixonar e sair em lua de mel, é sobre um doloroso e talvez conturbado divórcio, e com certeza um divórcio curioso, pois as duas partes vão continuar a morar na mesma casa e terão que decidir quem fica com cada quarto e, como o apartamento é pequeno, as arrumações terão que ser feitas entre a cozinha e o banheiro. Isso vai ser complicado, mas é preferível à situação atual de opressão israelense e terrorismo palestino.’
Por fim, Khan faz a mais básica das perguntas sobre o assunto: Oz acredita, com base em tudo que já viu e vivenciou, que é possível ser otimista de que um dia vá haver paz no Oriente Médio? Sim, responde o escritor. ‘Eu sei que, hoje, há mais palestinos pronunciando a palavra `Israel´, que por muitos anos eles se recusavam a dizer, e hoje muitos israelenses pronunciam a palavra `Palestina´, que por muitos anos também se recusavam a dizer. Por isso eu acho que, lá no fundo de toda a animosidade e ódio, há a constatação de que não há alternativa a não ser um difícil compromisso entre as duas partes, e eu acredito que este compromisso tem como se estabelecer.’
As duas partes da entrevista de Amós Oz, em inglês, podem ser vistas aqui:
Parte 1
Parte 2