Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ao Observatório da Imprensa 2

O Observatório da Imprensa vem publicando artigos mal informados, criticando a indenização que o Estado, o mesmo que se associou ao regime militar, está obrigado a me pagar, como deve pagar àqueles a quem prejudicou material ou moralmente, perseguindo, torturando e, em muitos casos, assassinando.

A Viúva, que rola e rebola nos artigos em questão, é a herdeira e sucessora do Estado anterior. Viveu em ostensivo concubinato por mais de 20 anos com o regime militar, tornou-se meeira dos créditos e débitos contraídos durante a vigência do escandaloso concubinato.

Só para lembrar um passado não muito distante. A mesma Viúva indenizou empresas jornalísticas como O Estado de S. Paulo, seriamente prejudicado durante a ditadura do Estado Novo; o jornal A Crítica, de Mário Rodrigues, pai de Mário Filho e Nelson Rodrigues, empastelado logo após a Revolução de 30, recebeu a indenização com a qual a família Rodrigues comprou o Jornal dos Sports, com aquelas páginas em papel cor-de-rosa; e mais proximamente, foi indenizada A Tribuna da Imprensa, cujo dono, aliás, receberá também uma indenização equivalente à minha.

A portaria publicada no Diário Oficial da União, sobre o meu caso, tem o mesmo teor daquelas publicadas para mais de 5 mil processos, variando apenas as quantias de acordo com a lei. Um cabo da Marinha ganha menos do que um piloto internacional da Varig. O primeiro terá uma indenização irrelevante. O piloto da Varig, José Caetano Lavorato Alves, creio que merecidamente, receberá R$ 2,54 milhões, um milhão a mais da indenização que deverei receber. A dedo-duragem não é minha. É do Diário Oficial da União.

Tabela vigente

Há duas questões que merecem ser discutidas, mas sem o ressentimento intelectual, profissional ou pecuniário.

Primeira: a justiça da indenização. Uma revista da praça, na segunda matéria que fez sobre o meu processo, reconheceu que ‘para Cony foi feita justiça’. Apesar da demonização com que me apresentou, confrontando o meu caso com o de uma viúva, para acentuar a diferença da indenização dada a um herói morto e a um burguês vivo. (Fui promovido: antes, o Partidão me considerava pequeno-burguês.)

O confronto exposto na matéria revela a noção mais do que primária da revista sobre o desafio social que a humanidade enfrenta desde a época das cavernas. E evidentemente, a Comissão de Anistia não foi criada nem ganhou delegação ou autoridade para promover a igualdade de classes, sonho, esperança ou utopia de tantos que morreram ou sofreram buscando uma sociedade sem classes.

Muitos dos pretendentes tiveram seus processos indeferidos ou retardados por falta ou falha de provas. Não foi o meu caso, que não se limitou à perda de empregos. Repito: não se limitou à perda de empregos. O processo é público, qualquer cidadão pode pedir acesso a ele. O presidente da Comissão de Anistia está habilitado a responder por qualquer irregularidade praticada pela Comissão, incluindo-se entre as irregularidades o favorecimento pessoal ou a submissão a pressões de terceiros. Seria responsabilizado também pela quebra da ordem de atendimento, dando prioridades indevidas a determinados processos.

Segunda: o valor das indenizações. Não compete, a quem se habilita à indenização, estabelecer a quantia ou o critério de cálculo para cada caso. O critério é determinado em lei votada no Congresso Nacional e prevalece para todos. Por conseguinte, a afirmação de que eu pedi tanto, alegando isso ou aquilo, é mais do que errada: é imbecil. Nada aleguei. Meu advogado apresentou fatos, documentos, sentenças do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal Militar, da 12ª Vara Criminal do Rio de Janeiro e outras.

Inclusive, a declaração oficial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, feita pelo seu então presidente, Nacif Elias Hidd Sobrinho, em papel timbrado do sindicato e com firma reconhecida em cartório. Ele nada arbitrou nem tinha competência para isso. Apenas informou a tabela vigente no mercado de trabalho. E poderá ser responsabilizado criminalmente se falseou a tabela. O que ele não fez, nem lhe competia fazer, era estabelecer a quantia que cada indenizado deveria receber. O colega que me atacou reincide em negar este fato, baseando-se numa alegada declaração de pessoa que nada informou à Comissão porque nada tinha nem tem a informar em nome do órgão sindical da classe.

Se a tabela por acaso estiver errada, a responsabilidade pelo erro fica por conta do presidente do Sindicato. Quanto ao informante que o colega, colaborador do Observatório, descolou por aí, melhor seria se calado ficasse. Ao investir-se de uma autoridade que não tem, além de mau informante, revelou-se irresponsável.

Assunto pessoal

Resta a questão da moralidade, da ética que, tal como a Viúva citada, rola e rebola por aí. Aristóteles e São Tomás de Aquino, autores que deram régua e compasso à Ética, usaram palavras diferentes mas com o mesmo sentido: é necessário e oportuno (‘necessum et oportet’) cobrar a dívida, seja ela de quem for, desde que suficientemente provada. (Informo, a quem não sabe, que São Tomás, na parte filosófica, atualizou Aristóteles para a sua época).

A melhor definição de Ética que eu conheço é a de Voltaire, bem superior à de Aristóteles e à de São Tomás: ‘Ética é aquilo que nós queremos que os outros não façam’. Um ramal da Ética seria a deontologia, responsável pelo curioso espécime do deontólogo. No caso dos jornalistas, os deontólogos fizeram os manuais de redação, que detalham desde os ditongos átonos nas palavras proparoxítonas, até o cafezinho que o jornalista pode aceitar durante a entrevista com uma autoridade ou um empresário.

Reitero que não pedi as quantias que ainda não recebi. Se a lei me facultasse estabelecer o valor das mesmas, teria pedido mais. Quanto ao destino que darei ao pagamento daquilo que a Viúva me deve – e deve a milhares de brasileiros – é assunto meu. Agradeço e louvo as sugestões de doar o dinheiro ao Estado ou a institutos de caridade. Prefiro seguir o exemplo de Rabelais: nada tenho, devo muito, o resto – imitando a senhora Ana Leocádia Prestes – deixo aos pobres.

PS – No texto anterior que enviei ao Observatório da Imprensa, na relação de alguns dos indenizados, deveria aparecer o respeitável nome de Rodolpho Konder, ao lado do igualmente respeitável nome de Cristina Konder. A secretária, ao digitar o artigo, trocou sem querer o nome do Rodolfo pelo de Leandro Konder, filhos do Dr. Valério Konder, um dos homens que mais respeitei e admirei. Mesmo não sendo ofensa atribuir a qualquer pessoa o pedido da indenização devida pelo Estado, peço desculpas ao Leandro e ao Observatório pelo equívoco cometido.

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Jornalista e escritor