Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Antonio Delfim Netto

‘Ruy Aguiar da Silva Leme, professor da USP e um varão de Plutarco, foi um grande presidente do Banco Central do Brasil nos anos 60. Ruy foi uma das mais finas inteligências com quem tive a ventura de conviver ao longo da minha vida. A política monetária (o ‘estado da arte’) era então simples: tentar acomodar a taxa de crescimento da base monetária à taxa desejada de inflação mais o esperado aumento da taxa do PIB. Usavam-se, também, instrumentos simples, como as reservas bancárias primárias, o redesconto e os depósitos compulsórios. Não havia, praticamente, dívida de responsabilidade do Tesouro em circulação além das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional -e ela não chegava a 4% ao PIB. As operações de ‘mercado aberto’ só foram dinamizadas a partir da criação das Letras do Tesouro Nacional, em agosto de 1970.

Eram momentos politicamente tensos (1967/68), e estávamos saindo de uma forte recessão com uma importante capacidade ociosa a ser mobilizada. O quadro institucional fora profundamente modernizado pela dupla de ministros Roberto Campos e Octavio Bulhões, até mesmo com uma formidável reforma tributária, que entrou em vigor no dia 15 de março de 1967. No Rio de Janeiro, que até então havia sido o ‘centro do poder político-econômico’, funcionava uma ‘Bolsa’ que se alimentava de toda a sorte de intrigas, fofocas, boatos e piadas, divulgados com aparente ingenuidade em suas famosas ‘colunas’, que eram um fenômeno tipicamente carioca…

Foi nesse ambiente hostil que Ruy me apareceu com a sua ‘teoria do boato’, resumida em três leis:

1. a velocidade de propagação do boato é diretamente proporcional à importância do assunto ou da personalidade a que se refere;

2. a velocidade de propagação do boato é inversamente proporcional ao efetivo conhecimento da situação;

3. quando se soma a importância do assunto à ignorância generalizada sobre as condições em que o boato poderia deixar de sê-lo, ele atinge a velocidade da luz!

Um exemplo que satisfaz a teoria do boato de Ruy foi o que aconteceu na última quarta-feira (4/2): quase simultaneamente (o que prova a terceira lei), em Brasília, em Roraima, no Rio Grande do Sul, no Acre e em Pernambuco, se divulgava, de ‘boca em boca’, que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, havia sido demitido. Na Câmara dos Deputados, uma parte do PT já comemorava (‘recuperamos, finalmente, nosso Lula!’) e uma parte da oposição esteve próxima do pânico (‘finalmente ele, Lula, mostrou sua cara, como sempre dissemos que aconteceria!’). Não foi possível convencer com argumentos racionais nenhuma das duas partes de que aquilo tinha de ser puro boato, pois a imprudência que ele indicaria, nesse momento, provavelmente jogaria o país em mais alguns anos de atraso.

Foram dormir, uns com alegria e outros com decepção, para acordar, no dia seguinte, respectivamente, com decepção e alegria! Era outro dia, e sua luz dissolveu o boato… Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.’



FETICHE DA VELOCIDADE
Ivson Alves

‘Velozes e descartáveis’, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 16/02/04

‘Há duas semanas, saiu na Internacional do Globo uma materinha sobre o arsenal tecnológico que a mídia americana está usando para cobrir a campanha presidencial que começou com as primárias democratas. O tom da matéria, publicada originalmente no New York Times, era de admiração. Contava como a CNN pôde mandar ao ar muito rapidamente as imagens de um eleitor que começou a rezar diante das câmeras assim que o pré-candidato Howard Dean disse necessitar de preces para sua candidatura decolar. Ao presenciar o incidente, o produtor da tevê mandou um emeio alertando a sua chefia, que, pelo horário da mensagem, pôde localizar o trecho da fita sem demora.

Na matéria veiculada pelo Globo, o produtor diz que até achou o caso interessante, mas o que o levou mesmo a mandar o aviso à redação e o que fez a CNN jogar rapidamente no ar as imagens do rezador é que outro canal poderia fazer isso antes dela. Ou seja, na verdade, ninguém parou para pensar se aquelas imagens eram informativas mesmo, se tinham relevância para serem transmitidas por uma das maiores e mais importantes cadeias de tevê do mundo. O importante era mandar ao ar rapidamente. A rapidez era o essencial, não a notícia.

