Editorial do Estado de S.Paulo de domingo (16/12) destaca que o Estado faz mal à economia por não ter preparado a sociedade, mediante gastos públicos, adequando-a, pela educação, às necessidades do sistema industrial, tocado pela tecnologia da informação, como alternativa, via ciência, tecnologia e inovação, para aumentar a produtividade e competitividade no mundo globalizado.
Lamenta que a Cia. Vale do Rio Doce, privatizada a preço de banana, agora modernizada e altamente produtiva em mãos privadas, requer mão-de-obra especializada que se encontra apenas no mercado internacional, pois por aqui a formação profissional dos trabalhadores é insuficiente para as demandas da grande empresa.
Mas, o que é o Estado? Um ente acima das classes, eqüidistante entre os interesses antagônicos delas, que buscam, entre si, lutar pelo bolo da riqueza nacional? Ou um instrumento do qual alguns, a elite, se utilizam para fazer valer seus interesses?
Não é esse o perfil histórico do Estado brasileiro, montado pelas ordenações manuelinas, advindas da Península Ibérica, fincado pelas capitanias hereditárias, evoluído para as sesmarias, desembocando na escravidão, que prevaleceu até quando se revelou, do ponto de vista capitalista, anti-econômica, para fazer preponderar os interesses da classe dominante sobre a dominada?
Concentração de renda
Nesse período, o que aconteceu com o Brasil, senão o aprofundamento da ignorância, minimizada pelas conveniências da elite, dona da grande mídia, nos séculos 19, 20 e 21 (por enquanto), quando seus desígnios estiveram em perigo, e não porque sua visão prospectiva determinava a necessidade de apostar no futuro, apoiando a educação da sociedade como um todo, preparando-a para a fase capitalista que emergia pós-escravidão?
Nada. Predominou o mandonismo e o coronelismo, inclusive depois da revolução de 1930, que trouxe o pensamento modernizador do capitalismo europeu por meio das conquistas sociais. Durante esse período e após ele, o que fizeram os editorialistas da grande imprensa brasileira? Tão somente importaram o liberalismo invertido, relativamente, ao que estava acontecendo nos países capitalistas desenvolvidos, onde os movimentos políticos sociais avançavam, ora para o socialismo, ora para a social-democracia.
Em vez de disporem da visão equilibrada em defesa do desenvolvimento harmonizado entre produção e consumo, no interior do capitalismo nacional, abraçaram a ideologia da primeira, emanada das universidades dos países ricos, enquanto o segundo foi deixado para escanteio, criando, conseqüentemente, o caldo de cultura que entornou nos conflitos sociais e golpes de Estado.
Para a produção, tudo – o dinheiro do BNDES, as concessões, os subsídios e os perdões de dívidas estatais, necessários para sustentar o poder de compra de uma elite que entrava na industrialização, para adquirir bens duráveis de luxo, algo que demandou crescente concentração da renda, em termos pessoais e espaciais, em prejuízo do equilíbrio federativo.
Ideologização mecanicista
O exemplo dessa desestruturação na construção do poder econômico nacional é demonstrado pelo perfil do sistema tributário, responsável por canalizar renda dos estados mais pobres para os mais ricos, com decisiva ajuda da ditadura militar, a fim de erigir a industrialização em São Paulo.
Já o consumo global da sociedade, parte da realidade da qual participa a produção, como dualidade do real concreto em movimento dialético – verdade-mentira, positivo-negativo, masculino-feminimo etc. –, foi jogado para debaixo do tapete em relação aos interesses globais do sistema em sua totalidade.
A produção, conseqüentemente, jamais se realizou no consumo, no Brasil. A crônica insuficiência de demanda global tornou-se dessa forma a parteira do fenômeno sub-consumista, que, de um lado, requereu ação do Estado, dominado pelas elites, para salvar os investidores, enquanto, por outro, exigiu polícia para bater nos estudantes e trabalhadores sindicalistas que reivindicavam distribuição da renda, pedindo partição do bolo da riqueza.
Não se cuidou, graças às elites, donas da grande mídia, da criação capitalista do mercado interno, como, por exemplo, aconteceu nos Estados Unidos, onde de 1870 a 1930 rolou a reforma agrária, mediante a filosofia segundo a qual a propriedade da terra é dada pela ocupação e posse, enquanto, aqui, posse e ocupação se davam pelo registro nos cartórios, cujos donos eram os integrantes das elites, amarrados, ideologicamente, ao pensamento dominante, defensor dos investimentos apenas na produção, e não no consumo, em doses eqüitativas, bem na linha da ideologização mecanicista que, historicamente, tomou conta da grande mídia.
Marginalização e desemprego
Por que educar o povo, para preparar o capitalismo brasileiro de modo a qualificá-lo como competitivo no plano globalizado, se tal educação exigiria repartição da riqueza, algo desinteressantes para as elites, das quais O Estado de S.Paulo é histórico porta-voz?
O predomínio do subconsumismo, relativamente à produção, criou o desbalanceamento histórico entre produção e consumo, amplamente avalizado pela inteligência midiática. Tal situação implicou, sobretudo, para solidificar visão, no interior do Estado, endurecimento em relação à renovação do pensamento capitalista, dependente do avanço da educação competitiva.
Agora que a tecnologia da informação rompeu as fronteiras dos estados nacionais, no rastro da financeirização econômica, cujo poder passa por cima dos governos e da soberania do próprio Estado nacional, a supremacia de um país sobre o outro é dada pela taxa de conhecimento da população.
Que fazer para reverter tal prejuízo histórico?
Apostar, claro, na educação, mas, antes, tornou-se decisivo criar as bases de uma sociedade de consumo. Que adianta, agora, oferecer educação, se as barrigas estão vazias nas periferias dos grandes centros, no compasso da marginalização social e do desemprego estrutural?
Produção e consumo
A grande mídia está cheia de culpa por basear-se, ideologicamente, em defesa dos grupos de interesses ancorados na ideologia da produção, dependendo dos subsídios do Estado, dada a insuficiência relativa de consumo global, predominante ao longo da história do capitalismo brasileiro.
A produção jamais se realizou no consumo de forma satisfatória, obrigando o governo a subsidiar a primeira em prejuízo do segundo, levando a política cambial às crescentes desvalorizações para desovar os estoques acumulados internamente por falta de consumidores.
Tal desestruturação econômica tem sido corrigida pelo avanço dos investimentos em programas sociais, impulsionados por recursos advindos de extração de dinheiro da sociedade, por meio de impostos tipo CPMF, agora derrubada com apoio da grande mídia, que não percebe que os cadernos de publicidade que estão bombando nos finais de semana têm sido possíveis graças ao aumento do consumo interno, impulsionado pela aposta no social, a fim de equilibrá-lo com o econômico.
Os investimentos no social, nos últimos anos, como demonstram as pesquisas do Data Folha – também neste domingo – mostram o avanço das classes E e D, migrando para a C por conta do aumento do consumo. De barriga cheia, os miseráveis poderão ter outras expectativas, especialmente, as relacionadas à educação, algo anteriormente inexistente.
O editorial do Estadão não faz autocrítica histórica das elites porque teria que desvestir-se da sua própria arrogância, por estar historicamente alinhado com as forças conservadoras, que contribuíram e contribuem para o atraso do país no plano educacional, dado seu alinhamento ao pensamento ideológico da produção em confronto com a ideologia do consumo. Posicionamento, evidentemente, mecanicista, como se as duas partes pudessem viver separadas uma da outra no contexto do desenvolvimento nacional sustentável.
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Jornalista, Brasília, DF