Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Arcanos da política e julgamento midiático

A cassação do deputado José Dirceu assinala um evento importante na vida política nacional porque mostra a mídia, particularmente a televisão, empenhada num exercício do jornalismo investigativo, tornando a governabilidade mais transparente. Certamente, a conduta da mídia tem a sua parcela de responsabilidade no processo de cassação porque mostrou as entranhas do poder político, mostrou que ‘o rei está nu’.

Ao mesmo tempo, convém percebermos que o episódio da cassação se efetiva envolvido por uma certa aura de tristeza, pois é signo do desmantelamento de um projeto político que alimentava a esperança das massas. Entender que esta foi, sobretudo, uma decisão política partidária e a palavra para entender o resultado dos votos favoráveis à cassação é ‘bode expiatório’, ou seja, os parlamentares sabem que ‘o olho grande da televisão’ (e a atenção dos eleitores) está mirando seus discursos e condutas; logo, para manter a imagem limpa do Congresso Nacional, cassou-se o deputado José Dirceu, ‘provando’ que a casa não é conivente com as derrapagens dos políticos profissionais.

Equação complexa

O evento pode ser entendido assim como um ‘julgamento midiático’; a mídia eletrônica, particularmente, é co-autora do processo de desmontagem do prestígio político, ela tem o poder de acender e apagar as estrelas. Num contexto em que os poderes conservadores são hegemônicos, o Estado se mostra frágil sob a égide do turbocapitalismo e o mercado parece ditar as regras do jogo, convém repensarmos os termos de uma crítica e autocrítica que possa dignificar o campo da comunicação. Assim, a convergência entre a mídia impressa, a televisão e a internet pode influir qualitativamente no cumprimento de um ofício norteado pelo princípio democrático.

Em termos de autocrítica, cumpre destacar a estratégia do programa Observatório da Imprensa (transmitido pela TV Educativa do Rio e pela TV Cultura de SP, além de disponibilizado gratuitamente pela internet). De maneira similar, o exercício do ombudsman (empenhado na autocrítica do jornalismo) consiste num modo de orientar a mídia, conferindo ética ao ‘julgamento político’ e – ao mesmo tempo – contribuindo para a expansão de um espaço público mais crítico, esclarecido e civilizado.

Em todo caso, a equação complexa que envolve a mídia, o Estado, o parlamento e a dita ‘opinião publica’ passa pelo crivo de uma discussão mais ampla, contemplando, por exemplo, as empresas jornalísticas e as instituições civis (o que inclui as escolas de Comunicação e o trabalho dos profissionais de imprensa). Ontem, o diálogo entre estas esferas se fazia pontuado por uma certa incomunicabilidade; hoje, experimentamos um nível de interação que certamente, deve repercutir de maneira favorável para as modalidades de desenvolvimento sociocultural, em suas dimensões locais e globais.

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Professor do Departamento de Comunicação da UFPB