Caro editor,
Me envergonha muito a matéria publicada na página A6 do JB de hoje [ver abaixo]. Mais ainda pelo destaque dado a ela em chamada de capa. Se é que se pode chamar de matéria dois terços de página ocupados por linhas ofensivas, sem propósito e com fotos de arquivo de quase dois anos. Também sou jornalista e hoje não olharia na cara de um leitor se houvesse escrito tais frases.
Por que atacar desta forma outro profissional? Por que tão claramente ‘falar mal’ de Lourival Sant´Anna do Estadão e elogiar Sérgio D´Ávila, da Folha? Cheguei a olhar o jornal de novo para conferir se não estava lendo o diário paulista que sempre se vangloria de seus feitos ou o decadente mas ainda querido JB. Eu até concordo com a opinião explicitada no texto. Fiz o curso de jornalismo intensivo do Estadão e assisti a uma palestra do Lourival neste mesmo ano de 2003. Também não concordo com esse tipo de cobertura e também o achei um tanto canastrão demais. Bom de lábia, bom de auto-promoção. Não é esse o jornalismo em que acredito e o que pratico. Mas também repudio o jornalismo que vi nesta segunda-feira. Isso é notícia? Por que agora, em janeiro de 2005? Isso é alguma polêmica no jornalismo paulista atualmente que eu não estou acompanhando? Se é, por que não está dito?
De qualquer forma, o que justifica o leitor ser obrigado a encontrar ‘procurado pelo JB, Sérgio D´Ávila não quis dar declarações sobre o caso’ nas linhas finais e não existir qualquer menção a uma procura de Lourival Sant´Anna para dar declarações sobre o caso. Por que classificar o jornalista do Estadão de ‘o número dois do assassino confesso Antônio Marcos Pimenta Neves’ e insistir nisso ao longo do texto? A única fonte sobre o acusado é mesmo o site do mesmo? Quais são as intenções dessa matéria? Certamente não é informar o público, nem nada relacionado a interesses públicos.
Canso de perguntar, mas me sobra esta derradeira: por que a matéria não está assinada como a maioria das publicadas pelo jornal diariamente? Ainda que o texto estivesse na página de opinião do jornal eu teria desprazer em lê-lo. Mas ele está na parte nacional de um dos jornais com a história mais bonita e orgulhosa da imprensa deste país. O mesmo jornal que eu aprendi a acompanhar desde criança e que me levou de certa forma a mergulhar no jornalismo como opção de vida. O mesmo jornal que vai gradativamente perdendo um leitor, uma família de leitores, uma geração de leitores, uma sociedade de leitores. Meus pêsames ao autor da façanha, ao editor responsável e aos leitores indignados como eu. Atenciosamente, Bruno Dieguez, Rio de Janeiro
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Cobertura de guerra a distância
Copyright Jornal do Brasil, 23/1/2006
Quando as tropas americanas arrancaram do pedestal a pomposa estátua de seis metros de Saddam Hussein, no centro de Bagdá, o correspondente de O Estado de S. Paulo, Lourival Sant´Anna, não estava lá. Destacado para cobrir a guerra do Iraque, em 2003, Lourival, o número dois do assassino confesso Antônio Marcos Pimenta Neves, cumpriu a mais perigosa parte da tarefa de Amã, a capital da Jordânia. A mais de 500 km do epicentro do conflito, longe da artilharia, acompanhou a derrocada do ex-ditador iraquiano pela TV, assim como seus chefes o fizeram da Marginal Tietê, São Paulo.
O único repórter a cruzar a fronteira e cobrir a guerra em seu auge foi Sérgio D´Ávila, da Folha de S. Paulo, principal concorrente do Estadão. Lourival só chegaria a solo iraquiano em 14 de abril, quase uma semana após a queda da imagem de Saddam e um mês depois da Folha. Sérgio foi o primeiro a conseguir visto de entrada no Iraque. Chegou ao país dia 19 de março, horas antes de a primeira bomba espatifar-se em Bagdá. Ficou hospedado no Palestine Hotel, em frente ao complexo presidencial de Saddam. ‘De cara para o gol’, como se diz no jargão jornalístico.
Lourival Sant´Anna estava instalado em um dos luxuosos hotéis de Amã e de lá mandava reportagens para o Estadão. As fontes eram diplomatas. Procurava ouvir histórias de quem esteve no campo de batalha para tentar imaginar a dimensão do conflito. O som dos estampidos sequer chegava à capital da Jordânia.
Lourival chegou a Bagdá dia 14 de abril, ‘quatro dias depois da derrubada da estátua de Saddam Hussein’, como ele mesmo descreve na primeira reportagem assinada em 15 de abril de 2003 da capital iraquiana. O Estado de S. Paulo estava quase um mês atrás da Folha na cobertura da guerra. Os 10 mil mísseis e bombas lançados sobre a cidade deixaram de cair sobre Bagdá. Na reportagem, Lourival limitou-se a descrever o som de tiros de fuzil e rajadas de metralhadora vindas de lugar incerto. O site do jornalista número dois de Pimenta Neves direciona o leitor a acompanhar mais reportagens sobre a guerra do Iraque na lista dedicada à `Jordânia´.
‘Dois policiais à paisana apareceram ontem à tarde para escoltar um comboio de 12 carros de jornalistas estrangeiros, vindo da Jordânia’, escreve Lourival Sant´Anna dia 14 de abril na reportagem intitulada ‘Tiros, explosões: Bagdá ainda luta’. Lourival tinha acabado de chegar à capital iraquiana com outras dezenas de jornalistas. Ele continua a descrição da cidade ‘sem eletricidade, conseqüentemente sem água, que é tratada e bombeada por máquinas movidas à energia elétrica, e sem telefone, por causa dos bombardeios da coalizão’. Tinha entrado, só então, na guerra.
Sérgio já sentia essa sensação há algumas semanas. A experiência do front vivida pelo repórter e pelo fotógrafo Juca Varella virou o livro Diário de Bagdá, da Editora DBA. Sérgio conta nas páginas que o Palestine Hotel não oferecia água, comida, ou mínimas condições de conforto. Em plena guerra, Sérgio e Juca precisaram viajar de volta a Amã para pegar dinheiro e comida. Lá estavam instalados jornalistas destacados para cobrir o confronto, entre eles Lourival Sant´Anna . Os encontros da imprensa aconteciam no Hotel Intercontinental, uma luxuosa rede de hotéis espalhada pelo mundo.
A dupla da Folha pegou comida e água. Voltou para o Iraque. O Estadão, representado pelo ex-editor-chefe Lourival Sant´Anna, ficou para trás. Não fez menção de se dirigir ao coração do conflito naquele momento. A atitude se repetira em 2001, na guerra do Afeganistão. Sem ter passado um dia sequer naquele país – cobriu a guerra a partir do Paquistão – o número dois de Pimenta Neves escreveu livro de 264 páginas para a série ‘Vida de Repórter’, sobre a cobertura do mundo Taleban. Sérgio, por sua vez, foi autor do livro Nova Iorque antes e depois do atentado. Descreve as mudanças na cidade, onde era correspondente da Folha, após a queda das torres gêmeas.
Em março de 2003, poucos dias antes da guerra do Iraque, havia 2.000 jornalistas estrangeiros em território iraquiano. Quando ficou clara a intenção americana de invadir o Iraque, 1.820 cruzaram a fronteira. Apenas 180 ficaram, entre eles Sérgio e Juca. Procurado pelo JB, Sérgio D´Ávila não quis dar declarações sobre o caso.
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Jornalista, Rio de Janeiro