Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Arsenal pesado, bom motivo

A violência começa pela negação do outro e é agravada pela negação de sua condição. Não é preciso invadir uma fazenda para consumar uma agressão. É perfeitamente possível ser violento apenas com palavras, gestos e imagens, sobretudo quando se dispõe de alta tecnologia, mão-de-obra qualificada e diversos benefícios do governo. Ao ignorar o significado e as dificuldades inerentes a quem traz no nome a ausência do lar, as Organizações Globo cometem um ataque virulento a todos os brasileiros que não possuem o mais elementar direito, que é o direito à terra. Conseqüentemente, nega-se também o direito à moradia e ao trabalho, posto que é ali, na terra, que os pobres do campo buscam sua labuta.

Quem disse ‘ser sem terra pode; querer terra, não’ não foi nenhum ‘extremista’ ou ‘desordeiro’, para usar duas palavras tão caras ao jornalismo saudoso dos anos de chumbo, mas Luis Fernando Verissimo, colunista do jornal O Globo, publicação que traz em seu editorial [abaixo reproduzido] de sexta-feira (10/3) uma síntese do pensamento dos homens que enxergam no Brasil uma colônia que deve ser eternamente explorada para o benefício de poucos e a pobreza da grande maioria.

Estudo de caso

E seria estranho se procedesse de outra forma. Devemos entender que as Organizações Globo são uma poderosa corporação, talvez a mais poderosa do país pois, além de trabalhar com produtos concretos e exportações (como fazem com as novelas), suas empresas controlam diretamente o capital subjetivo da nação, algo que nenhuma chapa de aço produzida por Antônio Ermírio de Moraes pode fazer.

Dessa forma, enquanto corporação voltada prioritariamente ao lucro, é esperado que defenda o atual modelo econômico e se insurja contra os grupos organizados que protestam contra a injustiça desse sistema que restringe o emprego e transfere a renda dos trabalhadores a este buraco negro chamado mercado financeiro, além de naturalizar a miséria, o desemprego e a fome.

Este editorial de O Globo deveria ser estudado nos cursos de Jornalismo. Nele, para além do reacionarismo, há toda sorte de manipulação, como a omissão de informações relevantes e a descontextualização dos fatos. O jornal é omisso ao não ouvir os representantes da Via Campesina Internacional, que estavam no Brasil, e ao não explicar que a produção industrial do eucalipto e das acácias pela Aracruz Celulose está criando os chamados ‘desertos verdes’: além de a monocultura esgotar o solo, essas plantas consomem enormes quantidades de água. Além disso, o enxerto feito a partir de uma frase de João Pedro Stédile, devidamente retirada de seu contexto original, revela o tipo de jornalismo praticado pela maior empresa de comunicação do país. Mas isso não é tudo.

Valores que aterrorizam

Ou o editorialista é ignorante em economia (o que não acredito) ou agiu de má-fé e, nesse caso considera seu leitor limitado – um Homer Simpson, talvez. O texto diz que ‘as economias emergentes como o Brasil são cada vez mais dependentes de recursos externos para garantirem a prosperidade dentro de suas fronteiras’. E continua: ‘Só inimigos do país veriam no investidor estrangeiros um inimigo a ser derrotado’.

Em primeiro lugar, as potências hegemônicas é que dependem dos demais países, já que seus recursos naturais estão terminando (gostaria de saber como eles fariam sem petróleo, água, ferro, manganês, nióbio, ouro, madeira, diamante e prata, entre outras riquezas, que saquearam à força outrora e saqueiam diplomaticamente hoje). Em segundo lugar, há que se diferenciar o investidor estrangeiro, que chega para investir em capital produtivo, do especulador estrangeiro, que vem apenas se aproveitar dos juros altos e lucra bilhões sem produzir um prego sequer. A crítica dos movimentos sociais, como o MST, é a este especulador, e não ao investidor. Como o jornal não faz essa distinção, acaba produzindo desinformação. Em terceiro lugar, ficam as perguntas: de que prosperidade exatamente estamos falando? Quem se beneficia com ela? Os novos bilionários ou os trabalhadores? Essa é a mesma prosperidade que derrubou nossa economia para a 15ª posição? Ou a que nos transformou no segundo país mais desigual do mundo?

No entanto, uma corporação não dispara seu pesado arsenal sem um bom motivo. Como pano de fundo dessa campanha orquestrada contra o MST está a certeza de sua capacidade de organização, sua conscientização política e sua educação solidária e humanista (pelo método Paulo Freire). Enfim, todos esses valores que aterrorizam a sociedade de consumo.

‘O MST e a lei

[editorial de O Globo, 10/3/06]

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra há muito deixou de lado a luta pela reforma agrária para se dedicar a uma causa que, pelos altos riscos envolvidos, acena com uma farta colheita de dividendos políticos: a de testar a elasticidade das leis brasileiras, o pulso ou a falta de pulso das autoridades, e a paciência da sociedade com a litania de suas reivindicações que, justas em tese e na retórica dos palanques, na prática só têm servido para acobertar ações do mais insensato e estéril aventureirismo.

No Brasil e em qualquer parte, a democracia está em perigo quando a audácia dos desordeiros conta com a leniência e a hesitação dos responsáveis pela manutenção da ordem e pelo cumprimento da lei. Aqui, os desmandos dos militantes atingiram tal ordem de irresponsabilidade que hoje a democracia brasileira não tem inimigos mais obstinados e desleais do que o MST e similares como a Via Campesina — o grupo que anteontem comemorou o Dia Internacional da Mulher enviando suas brigadas femininas à Aracruz Celulose em Barra do Ribeiro, perto de Porto Alegre, para destruir bens da empresa.

É o coordenador dos sem-terra João Pedro Stédile quem se define — a si e aos militantes que orienta, instrui e comanda — como inimigo da ordem social e econômica vigente no Brasil. Num discurso anteontem ele expôs o plano de ataque do MST para o ‘2006 Vermelho’, que justificou a invasão da Aracruz Celulose: ‘Não é mais o capital industrial que controla a agricultura, é o capital financeiro. As transnacionais. O inimigo não é mais o latifundiário tradicional, é o grande capital internacional.’

Desde quando o que as esquerdas mais obtusas chamam pejorativamente de grande capital internacional é inimigo de economias emergentes como o Brasil, cada vez mais dependentes de recursos externos para garantirem a prosperidade dentro de suas fronteiras? Só inimigos do país veriam no investidor estrangeiro um inimigo a ser derrotado.

As bandeiras de luta do MST e congêneres para 2006 estão desfraldadas. Cabe ao poder público aplicar a lei para assegurar que neste ano eleitoral as naturais diferenças entre os brasileiros não sejam exacerbadas até o limite da intolerância pela histeria dos extremistas.’

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