Os apresentadores de TV no domingo da eleição, e os editores e colunistas de jornais na segunda-feira (2/3), não cansaram de declarar sua surpresa com a passagem de duas candidatas a governador para o segundo turno: Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul, e Denisse Frossard, no Rio de Janeiro.
Como se as parlamentares– uma foi ministra e a outra se tornou famosa como juíza ao combater o crime organizado no Rio de Janeiro – tivessem surgido do nada. Como se não tivessem exercido mandatos como deputadas federais, ganhando o respeito dos seus eleitores.
Culpa do despreparo da imprensa ou da fé absoluta nas pesquisas? Escreveu a colunista Dora Kramer em seu comentário de segunda-feira (O Estado de S.Paulo):
‘Elas [as pesquisas] se tornaram uma verdadeira obsessão e são tratadas pelos veículos de comunicação como bíblias, bulas papais, documentos divinos que encerram a verdade absoluta e imutável… Quando elas falam, tudo o mais em volta se cala em reverência. Não há reportagem, não há observação dos fatos, não há análise ou interpretação de procedimentos que consiga ser mais forte que os números das pesquisas’.
Na segunda-feira (2), enquanto os jornais de São Paulo e do Rio continuavam insistindo na perplexidade, o gaúcho Zero Hora fez o que se espera da imprensa: explicou aos leitores o que levou Yeda ao segundo turno:
‘A conjunção de três fatores explica o desempenho da candidata. O primeiro é a novidade em uma eleição disputada por dois ex-governadores e pelo atual governante do estado. Yeda também conseguiu capturar votos por ser a primeira mulher a apresentar condições de disputar a principal cadeira do Palácio Piratini. O terceiro motivo tem a ver com a eleição nacional. Ao acoplar a campanha à de Geraldo Alckmin (PSDB), Yeda canalizou para si o bom desempenho do ex-governador de São Paulo e o voto de protesto do eleitor descontente com a sucessão de escândalos políticos’.
Gastar sola de sapato
Como os institutos de pesquisas não vão perguntar aos eleitores por que eles votaram em Denise Frossard, dificilmente os leitores terão uma explicação para a vitória parcial da juíza carioca. No jornal O Globo (2/10) ficamos sabendo apenas que ela ‘agradeceu aos eleitores e espera apoio de outros candidatos’.
Ganhou, em resumo, o mesmo espaço destinado à derrotada Heloisa Helena, fotografada na hora de votar e entrevistada para dizer quem apóia no segundo turno. Ninguém lembrou de dizer que, com seus magros 6%, ela teve duas vitórias: tornou seu partido conhecido nacionalmente e impediu que seu ex-aliado Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente-candidato, pudesse comemor a passagem para um segundo mandato.
Numa eleição em que as mulheres proporcionaram boas surpresas à imprensa, seria de esperar que um jornal, qualquer um, gastasse algumas linhas para dizer quantas eram as mulheres candidatas, quantas se elegeram, o que elas ofereciam de novo com suas candidaturas. Mas, pelo visto, ainda não existem editorias especializadas em discutir a situação das mulheres e seus sucessos. Justiça seja feita: ficamos sabendo ao menos que a deputada da ‘dança da pizza’ não conseguiu se reeleger entre as 38 deputadas federais eleitas (4 a menos do que em 2002).
Não sobrou espaço para falar de mulheres. Mas sobrou para dar destaque a Clodovil Hernandes entre os ‘exóticos’ recém-eleitos. O candidato sem projeto e que considera seu mandato ‘um emprego a mais’. O candidato que seguramente foi eleito com o voto das mulheres, suas fãs nos programas vespertinos, iludidas com o estilo ‘franco e direto’ do estilista, apresentador de TV e agora deputado federal.
Se a imprensa tivesse se dado ao trabalho de fazer entrevistas e tentar descobrir quem eram os prediletos do povo, não teria ficado surpresa com a votação de Clodovil, nem com o fato de uma juíza, séria e famosa por sua luta contra a corrupção, terem conseguido tantos votos.
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Jornalista