Esse fetiche da velocidade, detectado por Sylvia Moretzohn na sua tese de mestrado que virou o livro ‘Jornalismo em Tempo Real – O Fetiche da Velocidade’ (Editora Revan), infelizmente tem, a meu ver, conseqüências mais funestas do que fazer entrar nossa casa adentro um beato amalucado. Esse fato pôde ser constatado na barriga da RBS noticiada neste C-se semana passada. No telejornal da hora do almoço foi ao ar a notícia de que 32 pessoas tinham sido baleadas numa tentativa de assalto a um restaurante em Porto Alegre. Na verdade, ninguém fora baleado até porque não houvera sequer a tentativa de assalto – esta não passara de um trote. E mesmo o trote fora noticiado erradamente pela RBS: não eram 32 as vítimas baleadas segundo os trotadores idiotas, mas duas.

A RBS pediu desculpas, mas isso era o mínimo a fazer, certo? Não houve, no entanto, uma declaração da empresa afirmando que os processos de apuração e checagem das informações que irão ao ar daqui por diante serão melhorados. Assim, até onde se pode depreender, outras barrigas poderão acontecer por pressa de levar ao ar notícias sensacionais, impactantes, mas não cuidadosamente checadas até por se saber que provocarão alvoroço.

Este é um problema não só de tevês, mas também das rádios e dos noticiários online. Há onlines, por exemplo, que determinam cotas de notícias a serem preenchidas por cada editoria em determinado período, aconteça algo importante durante este tempo ou não. Essa obrigação, além de provocar situações hilárias – como nas editorias de Esporte, que, na parte da manhã, informam aos internautas cariocas muito do que aconteceu no dia anterior nos clubes de Sergipe, Pernambuco e Paraná -, também é um flanco aberto para barrigas como a cometida pela RBS.

Outro ângulo envolvendo os noticiários onlines é que eles elegeram o radiojornalismo como concorrente direto. Este fato tem grande possibilidade de levar a um novo patamar a disputa para saber quem dá uma notícia primeiro, já que o rádio é notório pela sua capacidade de divulgar informações rapidamente.

Alguns teóricos do jornalismo diziam, tempos atrás, que as novas tecnologias de difusão da informação valorizariam a nossa profissão. Afinal, raciocinavam eles, alguém teria que selecionar as informações realmente relevantes e contextualizá-las para levá-las ao público. E que profissional melhor do que o jornalista para fazer este trabalho de hierarquização e edição?

Esses teóricos foram por demais otimistas e não contaram com a lógica capitalista de que o importante é a massificação do produto – que no caso da informação pode ser lida como velocidade de propagação – e não necessariamente a sua qualidade. Este fato faz com que o jornalista, como categoria profissional, entre em processo de obsolescência acelerada, pelo menos nos veículos eletrônicos. Afinal, para botar no ar ou na rede qualquer coisa, qualquer um serve, não é mesmo?

Histeria – A reação histérica da direção do JB diante de uma matéria correta do Globo de 7 de fevereiro sobre a decisão judicial que penhora a marca Jornal do Brasil para o pagamento de uma dívida trabalhista apenas demonstrou a fraqueza do jornal. A penhora de uma marca importante como ainda é a do JB é notícia e por isso deveria mesmo ser publicada. Da mesma forma o protesto das dívidas da Globopar em Nova York já deveriam ter sido noticiadas com destaque pelo JB, em matérias mesmo, independentemente de briga ou não.

Melhor faria a direção do JB se em vez de ficar escrevendo editoriais candentes lembrando os fatos que desabonam a história das Organizações Globo – que embora verdadeiros não respondem à matéria publicada no concorrente nem indiretamente – pagasse o que deve às centenas de profissionais que por lá passaram e saíram sem receber o que lhes era de direito.

Evoé, Momo! (I) – O carnaval da mídia brasileira começou uma semana antes com a divulgação do primeiro suposto escândalo no Governo Lula. Não é lá uma venda do Sistema Telebrás, mas para quem há um ano não conseguia nada para encurralar politicamente o governo atual como fez com os anteriores, qualquer coisa é bem-vinda. De repente, até aquela graninha do BNDES, que anda encruada, sai agora…

Evoé, Momo! (II) – Semana que vem não tem atualização, por isso ficam aqui os votos de um ótimo carnaval pra você!’



MERCADO DE TRABALHO
Eduardo Ribeiro

‘Contrastes de um mercado imprevisível’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/02/04

‘Nesta terça-feira, na ronda telefônica semanal que faço habitualmente pelas redações, para apurar as novidades, numa conversa informal com o diretor de Redação de uma importante revista semanal brasileira, ouvi o seguinte desabafo: o mercado não reage; janeiro de 2004 foi pior que janeiro de 2003 e fevereiro está indo embora sem qualquer sintoma de retomada. Quase 20% do ano se foi e continuamos à míngua. Está realmente difícil ser feliz com esse quadro econômico perverso que atravessamos.

O problema, como se pode deduzir, tem a ver com a publicidade, ou mais precisamente com a falta dela, que continua arisca e arredia, ainda provocando calafrios e grande desconforto no mercado editorial.

Num outro telefonema que disparei, para um segundo colega que dirige uma publicação mensal, também de grande prestígio (de uma outra editora), fui surpreendido com uma situação que muitos dos leitores deste Comunique-se vão considerar inusitada. Ele me confidenciou que está há três meses atrás de um editor, e que, mesmo dispondo de um salário razoável (que ele diz saber não ser o melhor do mundo), está encontrando dificuldade para achar alguém com o perfil ideal (ou seja, com experiência em revista, e que conheça razoavelmente bem o mercado coberto pela publicação). E não é, obvialmente, por falta de candidatos.

Fiquei com cócegas na língua para indicar-lhe o nome de um amigo que, coincidentemente, havia me ligado um pouco antes, perguntando-me se eu sabia de alguma vaga ou mesmo de algum trabalho, pois ele já estava parado há alguns meses e as contas não paravam de chegar. Só não o fiz porque realmente esse meu amigo, embora queira trabalhar em qualquer área do jornalismo, nunca atuou na grande imprensa e não tinha o perfil que a vaga exigia.

De um modo geral ainda é muito grande o chororô no mercado, mas as boas notícias, embora ainda em número muito menor do que seria o desejável, estão aí para quebrar o aparentemente interminável ciclo de desgraças.

Uma dessas boas notícias vem da Editora Abril, a maior editora de revistas da América Latina e uma das maiores do mundo (o que não é pouco, considerando-se o efeito multiplicador que uma decisão por ela tomada pode ter nas demais empresas editoriais). Ela anunciou que, face aos bons resultados de 2003 (atingiu quase 100% das metas traçadas para o ano) e cumprindo compromissos assumidos no projeto Super Ação, vai pagar a todos os seus funcionários meio salário a mais, no mês de abril. E não é só. Vai também estender a todos os jornalistas da empresa o reajuste salarial de 8% que, pelo acordo coletivo assinado no final do ano passado, só seria concedido para profissionais com salários até R$ 6 mil.

A Abril, aliás, não foi a primeira a anunciar o pagamento de bonificação para seu quadro de colaboradores. Antes dela, o Grupo RBS, do Sul do País, deu a melhor de todas as notícias que um funcionário gostaria de receber: irá pagar a todos três salários a mais, em função dos excepcionais resultados de 2003, para empresas como Zero Hora, Diário Gaúcho, Rádio Gaúcha e RBS TV Porto Alegre – só ficaram de fora as empresas do grupo que não atingiram as metas. A bufunfa está programada para ser paga nessas próximas semanas. Ao todo, portanto, cada colaborador dessas empresas teve, em 2003, direito a 16 salários. Um oásis, nesse deserto editorial com reduzidas fontes de receitas.

Alheios a esse ambiente de incertezas, alguns colegas ignoram a crise e apostam em novas iniciativas. Uma delas está se materializando em Minas Gerais, mais precisamente em Betim. O município que abriga a Fiat Automóveis está ganhando um jornal diário, batizado de Diário de Betim. O lançamento se deu nesta segunda-feira (9/2). Trata-se, por enquanto, de uma iniciativa até certo ponto modesta (o jornal é um tablóide de quatro páginas, com 5 mil exemplares e, por enquanto, de distribuição gratuita), mas nem por isso menos ousada. O mentor é Luiz Müller, o mesmo que, através do grupo Hora H, edita o Diário de Itabira. Seguindo experiências levadas a cabo em João Monlevade, com o Diário do Vale (há um ano), e em Guanhães, com o jornal Centro Nordeste (há um mês), também o Diário de Betim vai em busca do leitor de menor poder aquisitivo, em plena praça pública, afixado em murais situados em pontos estratégicos da cidade. Se for bem sucedido, com o tempo buscará bancas e assinantes, pelo modesto valor de R$ 1,00. O editor-chefe é Tito Guimarães, que tem ao seu lado dois repórteres.

Certamente o ano que teremos pela frente ainda será dos mais difíceis e temperamentais, mas muitas das empresas que encolheram além do limite devem estar empenhadas em retomar a fase de crescimento. Que os bons ventos, pois, tragam rapidamente outras boas novas.’